SP, RJ e MG descumprem regra do Fundeb, e municípios podem perder recursos

Emenda constitucional deu prazo até 26 de agosto para aprovação do ICMS Educacional

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São Paulo

Os estados com maior arrecadação do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, estão descumprindo regra constitucional por ainda não terem aprovado lei que institui o chamado ICMS Educacional.

Os municípios desses três estados podem ser penalizados pelo descumprimento, já que ficam inabilitados de disputar e receber uma complementação do recurso federal estimado em R$ 4 bilhões.

A Emenda Constitucional 108, que instituiu as regras do Novo Fundeb, estabeleceu que todas as unidades da federação tinham até 26 de agosto para aprovar leis estaduais estabelecendo novos critérios relacionados à melhoria da aprendizagem e equidade do ensino para a distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aos municípios.

Menina de 5 anos, aluna de escola municipal de São Paulo, tenta escrever o próprio nome.
Menina de 5 anos, aluna de escola municipal de São Paulo, tenta escrever o próprio nome - Marlene Bergamo - 13.dez.2020/Folhapress

Antes da emenda, os estados tinham autonomia para definir como redistribuir 25% do valor arrecadado com o imposto aos municípios. Agora, essa parcela subiu para 35%, mas ficou estabelecido que ao menos 10% dessa cota sejam atrelados à performance educacional das cidades.

São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais foram os únicos do país a descumprirem o prazo estabelecido pela emenda. As três gestões disseram que leis sobre o tema estão em tramitação nas Assembleias Legislativas. Nenhum deles explicou por que o prazo não foi cumprido.

Para evitar penalizações por terem perdido o prazo, os estados negociaram em uma comissão tripartite do Fundeb (com representantes da União, estados e municípios) uma extensão até 9 de outubro —após o primeiro turno das eleições— para aprovar as leis.

"O prazo de 26 de agosto foi estabelecido em uma emenda constitucional. Para estender esse prazo legalmente, seria necessária uma aprovação pelo Congresso. O que eles conseguiram foi um acordo, publicado em uma resolução do MEC", explica Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

"Tiveram que recorrer a esse acordo porque não se mobilizaram nem elegeram essa pauta como prioritária para ser aprovada a tempo. Todos os outros estados conseguiram mobilizar e discutir o tema com o seu Legislativo, porque os três maiores não conseguiram? "

Os empecilhos para a aprovação desses projetos têm sido praticamente os mesmos nos três estados. Os maiores municípios, como as capitais, têm indicadores educacionais piores que algumas cidades menores e podem perder arrecadação.

Outro entrave é que a mudança de distribuição iria impulsionar a municipalização dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano). A Constituição prevê que essa etapa é preferencialmente de responsabilidade dos municípios, mas em alguns locais, principalmente nas grandes cidades, há ainda muitas matrículas nas redes estaduais.

Na capital paulista, por exemplo, 60,2%, dos mais de 552.000 alunos dos anos iniciais da rede pública, estão em escolas estaduais. Em Belo Horizonte, a rede estadual é responsável por 37% das mais de 95.000 matrículas nessa etapa. No Rio, essa situação já não acontece, e o estado só tem 0,2% dos alunos dessa etapa.

Em São Paulo e Minas, essa situação ainda ocorre em outros municípios, o que gera resistência. A migração custa caro às prefeituras, uma vez que os salários pagos por elas aos professores tendem a ser maiores do que o das redes estaduais.

"O fato de os estados com economia mais robusta do país não terem aprovado a lei do ICMS Educacional mostra que a decisão política não prioriza a educação efetivamente. Nenhum desses estados têm dificuldade do ponto de vista técnico para aprovar a mudança, a dificuldade é encarar a melhoria educacional como prioridade", diz Veveu Arruda, diretor da ABC (Associação Bem Comum), que assessora governos no tema.

Arruda é também ex-prefeito de Sobral, no Ceará, cidade que é uma das referências no país em resultados educacionais nos anos iniciais. A destinação de parte do ICMS de acordo com as melhorias no aprendizado nasceu no estado e inspirou a mudança constitucional.

"Vivemos uma tragédia no Brasil no que se refere ao analfabetismo das crianças dentro das escolas públicas. Uma das causas centrais é a indiferença de líderes e gestores públicos. Os estados não podem esperar bons resultados educacionais no ensino médio, se não se preocupam com a educação inicial nos municípios", diz Arruda.

No ano passado, o Brasil atingiu o recorde de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever. Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, 40,8% da população dessa idade não estava alfabetizada —o equivalente a 2,4 milhões de meninos e meninas— é o maior índice em dez anos.

Especialistas e gestores da área defendem que apenas atrelar o ICMS aos resultados educacionais não é suficiente para as melhorias desejadas. Para eles, é preciso também que os estados se comprometam a dar apoio técnico aos municípios, estratégia adotada no Ceará.

A ideia é que assim estados e municípios se responsabilizem por toda a trajetória educacional dos estudantes: a alfabetização feita de forma bem-sucedida pelas redes municipais vai resultar em melhores resultados no ensino médio, de responsabilidade estadual.

Um levantamento feito pelo ABC identificou que cinco estados já tinham legislação de distribuição do ICMS com critérios educacionais antes da aprovação da mudança constitucional. Além do Ceará, Acre, Amapá, Piauí, e Rio Grande do Sul já tinham leis que se adiantaram às mudanças do Fundeb.

O percentual de distribuição do ICMS Educacional estipulado pelos estados varia muito, assim como os critérios estabelecidos. O Maranhão, por exemplo, decidiu vincular 20% do imposto a indicadores educacionais. O Amapá, Ceará, Pernambuco, Sergipe e Bahia optaram por atrelar 18% da arrecadação.

Das propostas que tramitam em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, a previsão é de que a vinculação seja no valor mínimo exigido, de 10%. A proposta paulista, no entanto, prevê um aumento gradativo da cota atrelada a critérios educacionais, elevando 2 pontos percentuais a cada ano, passando a valar em 2025, até chegar a 18% em 2030.

Em nota, a gestão Rodrigo Garcia (PSDB) disse que o projeto de lei sobre o tema foi encaminhado pelo Executivo à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) após a realização de estudos econométricos necessários dentro do prazo —o texto no entanto, previa a aprovação da lei.

Já a gestão de Romeu Zema (Novo) disse apoiar um projeto sobre o tema, apresentado pelo deputado Zé Guilherme (PP), mas reconhece que que o texto ainda não foi apreciado pela Mesa Diretora da Assembleia para ser colocado em votação.

O governo do Rio de Janeiro, sob gestão de Cláudio Castro (PL), disse ter encaminho o projeto para a Alerj e aguarda a sua aprovação.

O que é o ICMS Educacional?
A proposta foi construída a partir do exemplo exitoso do Ceará que, desde 2007, distribui parte do imposto aos municípios seguindo indicadores de alfabetização e proficiência em língua portuguesa e matemática do ensino fundamental.

O que determina o Fundeb?
A Emenda Constitucional 108, que instituiu as regras do Novo Fundeb, estabeleceu que todos os estados devem redistribuir ao menos 10% do que arrecadam seguindo critérios educacionais.

Os estados podem propor indicadores diferentes, por exemplo, aumento da oferta de vagas em educação infantil, garantia de alfabetização na idade certa e resultados de aprendizagem no ensino fundamental. A emenda exige que, além da melhoria de desempenho, também seja considerada a redução de desigualdades raciais e sociais.

Como fica a distribuição?
Antes da aprovação da emenda, no mínimo, 75% do valor do ICMS repassado às prefeituras deveria seguir o critério de VAF (Valor Adicional Fiscal), ou seja, seguindo a contribuição daquele município para a arrecadação total do imposto. Os outros 25% podiam ser redistribuídos segundo critérios definidos pelo próprio estado.

A emenda aumentou para 35% o percentual de distribuição discricionária do imposto, mas determinou que ao menos 10% esteja atrelada a critérios educacionais.

O que os estados decidiram?
A emenda estabeleceu que o estados tinham até 26 de agosto para aprovar leis sobre o tema. A maioria (24 unidades da federação) cumpriu o prazo e mais da metade decidiu por definir valores superiores ao miníno (de 10%) para a vinculação.

O Maranhão, por exemplo, decidiu vincular 20% do imposto a indicadores educacionais. O Amapá, Ceará, Pernambuco, Sergipe e Bahia optaram por atrelar 18% da arrecadação.

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