Falta uma voz forte do empresariado em relação à educação, diz líder de ONG

Elite não está a salvo com filhos na escola privada, afirma Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação

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São Paulo

O Brasil enfrenta o impacto colossal de mais de um ano de escolas fechadas sem uma coordenação federal. O governo Bolsonaro reduziu gastos no ensino básico, insultou professores e nenhuma política educacional efetiva conseguiu implantar.

Ainda assim, não se ouve voz do empresariado cobrando ações concretas na educação da mesma forma que vez ou outra ocorre com o meio ambiente.

É um erro, avalia Priscila Cruz, presidente-executiva da organização Todos Pela Educação, e alvo constante de bolsonaristas como o ex-ministro Abraham Weintraub.

Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação
Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação - Zé Carlos Barretta - 23.ago.18/Folhapress

Assim como queimadas prejudicam os negócios do país, a precarização da formação de crianças e jovens resulta em baixa produtividade e alta desigualdade, além de outras consequências nas mais diversas áreas, argumenta.

Para ela, a elite como um todo se omitiu em relação aos alunos mais pobres na pandemia. "Falta uma voz forte do empresariado em relação à educação", diz em entrevista à Folha.

Priscila sabe de quem fala. Mantido com recursos privados, o Todos pela Educação foi fundado há 15 anos em uma cerimônia no Museu do Ipiranga, em São Paulo, que reuniu empresários e gestores em um compromisso público para melhorar a educação básica até o bicentenário da Independência, neste ano.

Quinze anos depois, o Museu do Ipiranga está fechado em meio a uma longa reforma, e o estrago da pandemia só aumentou o desafio para as escolas. Ainda assim, Priscila cita experiências positivas do país contra o discurso que chama de terra arrasada.

Desde que o Todos Pela Educação foi fundado, há 15 anos, o que avançou e o que não avançou na área?Tem muita coisa que avançou. Sabemos hoje com muito clareza o que funciona aqui. Antes olhávamos muito para fora, países como Finlândia, Singapura. Hoje as experiências brasileiras já chegaram a um ponto de ser difundidas. Cito a experiência do Ceará, e de Sobral, em particular, no ensino fundamental; a de Pernambuco, no ensino médio; a gestão da rede educacional no Espírito Santo, as creches em São Paulo e Londrina.

Esse acúmulo de experiência dá uma clareza sobre o que precisa ser feito. Ainda há o que avançar, claro, como a agenda da primeira infância, que precisa ser aprofundada, e a agenda da inovação.

Isso se relaciona com uma posição sua de que é preciso parar com o discurso de que a educação brasileira é terra arrasada. Pode explicar melhor? Tem alguns mitos que as pessoas repetem sem reflexão e tiram a motivação de quem está trabalhando pela educação. Há, sim, muitas redes no Brasil que responderam bem ao aumento de investimento que receberam. Mas como temos um país desigual não só no aspecto socioeconômico, mas também na vontade política, a média é muito pouco reveladora da nossa realidade. Os avanços em alguns locais acabam escondidos nas médias porque também há municípios e estados que retrocedem. Os que tiveram retrocesso precisam se explicar diante do que já sabemos com toda a nossa experiência acumulada.

Quais outros mitos existem na educação? Outro mito é que, se o meu filho está numa escola boa, basta. Isso faz com que a elite brasileira não cobre as lideranças políticas pela educação dos filhos dos outros. Eles não sabem que o fato de todos os jovens não terem educação de qualidade afeta todos nas mais diversas áreas: distribuição de renda, segurança pública, prevenção de doenças, qualidade da democracia. A elite não está a salvo com seus filhos na escola privada.

E tem ainda um terceiro mito, que é o de que é preciso uma geração inteira para mudar a educação. Não é verdade. Quando a gente olha para Teresina, a mudança começou há oito anos. Em Pernambuco, há 12. Em Sobral, há 15, mas há 7 já era excelente. A crença de que demora leva muitos a não dar prioridade para a área.

Alguns empresários por vezes criticam a atuação do governo Bolsonaro no meio ambiente, mas não o fazem em relação à educação. Por quê? Eu também acho que deveria ter muito mais empresário vocalizando a indignação com o que vivemos na educação. A elite brasileira faz muito investimento social em educação, com institutos com trabalhos importantíssimos na área. Mas, para além do financeiro, precisa vocalizar, inclusive nos grandes foros internacionais. Falta uma voz forte do empresariado em relação à educação. As duas grandes causas que podem unir os brasileiros neste momento são a educação e o meio ambiente.

Por que acha que há esse silêncio em relação a um governo que fez pouco pela educação básica e ainda retrocedeu em alguns pontos? Acho que, pela existência de institutos e organizações com trabalhos importantíssimos, há uma concepção de que já tem pessoas cuidando do assunto.

O Todos Pela Educação tem atuado com críticas diretas a este governo, diferente do que ocorria com as gestões federais anteriormente. O que fez vocês reverem essa forma de relação? O Brasil teve bons ministros. Foram sete bons anos com [Fernando] Haddad, depois outro bom período com [Aloisio] Mercadante e Mendonça [Filho]. Isso não significa que o Todos não discordou das medidas que eles tomaram. Muitas vezes discordou, mas eram críticas sobre projetos e políticas. Hoje o MEC é outra coisa. É o ministério da guerra cultural.

Outra mudança foi que o Todos Pela Educação começou com metas e compromissos públicos e hoje tem uma influência política significativa, como se viu na tramitação do Fundeb (fundo de financiamento da educação básica), em que atuou fortemente no Congresso por uma proposta própria. Acredito ser uma evolução natural. Quando começamos, éramos três, hoje somos cerca de 30. Participamos ativamente dos debates do Plano Nacional de Educação, que tem pontos defendidos por nós, e depois da revisão do Fundeb. E acredito ser também consequência da nossa decisão, em 2018, de construir uma agenda com outras organizações sobre o que precisa ser feito, o Educação Já. Temos um conhecimento grande já para saber isso, sabemos, por exemplo, que os anos finais do ensino fundamental são um gargalo importante, e sabemos quais são os outros também.

Uma percepção muito difundida na pandemia, devido à longa duração do fechamento das escolas, foi que o brasileiro não dá importância à educação. Concorda? Não é somente a elite econômica. Precisamos falar de todos os que não estão com a pressão de saber se amanhã terão comida ou não, porque esses têm coisas muito urgentes a cuidar. A elite deveria ter cobrado muito mais, mas não só em relação às escolas particulares, porque isso ela fez. Mas sim em relação às públicas. E aqui não falo só da reabertura. Essa elite que não tem a pressão da fome não cobrou conectividade para os alunos pobres, não cobrou o Ministério da Educação. O Todos fez uma vocalização muito forte, com muito sofrimento, vendo ganhos sendo perdidos. Precisaria ter tido muito mais pressão.

Alguns gestores têm adotado um discurso da geração perdida com o fechamento das escolas. Dá para recuperar a aprendizagem perdida na pandemia? Com certeza. Redes que já tinham boa gestão antes já estão com esse trabalho. Não vai ser nas próximas avaliações que vamos perceber, mas com certeza é possível. Precisa fazer um esforço que, se já era grande, hoje é gigantesco. No ano que vem, teremos eleição e será a oportunidade dos brasileiros de colocarem a educação como prioridade. É muito fácil, porque ela não compete com outras áreas, ela soma.


raio-x

Priscila Cruz
Uma das fundadoras do Todos Pela Educação, é mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School of Government e graduada em administração de empresas pela FGV-SP e em direito pela USP

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