Descrição de chapéu Pós-graduação

Qualificação em excesso pode se voltar contra o profissional

Formação demais 'assusta' contratante e passa a impressão de que o candidato tem pouca experiência prática

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São Paulo

​​Parte das pessoas que foram dispensadas de seus empregos nos últimos anos teve que fazer um sacrifício para voltar ao mercado de trabalho: aceitar cargos inferiores aos que ocupavam antes.

Esses profissionais são considerados sobrequalificados, porque exercem uma função abaixo da sua capacidade.

Situações assim se agravam em momentos de crise. "Na pirâmide organizacional, quanto mais sênior ou qualificado for um profissional, menor a oferta de posições para ele, se o mercado não se expandir", diz Flávia Queiroz, diretora de relacionamento da Etalent.

A sobrequalificação também atinge recém-formados, que, sem uma oportunidade de entrar no mercado, optam por estudar, para melhorar seus currículos.

Segundo Flávia, não há problema em buscar conhecimento, mas é importante que esses cursos façam parte de um planejamento de carreira e sejam relevantes para sua área de atuação.

O engenheiro de materiais Lucas Nishikawa, 30, demorou para encontrar trabalho depois de concluir a graduação e, por isso, decidiu fazer um mestrado, mesmo sabendo que ter o curso sem experiência profissional poderia ser um problema mais adiante.

"Algumas pessoas me falaram que era melhor não ter feito a especialização, mas acho que ficar parado é muito pior", diz.

Ele terminou o mestrado no começo de 2017, mas só encontrou uma oportunidade de emprego em novembro do ano passado, em uma vaga para recém-formados na graduação.

"Tem um certo preconceito com a pós porque o mercado valoriza mais a experiência, como se você só soubesse a teoria", diz. 

Currículos extensos não garantem mais ofertas de emprego. "Muitas vezes o candidato fica indignado porque está mais preparado para aquela vaga [do que seus concorrentes] e acha que a empresa deveria aproveitar isso", diz Flávia.

O problema é que as empresas temem que um profissional com qualificação além do que é necessário vá se sentir desmotivado com suas tarefas e com o salário —e deixe o cargo em pouco tempo.

Esse candidato também pode ser visto como uma ameaça por outros funcionários ou mesmo pelo gestor da vaga, que pode ter uma formação menos completa do que a do recém-chegado.

Apesar do risco de perder o colaborador em pouco tempo, atrair um profissional mais qualificado pode ser um fator positivo para a empresa.

"Não importa se a pessoa vai ficar seis meses ou dois anos, ela pode contribuir e criar boas perspectivas para o futuro da companhia, mesmo por um período curto", diz Silvana Case, vice-presidente da consultoria Thomas Case.

Para ela, o ideal é que o RH converse com o candidato que tem um perfil superior ao da vaga para entender suas motivações. Se não for possível encaixá-lo, é melhor dizer isso logo de cara, e mantê-lo no radar para oportunidades mais adequadas ao seu perfil.

"A empresa precisa ter os olhos abertos. Se o foco for apenas nas qualificações, pode perder profissionais excelentes", afirma.

A mestre em filosofia Valéria dos Santos Silva, 27, não encontrou vagas para trabalhar como professora e foi recusada no processo seletivo para atendimento ao cliente em uma multinacional. O motivo: era qualificada demais.

"Na entrevista, a todo instante eu dizia que a minha formação só acrescentaria, que não era um problema", diz.

Quando tentou ingressar em uma startup, foi bem em todas as fases do processo seletivo, que durou um mês, mas ao final também a informaram que ela era muito qualificada para o salário oferecido.

Valéria foi aprovada no início do ano para ser operadora de cartões em uma rede de supermercados, e pretende juntar dinheiro para fazer um curso de psicanálise e começar seu doutorado.

Para ter mais chances de concorrer a uma vaga que exige qualificação menor, há quem indique tirar experiências e cursos do currículo. "Me perguntaram por que eu não tirava o mestrado e deixava só a graduação", diz Valéria.

Em vez de cortar qualificações, uma dica de Flávia é não enfatizar o nome dos cargos que ocupou, mas as atividades que exerceu. "Um gerente sênior em empresa grande tem mais responsabilidades do que o diretor de uma empresa menor", afirma.

Outra sugestão é destacar os cursos que tenham relação com a área da vaga, tirando as informações que só fariam volume.

 

Depoimento

'Meu currículo era melhor que o da supervisora'

"Passei por um processo seletivo para analista técnico em uma rede de faculdades. Os requisitos eram ter formação técnica em edificações e cursar ou ter concluído a graduação em engenharia civil. Eu tinha tudo isso, além de estágio na área. A posição estava entre mim e um candidato que não tinha o curso técnico e havia trancado a faculdade. Fui bem nas entrevistas com o RH e com o gerente, então achei que a vaga estava garantida. Porém, na terceira entrevista, a pessoa que seria minha supervisora disse que eu era qualificado demais para a vaga. Acho que ela ficou preocupada de chegar alguém ganhando menos e com um currículo melhor do que o dela, que tinha um curso de tecnólogo. Foi chocante ouvir aquilo."

Vinicius Gonçalves, 29, engenheiro civil com pós em administração de empresas pela FGV

 

O que fazer se você for muito qualificado para uma vaga

–Diga as razões que o levaram a tentar o cargo e como poderá ser útil à empresa
–Se tiver mais experiência acadêmica do que profissional, mostre como vai usar a teoria na prática 
–Explique como o cargo será uma evolução na carreira
–Diga que não há problema em ganhar o mesmo que pessoas menos qualificadas
–Deixe o currículo enxuto, só com o mais importante  

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