Gestão Tarcísio sofre série de reveses no plano de digitalizar ensino

Governo de SP rescindiu contrato para compra de livros de literatura virtuais um dia depois de anunciar volta a programa do MEC que fornece material pedagógico impresso

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São Paulo e Brasília

Pressionado por críticas que apontam falta de diálogo e embasamento técnico, o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou uma sequência de recuos na política de livros escolares comandada pelo secretário da Educação, Renato Feder.

Na manhã desta quinta-feira (17), a gestão divulgou que rescindiu o contrato para a compra de 200 milhões de livros digitais de literatura que, conforme a Folha revelou, faria sem licitação. O anúncio ocorreu menos de 12 horas após a secretaria comunicar ter desistido de outra medida, o abandono do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, que compra livros didáticos para as escolas.

Ambas as iniciativas faziam parte do plano de Feder de acelerar a digitalização do ensino na rede estadual paulista, que esbarra na falta de estrutura de parte das escolas.

Alunos em escola estadual na Chácara Santo Antonio, zona sul de São Paulo - Bruno Santos - 12.ago.2022/Folhapress

No caso dos livros didáticos, o ideia inicial era adotar, a partir do 6º ano do ensino fundamental em 2024, um conteúdo padronizado e 100% digital produzido pela secretaria paulista, como mostrou a Folha em 31 de julho. Após a repercussão negativa, o governo voltou atrás e disse que também ofereceria material impresso para os alunos. Essas apostilas seriam baseadas no conteúdo digital que já é utilizado nas escolas.

A pressão sobre a gestão Tarcísio se intensificou na noite de quarta (16), quando a Justiça de São Paulo determinou em caráter liminar a volta do estado ao programa federal.

A decisão judicial foi liberada aos autos às 20h57, mas Feder já havia enviado ofício ao MEC, às 17h44, com o pedido para retornar à iniciativa.

Segundo a Folha apurou, isolado e sem apoio de educadores, Feder já planejava voltar atrás da medida ao menos desde o fim da semana passada e conversava, com discrição, com integrantes do MEC.

A liminar concedida pelo juiz Antonio Augusto Galvão de França nesta quarta-feira ocorreu em resposta a uma ação popular movida pela deputada federal Luciene Cavalcante, pelo deputado estadual de São Paulo Carlos Giannazi e pelo vereador Celso Giannazi, todos do PSOL.

Eles questionaram o fato de o governo ter aberto mão de uma verba federal, de cerca de R$ 120 milhões considerando apenas o ensino fundamental 2 (6º a 9º ano), que compraria livros do PNLD, "de alta qualidade", para utilizar recursos do orçamento do Estado para a produção de material didático.

Outro ponto apontado pelos deputados foi o fato de o governo ter tomado a decisão de padronizar os materiais para toda a rede e de sair do PNLD sem consultar os professores.

Em resposta ao Ministério Público, que havia aberto um inquérito civil para investigar a medida, a secretaria admitiu não ter consultado professores e nenhum dos órgãos de gestão democrática do sistema estadual de ensino (o Conselho Estadual de Educação, Conselhos de Escolas ou os grêmios estudantis). A pasta também não apresentou nenhum estudo sobre o impacto para as escolas com a mudança do material didático.

Apesar disso, Feder argumentou ao MEC, no ofício, que a reconsideração da medida ocorreu após diálogo com a rede.

"Levando em conta o diálogo com a sociedade e a rede de escolas quanto ao ato da Seduc [Secretaria de Educação], a gestão da pasta reconsiderou sua decisão para este exercício", diz o ofício. "Faz isso motivada pelo seu permanente compromisso com a escuta da rede e com posição firme de garantir qualidade da educação no Estado, fiel à gestão democrática".

O secretário solicita que o MEC permita, "em caráter excepcional", a readesão do estado ao PNLD 2024, "nas obras didáticas, pedagógicas e literárias para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano)". Segundo informações colhidas no MEC e no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), a decisão de Feder vem no limite do prazo para que São Paulo ingresse novamente no programa.

Na nota em que anuncia a volta ao programa de livros didáticos do MEC, a secretaria diz que vai intensificar a os canais de consulta com a rede de ensino. "A secretaria acredita que o mais importante agora é planejar 2024 com foco no alinhamento desses materiais, buscando a coerência pedagógica, a qualidade no conteúdo das aulas ministradas e estabelecendo amplo diálogo para aperfeiçoar o trabalho dos professores", diz o texto.

Um novo passo atrás na política da gestão Tarcísio ocorreu na manhã desta quinta, quando a secretaria afirmou que foi rescindido o contrato com a empresa Primasoft, responsável pela plataforma Odilo, e cancelada a autorização da contratação da empresa Bookwire, distribuidora de ebooks.

As empresas seriam responsáveis pela implementação do projeto Leia SP, criado por Feder, para oferecer livros digitais de literatura para os alunos.

Seriam 68 títulos para cerca de 2,9 milhões de estudantes da rede, totalizando aproximadamente 197 milhões de acessos. O custo total da operação seria de R$ 15,2 milhões.

A dispensa para a licitação havia sido autorizada pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação, órgão ligado à pasta. De acordo com o despacho no Diário Oficial, o fundamento era um artigo da lei de licitações que dispensa esse procedimento quando uma empresa tem "notória especialização" para prestar um serviço.

O projeto de digitalização de Feder tinha apoio de parte do governo, porém, a sua execução foi conduzida, de forma atabalhoada, segundo relatos à reportagem. O próprio Tarcísio, sob pressão, afirmou no início que "a decisão não era desarrazoada, só que foi mal comunicada".

Um integrante da gestão Tarcísio disse à Folha, sob anonimato, que Feder precisa esfriar o seu ímpeto e saber lidar com a lentidão do setor público.

Empresário do setor de tecnologia, o secretário tem como uma de suas bandeiras o uso de aplicativos na rede pública. No entanto, há escolas que sofrem com a falta de internet e de equipamentos, como computador e TV.

Projeto de levar secretaria para Fariam Lima foi vetado

Além da aposta na digitalização, Feder não teve sucesso em outro plano: o de mudar a sede da Secretaria da Educação para um prédio na região da Faria Lima. A secretaria está há 45 anos em um imóvel do governo na praça da República, no centro da capital, conhecido como a Casa Caetano de Campos.

A gestão Tarcísio concorda com a saída do imóvel diante das necessidades de "reformas estruturais", conforme um laudo da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação).

Porém, o projeto de levar a pasta para Faria Lima foi vetado e gerou incômodos. A mudança destoa de uma das principais promessas de Tarcísio na campanha de 2022, a de levar a sede administrativa para o centro da capital.

Prédio Casa Caetano de Campos, na praça da República, abriga Seduc há 45 anos - Danilo Verpa/Folhapress

O estado, ainda, se comprometeria com aluguel caro na avenida das Nações Unidas, enquanto possui outros imóveis com capacidade para abrigar a secretaria.

Outro argumento contrário à mudança foi a preocupação de que a desocupação do prédio na praça da República pudesse agravar ainda mais a degradação da região central.

A pasta já havia encaminhado uma sondagem à locação do edifício Eldorado Business Tower. Trata-se de um condomínio de alto padrão, com 32 andares, e com fachadas de vidros brancos serigrafados.

Em nota enviada à Folha, nesta quinta, sobre a mudança do prédio, a secretaria disse que foi autorizada a licitação para a reforma na sede, e a obra deverá levar 15 meses.

Enquanto isso, diz o estado, "todas as medidas preventivas e de segurança têm sido adotadas para garantir o conforto e o bem-estar dos servidores durante as intervenções".

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