Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Arte é mais que um direito. Arte é saúde mental', diz Denise Fraga

A atriz tem lotado teatros no Brasil inteiro contando histórias de pessoas comuns, misturadas com algumas dela mesma, assim como um tico de poesia e música

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A atriz Denise Fraga Marlene Bergamo/Folhapress

"Estou vivendo o momento mais incrível da minha vida, e estou completamente alerta, isso é muito legal", diz Denise Fraga, numa conversa longa no segundo andar de seu apartamento, na região central de São Paulo, onde ela mora há 28 anos.

Denise é carioca, nasceu, foi criada, estudou teatro e começou a carreira de atriz no Rio de Janeiro, mas São Paulo a conquistou há quase trinta anos. Foi na capital paulista que ela se revelou para o Brasil inteiro, quando estreou na comédia de erros "Trair e Coçar É Só Começar", em que interpretava a empregada Olímpia, atrapalhada, estapafúrdia e estridente, e que fazia o público morrer de rir e rever a peça várias vezes.

Escrita por Marcos Caruso, "Trair e Coçar" entrou em cartaz pela primeira vez em 1986 e foi um fenômeno de público tão descomunal que foi parar quatro vezes no "Guiness", o livro dos recordes mundiais, como a peça que ficou mais tempo no teatro sem intervalo. Denise ficou seis anos no elenco.

E aí teve o encontro com o cineasta paulista Luiz Villaça, com quem desenvolveu uma parceria de trabalho ultra frutífera, além do fato de que os dois se apaixonaram, se casaram e tiveram dois filhos, hoje adultos. Os quatro moram no apartamento amplo em que Denise deu esta entrevista, e, antes que começássemos a gravar, ela deixou escapar que torce para que tudo continue assim por muito tempo.

Os dois filhos têm namoradas e Denise já está apaixonada pelas "norinhas". O que, para quem a conhece um pouco, não deve ter sido uma notícia muito surpreendente. Denise adora pessoas, gente, conversa com todo mundo, fala bastante mas também é ótima ouvinte. E, quando ela conversa, ela conversa. E só. Não checa o celular, não responde qualquer coisa, não finge interesse quando não tem (coisa rara), nem faz aquela coisa protocolar e falsa de reagir como se tivesse chocada com o que a outra pessoa diz mas no fundo não tá nem aí.

E talvez esse seja o ingrediente secreto do sucesso de "Eu de Você", a peça que Denise concebeu e que faz atualmente, sozinha no palco, a não ser pelas três instrumentistas que ficam nos cantinhos e que a acompanham todas as noites. "Acho que eu tenho coragem de me vulnerabilizar", diz Denise, quando eu insisto que ela me explique essa mágica de lotar todos os teatros em que se apresenta.

No último dia 1º de agosto, Denise fez uma sessão de "Eu de Você" no Theatro Municipal de São Paulo, com a plateia lotada, como tem sido costume desde que estreou, em 2019. Mas, no Municipal, eram mais de 1.500 pessoas assistindo. A peça foi filmada nesta noite, assim como a saga da atriz, que teve o sonho de se apresentar no teatro mais tradicional da cidade, construído em 1911, contando histórias de gente comum, mas foi deixada em banho-maria durante os dois longos anos que durou a pandemia.

O documentário será dirigido por sete pessoas, cada uma responsável por um aspecto da história. E, até a conclusão desta edição, ainda não tinha data de lançamento agendada.

Denise está sozinha em cena, falando, correndo, pulando, cantando, fazendo rir e chorar, rindo e chorando junto com o público. Mas ela se recusa a dizer que este é um trabalho solo, a peça tem uma lista de créditos enorme, e a do documentário será maior ainda.

E tudo começou com um anúncio publicado em uma página inteira deste jornal, em 2018, escrito pela própria Denise, que sabe até hoje de cor. "Eu amo esse texto até hoje porque acho que ele já indicava o caminho que a gente trilharia. Foi uma intuição minha, eu falava 'minha próxima peça vai se chamar Eu de Você, quero subir no palco para contar a sua história. Eu quero calçar os seus sapatos. Eu quero trilhar o que você trilhou. Eu quero olhar pelo seu olhar", conta a atriz.

Que, claro, recebeu mil e uma respostas, com histórias desde as mais inacreditáveis até as mais corriqueiras. "Acabaram ficando as que qualquer um pode dizer 'isso poderia ter acontecido comigo', esse ingrediente se revelou fundamental na hora de transformar aquele monte de histórias em um texto de teatro", conta.

Entre uma trama e outra, Denise conta histórias que ela mesma viveu, canta músicas, declama trechos de poemas e faz muito contato com a plateia. Aliás, a peça começa com ela no meio do público, falando com as pessoas, como Denise mesmo. Uma hora ela sobe no palco e quase não dá para perceber que começou a contar a história de outra pessoa. O público adivinha meio por eliminação, afinal todo mundo sabe que Denise Fraga é uma atriz consagrada há pelo menos 37 anos, portanto é impossível que seja ela que viveu aquelas situações apresentadas no palco.

Mas não tem troca de figurino, voz diferente, um acessório, um gestuário para definir cada personagem. É mesmo a mistura de tudo que faz a peça parecer que não tem muito começo nem muito fim, apesar de uma hora ela parar tudo e agradecer o público, que invariavelmente aplaude de pé aquela performance que mais parece um show de rock misturado com comédia stand-up.

"Essa peça me dá a chance de ver uma coisa deliciosa que é uma pessoa dando gargalhadas e enxugando lágrimas ao mesmo tempo. Vejo isso muitas vezes na plateia", conta a atriz. "O que eu mais gosto de ouvir do público depois do espetáculo é 'eu não sabia se eu ria ou se eu chorava'."

Sim, porque assim como ela começa o espetáculo conversando com a plateia, depois que a apresentação termina ela se troca rápido e vai para a entrada do teatro conversar mais um pouco. Forma fila de gente querendo foto, mas também querendo contar uma história. "Para mim essa peça só termina depois que eu acabo de falar com quem ficou me esperando no saguão."

Denise chega entre três e quatro horas antes da peça começar no teatro. Prepara o corpo, a voz, o fôlego, passa o som com as meninas da banda e se prepara para estar completamente presente no palco, todas as noites.

Antes de assistir à peça, eu ouvi de gente do mundo da dança elogios ao preparo de corpo da atriz. Em uma outra turma, que tem atores e gente que se arrisca nos microfones, ouvi que ela cantava de maneira surpreendente. Na porta da escola das minhas filhas, ouvi pessoas dizendo umas às outras que tinham ido assistir à peça e iam voltar para levar o marido, ou a mãe, ou uma amiga.

"A nossa grande função como artista é meio dizer para todo mundo: 'olha como é legal, apesar de tudo, né, de alguma maneira, olha como sua história é interessante'. Porque viver é um negócio rico, né?"

Denise ama viver, isso é fácil de perceber. Mas ela não quer fazer isso sozinha. E não é só de pessoas que ela quer estar sempre rodeada, apesar de ser tão curiosa em relação aos outros. Ela quer 'comida, diversão e arte', como dizia a música dos Titãs. Mas, fundamentalmente, arte. E não é só porque esse é o ofício que ela escolheu para dedicar a sua vida.

"A pessoa que vive com arte é muito mais apta à compreensão da imperfeição humana, portanto, ela vive melhor. Arte é saúde mental", afirma. "Não é que você não vai sofrer se for ao cinema, ao teatro, se ler poesia. Mas você vai poder recorrer à arte, você vai estar de braço dado com o poeta, vai ter a cumplicidade do poeta e vai saber que vocês passaram por aquele mesmo sentimento, só que ele teve a capacidade de te dar palavras, de dar voz às suas angústias".

Por isso, ela defende que a arte tem, sim, que poder contar com subsídios dos governos e de incentivos fiscais que permitam que os artistas apresentem seus trabalhos e possam cobrar ingressos mais baratos, que atraem todo tipo de público.

"A arte é um direito das pessoas, e precisa ser assim", diz a atriz. "Quem vive com arte vive mais amparado para lidar com as dificuldades da vida."

Você não gostaria que uma pessoa que pensa assim, tem essa disciplina e esse talento contasse a sua história? Eu, sim.

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