Isolado, Weintraub completa 1 ano no MEC e acumula polêmicas e projetos no papel

Ministro tem confiança de Bolsonaro e segue no cargo apesar de pedidos por sua demissão

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Brasília

Abraham Weintraub completa nesta quarta-feira (8) um ano à frente do MEC (Ministério da Educação) envolvido em mais uma crise. Desta vez com a China, principal parceiro comercial do Brasil.

Porém, a despeito de boatos e pedidos por sua saída, ele segue com respaldo do presidente Jair Bolsonaro, mesmo que isolado politicamente na relação com estados, municípios e Congresso.

Professor universitário de carreira curta e tímida, sem experiência em educação, Weintraub chegou ao MEC por indicação da ala ideológica do governo.

O ministro Abraham Weintraub participa de sessão no Congresso em maio de 2019
O ministro Abraham Weintraub participa de sessão no Congresso em maio de 2019 - Adriano Machado - 15.mai.19/Reuters

Em 12 meses, a postura lhe valeu apurações no Conselho de Ética da Presidência, processos judiciais e idas ao Congresso para se explicar --tudo acompanhado de uma paralisia da pasta.

Congressistas ingressaram com pedido de impeachment contra o ministro, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) não aceitou. E, até agora, ele vai ficando.

A permanência de Weintraub no MEC se deve à confiança que tem de Bolsonaro e dos filhos políticos —menos pela competência na condução da pasta e mais pelo papel na chamada "revolução cultural", como ressaltou o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em vídeo com o ministro em fevereiro.

No fim de semana, Weintraub repetiu Eduardo ao atacar a China. O ministro publicou mensagem no Twitter em que associou a pandemia do novo coronavírus a interesses chineses. Ele ainda ridicularizou o modo de falar de muitos asiáticos no Brasil.

A embaixada da China no Brasil considerou a mensagem racista. Em resposta à tensão diplomática, o ministro da Educação condicionou pedido de desculpas à venda de respiradores ao Brasil.

Weintraub moldou pelas redes sociais uma persona agressiva, de alto teor ideológico, em detrimento da exposição de realizações da pasta.

A Folha analisou 807 mensagens publicadas em sua conta desde que tomou posse até as 16h desta terça-feira (7), excluindo respostas a outros tuítes.

Em 42% das mensagens há algum tipo de ataque. Os alvos preferidos são a imprensa, o PT e a esquerda, mas ele já atacou o presidente da França, Emmanuel Macron, publicou vídeo em que aparece atirando e defendeu a pena de morte.

Metade de suas postagens não fala de educação. Em pouco mais de um terço das publicações (280 tuítes) ele aborda apenas temas da área, sem ataques ou rompantes ideológicos. Questionado, o MEC não respondeu.​

Sobre Fundeb, mecanismo de financiamento da educação básica, ele escreveu só 5 vezes (0,6% das postagens), o que reflete também sua ausência no debate no Congresso sobre a renovação do fundo.

O ministro mantém estilo agressivo, ao mesmo tempo em que não assumiu uma liderança nos rumos das políticas públicas da área.

Secretários de Educação passaram 2019 sem informações sobre políticas federais, como a de ensino integral, alfabetização e de apoio à implementação da base curricular (que prevê o que os alunos devem aprender).

Neste ano, criou atrito com os secretários ao insinuar que havia acordado com eles a opção de distribuir nas escolas alimentos para alunos pobres durante a pandemia --o que diverge da proposta dos secretários.

O Consed, que representa os dirigentes, ainda criticou a decisão de manter o cronograma do Enem apesar da interrupção de aulas.

O educador Luiz Antonio Tozi foi secretário-executivo do MEC na gestão Ricardo Vélez Rodríguez, que antecedeu Weintraub. Na sua avaliação, o atual ministro encontra dificuldades por causa do seu perfil.

"Weintraub usa pouco da inteligência e do potencial do corpo técnico do MEC", diz. "Centralizou nele a articulação e a doutrinação e, assim, não consegue fazer guerra cultural e assinar papel. Mesmo num ambiente bolsonarista de direita, isso não funciona."

Desde que assumiu, o ministro abriu guerra contra universidades federais. Além de cortar 8% das bolsas de pesquisa em 2019, com impacto maior no Nordeste, Weintraub interveio em março na Capes (agência de financiamento de projetos de pós-graduandos) para alterar regras de concessão de bolsas recém-criadas pelo órgão.

Por visão ideológica, exigiu redução no fomento à humanas. As bolsas para a área caíram 17% neste ano.
A nova regra tem causado revolta entre pesquisadores. A Procuradoria federal já pediu à Justiça a revogação do ato.

Com relação à pandemia, a Capes anunciou a oferta 2.600 bolsas para pesquisas na área e também houve reforço orçamentário nos hospitais universitários ligados às federais.

A maioria dos projetos importantes anunciados por Weintraub no MEC patina. A carteirinha estudantil, criada para esvaziar a UNE (União Nacional dos Estudantes), perdeu a validade porque o governo não conseguiu a aprovação no Congresso. O MEC gastou R$ 2,5 milhões só em publicidade com o projeto em 2019.

Anunciado no meio do ano passado, o Future-se, que busca fomentar o financiamento privado nas universidades federais, até agora está no papel nem chegou ao Congresso.

A ideia enfrenta resistência de reitores, mas foi a oposição dentro do Ministério da Economia que o travou.
Como a Folha revelou, Weintraub ainda perdeu R$ 1 bilhão recuperados pela Lava Jato porque não tinha um projeto para educação infantil. Com a pandemia, o dinheiro foi definitivamente para a Saúde.

O discurso de que o Enem 2019 fora o melhor da história caiu por terra após o governo admitir, em janeiro, que milhares de estudantes receberam suas notas erradas.

Desde então Weintraub também se isolou da imprensa e não deu mais entrevistas coletivas.

O MEC lançou, em fevereiro, planos de implementação da nova política de alfabetização. O projeto foi desenhado sem participação das prefeituras, que concentram as matrículas, mas a Folha recebeu relatos de que um terço dos municípios manifestaram interesse na adesão.

"Todas as medidas tomadas por Weintraub ou têm caráter diversionista, focam temas polêmicos ou de pouca efetividade, como as escolas cívico-militares [que atende neste ano 54 escolas], ou não chegam à sua concretude", diz Anna Helena Altenfelder, do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária). "Falta a ele conhecimento da realidade e do funcionamento do sistema de educacional", diz.

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