Projeto alfabetiza mães e avós em favela no interior de SP

Ao ter que ajudar crianças nas aulas remotas na pandemia, mulheres se motivaram a aprender a ler e escrever

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São José do Rio Preto (SP)

Quatro vezes por semana, moradoras da favela Vila Itália, em São José do Rio Preto (a 437 km de São Paulo), se reúnem em um barracão localizado bem ao centro da comunidade para aprenderem a ler e a escrever.

Os encontros, que tiveram início neste mês e têm duração de duas horas e meia, fazem parte de um projeto social que visa alfabetizar essas mães e avós para que elas possam ajudar os filhos e netos nas atividades escolares durante a pandemia de Covid-19.

mulheres de costas sentadas em carteiras escolares, com professora ao fundo escrevendo em lousa
Mulheres da favela Vila Itália em São José do Rio Preto (SP) durante aula de alfabetização - Simone Machado/Folhapress

A maioria delas é responsável por cuidar das crianças e durante a pandemia se viu na necessidade de ajudar nas aulas remotas, mas se sentia limitada pela dificuldade de não saber ler nem escrever. São dez mulheres matriculadas nesta etapa do projeto.

Aos 52 anos, a dona de casa Ana Aparecida Azevedo Lopes nunca havia se sentado em uma carteira escolar. A infância na área rural foi dedicada a cuidar dos seis irmãos enquanto os pais trabalhavam na lavoura.

Mais tarde, foi a vez de ela trabalhar como babá e doméstica para ajudar nas despesas da casa, fazendo o sonho de aprender a ler e escrever ser adiado. O impacto de não ter sido alfabetizada foi sentido ao longo da vida.

“Eu conheço as letras, mas não sei ler. Sempre que precisava saber alguma coisa eu tinha que pedir ajuda. Isso desde pegar o ônibus até nas compras do supermercado”, conta.

Desde o ano passado, quando as aulas presenciais foram suspensas, Ana passou a cuidar dos quatro netos em período integral e mais uma vez sentiu a necessidade da ter um nível de estudo ao ter que ajudar as crianças durante as atividades escolares.

mulheres de costas sentadas em carteiras escolares com professora ao fundo na lousa
Turma inicial é formada por dez mães e avós, que têm dificuldade para ajudar crianças nas aulas remotas com a pandemia - Simone Machado/Folhapress

“Quando eles me perguntam como se escreve ou se lê alguma palavra, eu não sei explicar e tenho que pedir ajuda a alguém da comunidade. Agora é a minha vez de aprender e poder ensinar. Ainda falta muito, mas estou muito feliz”, diz.

A vontade de aprender e deixar de fazer parte dos 11,3 milhões de brasileiros analfabetos fez Maria Nilza de Oliveira Sena, 56, se matricular no curso. Trabalhando na roça desde a infância e mais tarde impedida de estudar pelo marido, a mulher sabe apenas escrever o seu primeiro nome.

“Sei porque a minha filha me ensinou, mas se mandar escrever o meu sobrenome eu já não sei. Quando meus netos me perguntam algo de escola eu fico sem ter o que responder e eles não entendem muito bem o porquê que eu não sei. Agora é a oportunidade de eu aprender e depois ensinar outras pessoas e até outras crianças aqui da favela”, comenta.

História semelhante à da dona de casa Laura Alcântara Silva, 50. A mulher, que deixou a casa da família em Belo Horizonte aos sete anos em busca de uma vida melhor em São Paulo, viveu durante diversos anos da infância nas ruas da capital, onde passou fome e foi abusada sexualmente, até encontrar trabalho como doméstica em casas de família.

Dedicando-se exclusivamente ao trabalho, nunca frequentou a escola e sequer conhecia as letras e números. Para ajudar no aprendizado, Laura recebe o auxílio da neta de 10 anos, que durante as aulas online aproveita para ensinar a avó. “Eu que tinha que ajudar ela, mas a situação inverteu. Mas tenho certeza que logo vou estar lendo e escrevendo.”

A responsável por ensinar as primeiras palavras e números para essas mulheres é a professora do Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) Adriana Dalafini, que atua com alfabetização primária há mais de 30 anos.

“Ensinar essas mulheres é uma experiência única. Cada uma vem com sua bagagem de vida, a maioria bem sofrida. É preciso entender essa bagagem e a partir daí irmos trabalhando a necessidade delas de aprenderem. Mesmo com as dificuldades elas estão aqui, não faltam em nenhuma aula e são muito esforçadas”, comenta a professora.

O curso de alfabetização terá duração de seis meses. Após esse período uma nova turma de mulheres será formada. Devido às regras de distanciamento social apenas dez alunas podem integrar cada turma.

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