Rio Grande do Sul vive crise na educação com greve de professores

Governador ameaça descontar salários; líder apanhou e foi alvejada com spray de pimenta

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Porto Alegre

Se no passado o Rio Grande do Sul foi referência em educação pública, com construção de milhares de escolas, na década de 1960, as chamadas “brizoletas”, em homenagem ao ex-governador Leonel Brizola (1922-2004), hoje a área está em crise, com a maior greve de professores dos últimos tempos.

São ao menos 1.533 escolas em greve no estado, com adesão total de 773 colégios e parcial de 760, segundo o Cpers, o sindicato da categoria. A Secretaria da Educação (Seduc) diverge dos números. De acordo com a pasta, são 526 escolas com adesão total e 500 com adesão parcial, de acordo com questionário respondido por 2.244 escolas, de um total de 2.500 escolas. Mesmo com a diferença dos levantamentos, é a maior mobilização já registrada.

Professores gaúchos fazem ato em frente ao Palácio Piratini, sede do governo estadual, na terça-feira (26)
Professores gaúchos fazem ato em frente ao Palácio Piratini, sede do governo estadual, na terça-feira (26) - Caco Argemi/Cpers/Divulgação

Os educadores estão com salários parcelados há praticamente 50 meses, desde a administração passada, de José Ivo Sartori (MDB). Mesmo sem pagar os salários em dia, o atual governador, Eduardo Leite (PSDB), anunciou que descontará o pagamento dos grevistas.

Questionada se não é contraditório o desconto, já que o estado não cumpre o pagamento, a Seduc respondeu que “o próprio STF já reconheceu não haver ilicitude no atraso de salário ocorrido em situações de calamidade financeira, como a que atinge o Estado do Rio Grande do Sul”. O estado vive uma grave crise financeira. No caso da educação, são mais professores aposentados (100,5 mil) do que ativos (42 mil).

A ameaça do corte do ponto acabou virando motivo para aumentar a indignação dos servidores, que protestam contra a reforma administrativa. O projeto de Leite, que será votado pelos deputados, altera o plano de carreira dos professores. O governador tem dito que as mudanças são difíceis, mas necessárias. O governo lançou uma peça publicitária em vídeo sobre a reforma administrativa e seus impactos na educação em que uma atriz diz que “além de regar, às vezes a gente tem que podar, para a árvore crescer mais forte”.

Na prática, professores passariam a ganhar o piso nacional, mas deixariam de levar para a aposentadoria as diferenças salariais por liderar turmas ou comandar escolas, por exemplo. Além disso, os educadores já aposentados terão descontos em folha para custeio da previdência.

As mudanças planejadas pelo governo têm levado a uma corrida por pedidos de aposentadoria. Em um único dia, 205 professores se aposentaram, segundo o Diário Oficial de 14 de novembro. Em 2019, já foram confirmadas 2.003 aposentadorias e 1.556 pedidos estão em análise, segundo o governo. A procura também está relacionada à reforma da Previdência. Leite pediu que os deputados aprovem o contrato temporário de 5.020 professores.

“Estão fazendo com que nós mesmos tenhamos que pagar o próprio piso salarial e querem implantar a taxação dos aposentados. Diante disso, deflagramos a greve”, disse à Folha Helenir Aguiar Schürer, presidente do sindicato, enquanto aguardava para ser atendida no Hospital de Pronto-Socorro (HPS) de Porto Alegre.

Protesto de professores em frente ao Palácio Piratini, sede do governo estadual, em Porto Alegre, na terça
Protesto de professores em frente ao Palácio Piratini, sede do governo estadual, em Porto Alegre, na terça - Caco Argemi - 26.nov.19/Cpers/Divulgação

Schürer foi atingida com cassetete na cabeça, na última terça-feira (26) e alvejada por spray de pimenta pela polícia na porta do Palácio Piratini, sede do governo do estado, quando o comando da greve era cumprimentado pelo secretário da Casa Civil, Otomar Vivian. O comando tentava entregar uma carta a pedindo o cancelamento do projeto.

Vídeos mostram manifestantes derrubando os gradis que impediam a aproximação do protesto de cerca de 20 mil pessoas, segundo o Cpers. Segundo a Casa Civil, “da agressiva e injustificável ação dos manifestantes restaram dois policiais feridos”. Além disso, a pasta afirma que a reforma em curso não é contra ninguém, mas a favor de um estado que convive há décadas com a crise.

Segundo o projeto de Leite, os professores ingressariam na carreira ganhando a partir de R$ 2.557 para 40 horas semanais, podendo chegar a R$ 3.887 para profissionais pós-graduados. Por outro lado, policiais iniciariam ganhando R$ 4.689 e podem chegar a R$ 27.919, salário de coronel.

A diferença revolta os professores, já desgastados por causa dos parcelamentos salariais —a folha de outubro será quitada em dezembro, enquanto juízes, promotores e deputados recebem normalmente. Apenas o Executivo tem sido penalizado pela crise das finanças do governo.

Questionado sobre qual é o plano do governo para valorizar o magistério e a educação pública, a Seduc respondeu que, “entre todas as carreiras, os professores serão os maiores beneficiados com as mudanças no abatimento do vale-refeição”, que beneficiará 23.640 professores que ganham até R$ 2.250.

Diretora de uma escola na Vila Cruzeiro, na periferia de Porto Alegre, Jaqueline Pontes Ferreira, 52, viu a opção de turno integral ser cortada neste ano. O corte prejudica ainda mais as crianças atendidas pela escola, uma das poucas do modelo escola aberta no estado, que recebe alunos o ano todo.

“As crianças chegam aqui por encaminhamento do Conselho Tutelar, por medida protetiva, vindas de casas de abrigo, retiradas de suas famílias por negligência. Já teve criança que veio sozinha se matricular para poder passar o dia aqui. Era o último lugarzinho que tinham para estudar”, conta Jaqueline.

A realidade de cortes na estrutura se soma à desvalorização do magistério. “Me considero uma pessoa forte, mas tem colega adoecendo com essa situação. Vemos que estão ‘minguando’. A gente não consegue se ajudar”, desabafa. 

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