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Renato Janine Ribeiro revê pandemia em livro sem catastrofismos

Professor da USP lança 'Duas Ideias Filosóficas e a Pandemia', que discute pensamento de Rousseau e Marx

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São Paulo

Duas Ideias Filosóficas e a Pandemia

  • Preço R$ 38
  • Autor Renato Janine Ribeiro
  • Editora Estação Liberdade (96 págs.)

Na introdução de seu mais recente livro, "Duas Ideias Filosóficas e a Pandemia", o professor da Universidade de São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Renato Janine Ribeiro, dedica um parágrafo à defesa da filosofia.

Segundo a etimologia, à qual ele recorre, filósofo é o amigo do saber, não seu dono, o que implicaria uma posição presunçosa. O bom filósofo, portanto, nos ajuda a pensar.

O professor titular de ética e filosofia política da USP Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação - Zé Carlos Barretta - 22.ago.2018/Folhapress

É rigorosamente o que o ex-ministro da Educação consegue fazer neste livro, uma lição para quem acredita na falácia de que a erudição mora na obscuridade. Em "Duas Ideias Filosóficas e a Pandemia", a clareza e a sofisticação intelectual andam de mãos dadas —aliás, a segunda não existiria sem a primeira.

A civilização paralisada pelo coronavírus inspirou o autor a discutir duas ideias, uma de Jean-Jacques Rousseau e a outra de Karl Marx. O que um filósofo do século 18 e outro do 19 têm a dizer sobre uma pandemia do século 21? É essa a viagem na qual Janine nos leva.

Em um ensaio sobre a desigualdade, Rousseau afirmou que é a capacidade de compartilhar o sofrimento de qualquer outro ser vivo que distingue o homem dos animais. Não é exagero dizer que ele praticamente introduziu o tema da compaixão no campo das ideias e, passo seguinte, ajudou a tornar a teoria mais corriqueira na sociedade.

No Antigo Regime, período histórico que precede a Revolução Francesa, prevalecia o que Janine chama de "voyeurismo dos espetáculos". O público adorava acompanhar execuções em espaços públicos, mas nem sempre havia gente para matar. Nessas ocasiões, o carrasco punha fogo num saco cheio de gatos, para a satisfação dos franceses.

Desde então, a pena de morte tem mudado de forma acentuada. Deixou de ser um show de horrores, popular mundo afora, para se tornar um ato a portas fechadas, praticado em um número cada vez menor de países.

Janine associa fortemente a compaixão à ética. "Tornou-se um valor ético preservar a vida, mesmo dos sofrentes, ainda que a custo alto. Essa é uma novidade", escreve.

A ética neste século 21 —conceito sempre em expansão, que não pode ser enquadrado num "gabarito de certo e errado"— ajuda a explicar por que, sem desconsiderar a tragédia representada pelas mais de 5 milhões de mortes no mundo, esta pandemia do coronavírus matou muito menos, em termos absolutos e proporcionais, do que a gripe espanhola, ocorrida há um século.

O autor, no entanto, não esquece as "paixões más", um sentimento que se fortalece num cenário de "excluídos da inclusão social", especialmente em países como o Brasil, "que não se caracteriza tanto, ou só, pelo punitivismo: mas por um desejo forte de fazer sofrer".

Enfim, a ética avança, mas o ódio resiste.

Até então, o livro se concentra em uma discussão de valores a partir do pensamento de Rousseau. Na segunda parte, o autor trata da prática por meio de uma ideia de Marx no livro "Contribuição à Crítica da Economia Política". Na reflexão marxista, "a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver".

É uma frase de sentidos variados, mas interessa a Janine a carga contida na palavra "tarefa". "O sujeito, que é nossa espécie, se capacitou para enfrentar problemas antes insuperáveis. Por isso, problemas viraram tarefas. O impossível passou a ser viável."

Grosso modo, os avanços da medicina e a difusão da internet, entre outros fatores, tiram mulheres e homens da condição de vítimas para que se tornem sujeitos. "Crescemos eticamente", diz Janine na última página do livro. "A tecnologia nos forneceu meios de sobreviver, numa escala nunca antes vista, a certos horrores", acrescenta linhas depois.

Avaliações como essas, com potencial de recalibrar as esperanças, talvez pareçam extraídas de um volume de autoajuda. Engano. Janine lança mão de Rousseau e Marx para pôr o leitor a pensar a pandemia sob novas perspectivas e se afasta do catastrofismo sem recorrer a frases edificantes –prefere o encadeamento de conceitos refinados.

Faz tudo isso em menos de cem páginas. O novo livro é uma aula de filosofia e de concisão.

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