Descrição de chapéu Alalaô

Carnaval evoca Bahia e pagodão de Léo Santana, mas traz mistura de ritmos

Cardápio do brasileiro na festa de rua, nos últimos anos, tem marchinhas, clássicos do samba e do axé e hits do momento

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São Paulo

Neste ano, não há uma receita certa para construir o hit do Carnaval. "Quanto mais as pessoas tentam encontrar uma fórmula, mais ela é quebrada, pelo menos desde que MC Loma e as Gêmeas Lacração, lá em 2018, em uma semana tiveram a música do Carnaval", diz Junior Vidal, coordenador de marketing e artístico da plataforma de streaming Sua Música, voltada ao público do Norte e do Nordeste.

Isso não significa que os artistas não produzam músicas para estourar no verão e tocar o máximo possível no Carnaval. A festa de rua, seja nos shows em clubes, trios elétricos, blocos ou nas caixas de som, continua sendo um momento de pico de audição coletiva de música no Brasil.

Léo Santana em show no vale do Anhangabaú, em São Paulo - Ronny Santos/Folhapress

Acontece que, cada vez mais, eles têm menos o controle do que faz ou não sucesso, e quando. Vidal conta que o Sua Música recebe uma leva grande de álbuns promocionais de artistas como Léo Santana —diferentes dos que ele publicam nas plataformas mainstream— por volta de novembro.

São os "discos de verão", com regravações próprias ou alheias e faixas inéditas, contendo as apostas e uma amostra do repertório dos shows de determinado cantor nessa época do ano. É um movimento parecido com o que acontece entre abril e maio, só que mirando as festas juninas.

"A música deste Carnaval já foi definida", ele diz, se referindo a "Zona de Perigo", de Santana. "E foi pela criação de conteúdo, em aplicativos de vídeos curtos. Foi semana passada, mas poderia ter sido hoje ou meses atrás."

"Zona de Perigo", que bombou um mês depois de lançada, é o melhor exemplo disso. Lançada em dezembro, não era a música de trabalho de Santana, como ele mesmo disse a este jornal. Sua aposta era "Não se Vá", uma parceria com Pedro Sampaio, que recebeu os investimentos da gravadora.

"Compor é ‘feeling’", diz Rafa Chagas, um dos cinco autores da faixa, ao lado de Adriel Max, Fella Brown, Pierrot Junior e Yvees Santana. "É um sotaque afro-brasileiro. Trazemos a 'bregadeira' e o 'pagodão' baiano, que usa bacurinhas e surdos. Um pouco de R&B também."

É possível ouvir toques de bachata, o ritmo caribenho muito presente no sertanejo contemporâneo, além dos arranjos de sax —estes, ideia de Santana. "Foi a parte mais chique da música", diz Chagas. "Ele teve essa ideia e pediu para [o produtor] Rafinha RSQ botar."

Além das questões musicais, a dancinha para o TikTok, criada por Edilene Alves —bailarina e coreógrafa de Santana há mais de 15 anos— foi fundamental. Mais acessível que as coreografias que inundam a rede social, a dança de "Zona de Perigo" levou a música a fazer sucesso depois de um vídeo do próprio Santana fazendo os passos.

Outra música lançada no fim do ano, "Ai Papai", de Anitta, chega com força no Carnaval, mesmo após ser recebida sem tanto alarde. É uma mistura de batida de piseiro com abordagem pop, mesclando os universos da cantora e de MC Danny, sua parceria na faixa.

"A gente perguntou se a Anitta queria um pop ou um funkão, e ela falou que queria algo que fosse Brasil, e com a Danny", diz Wallace Vianna, do duo Hitmaker, que produziu a música. Breder, outra metade da dupla, diz que eles partiram do timbre de voz de Danny para criar a música.

Segundo eles, há uns cinco anos, não há mais um único hit do Carnaval. "Era o rádio ou a televisão que falavam o que você ia escutar", diz Breder. Vianna afirma que, desde 2017, que teve hits como "Deu Onda", do MC G15, e "Todo Dia", de Pabllo Vittar com Rico Dalasam, esse pódio ficou pulverizado.

"Com as plataformas digitais na mão, o povo escolhe o que quer ouvir", ele diz. "E, como o Brasil é um país muito misturado e rico, você vê que cada lugarzinho acaba tendo algo estourado."

De fato, um levantamento do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, que contabiliza as músicas mais tocadas em clubes, casas de diversão, bailes de Carnaval, shows e trios elétricos em todo o Brasil nos anos de 2018, 2019 e 2020, corrobora a ideia da dupla e de Junior Vidal.

Marchinhas clássicas como "Mamãe eu Quero" e "Ta-Hi" aparecem no topo das listas, dominada por clássicos do axé, como "Eva", "Arerê", "Baianidade Nagô", "Prefixo de Verão" e "Milla", músicas de exaltação à brasilidade, como "País Tropical", sambas de enredo clássicos, caso de "Peguei um Ita no Norte", além da dançante "Tesouro de Pirata", do Tchakabum, e o samba "Vou Festejar", de Jorge Aragão, entre outras.

Elas dividem espaço com hits do momento, como "Vai Malandra", de Anitta, e "K.O.", de Pabllo Vittar, em 2018; "Jenifer", de Gabriel Diniz, e os funks "Da Gaiola", de Kevin o Chris, em 2019; "Contatinho", de Léo Santana com Anitta e "Tudo OK", de Thiaguinho MT com Mila e produção de JS o Mão de Ouro. Há hits de funk, pop, forró, arrocha, pagode baiano e bregafunk, separados ou misturados.

O cardápio carnavalesco do brasileiro contemporâneo é uma mescla de clássicos da festa de rua com hits do momento. Dos ritmos populares no país, o que aparece com menos frequência é o sertanejo, que ainda é bastante escutado no verão, e recentemente vem se infiltrando no universo dançante.

É um movimento que começou há mais de dez anos, quando Gusttavo Lima e outros nomes passaram a abraçar o arrocha e outros ritmos mais suingados no Nordeste em suas músicas. Agora, quem lidera essa frente é o agronejo, que une temas rurais com batidas de funk e música eletrônica.

Ana Castela, a jovem estrela do gênero, por exemplo, chega ao Carnaval deste ano com dois hits na pista —"Bombonzinho", com Israel e Rodolffo, e "Roça em Mim", com Zé Felipe e Luan Pereira. São músicas que podem não rodar todos os circuitos, mas certamente terão tração no Carnaval.

Há também os hits com força local, que têm capacidade para tocar no resto do país. O funk paulista, no estilo "mandelão", tem os hits "Puta Mexicana", do DJ Jeeh FDC com os MCs Menor MT, Pelé e Yuri Redcopa, e "Bota na Pipokinha", com a sonoridade dos bailes de São Paulo na produção de Felipinho 013.

Em diversas partes do Nordeste, quem toca é Nattan, com o piseiro romântico "Love Gostosinho". Já no Norte, em especial no Pará, o hit do momento é uma seresta sobre uma garota de programa, "Vendedora de Amor", de Evoney Fernandes. Em Salvador, Thiago Aquino está em todas as caixinhas de som com "Erro que Dá Certo".

E há diversas músicas empilhando números no streaming, mas correndo por fora. "Novinha do OnlyFans", hit de Kadu Martins, vem perdendo força, mas continua muito tocada. "Proibidona", pop de Gloria Groove com Anitta e Valesca Popozuda, pode despontar, assim como as novas de Pabllo Vittar, "Cadeado" e "Balinha de Coração", esta com Anitta.

Uma versão em português de "Say It Right", hit do pop internacional de Nelly Furtado, também aparece entre as mais ouvidas dos últimos dias. É "Lovezinho", com Treyce, Kevinho e Taina Costa. Isso sem contar na aposta de Ivete Sangalo, única entre os grandes cantores do axé que conseguem emplacar novos hits, "Cria da Ivete".

Mas é o "pagodão" baiano que surge com mais vigor. O ritmo, marcado pelas bacurinhas —instrumento criado por Carlinhos Brown— e que hoje também flerta com a produção eletrônica para os paredões, existe desde o fim dos anos 1990. Na última década, despontou no Carnaval e fora dele com o Psirico de Márcio Victor e o Parangolé, ex-banda de Léo Santana.

Além de "Zona de Perigo", a faixa "Deixar Eu Botar Meu Boneco", de Oh Polêmico, vive um auge de popularidade no verão, dando sequência a outro sucesso dele, o "Samba do Polly". O Kannalha, outro em ascensão no gênero, depois de estourar com "Fraquinha", agora aposta na parceria com Pabllo Vittar em "Penetra". Outro hit é "Mete Seu Cachorro", de La Furia, que ganhou versão com vozes de Ludmilla.

"Houve um crescimento, muito graças aos aplicativos de vídeos curtos, do pagode baiano. Ele está, sim, num momento muito bom. Sinto que o pessoal começou a abraçar de novo", diz Vidal, do Sua Música. "Se não fosse 'Zona de Perigo', a música do verão seria do Polêmico —e ainda deve ser em alguns lugares."

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