Proposta sobre novo ensino médio desafia planos do governo Lula

Secretários de Educação dos estados e entidades entregam documento ao MEC nesta terça-feira (22)

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Brasília

Entidades educacionais, como a que representa os secretários estaduais de Educação, entregam nesta terça-feira (22) ao MEC (Ministério da Educação) propostas sobre o novo ensino médio que desafiam os planos do governo Lula (PT) para realizar alterações profundas na etapa.

O MEC trabalha em um projeto de lei para desfazer parte das mudanças da reforma do ensino médio, que foram alvo de críticas. Como a Folha revelou, prevê, entre outras coisas, ampliação de carga horária da parte comum do currículo e redução no número de opções das partes de aprofundamento —os chamados itinerários.

Já o documento que será entregue ao MEC nesta terça sugere alterações mais tímidas: uma carga para a parte comum menor do que a prevista pelo governo, manutenção de vários itinerários e também da liberação da educação a distância no ensino médio —outra coisa que contraria os planos do MEC.

estudantes ocupam parte da avenida paulista carregando bandeiras e uma faixa em que está escrito reforga a reforma ou paramos o brasil
Estudantes protestam contra o novo ensino médio na avenida Paulista, em São Paulo - Bruno Santos - 15.mar.23/Folhapress

O posicionamento é assinado conjuntamente por Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), Foncede (Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distritais de Educação) e CNE (Conselho Nacional de Educação). Os detalhes dessa proposta foram adiantados pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Internamente, parte da equipe do ministro Camilo Santana tem interpretado como uma espécie de revogação parcial as propostas definidas pela pasta. O que vai de encontro, de modo intencional, a setores próximos do PT, como sindicatos, que demandam uma revogação total.

Dessa forma, atender aos secretários pode esvaziar os planos de uma mudança maior, que estaria em consonância com os grupos que pendem a revogação total. Por outro lado, são os estados que efetivamente concentram as matrículas do ensino médio e, de acordo com especialistas, deveriam ter protagonismo no que for decidido.

As principais divergências são:

Carga horária

  • MEC propõe que a parte comum, de conhecimentos tradicionais, seja de 2.400 horas levando em conta uma carga total de 3.000 horas.
  • Entidades exigem 2.100 horas para a parte comum. O argumento principal seria para viabilização da educação técnica profissional.

Parte flexível

  • O governo quer apenas duas linhas de aprofundamento, além do ensino técnico, a ser escolhidas pelos alunos, que passariam a se chamar "percursos de aprofundamento" e não mais itinerários.
  • Já os secretários de Educação e demais entidades não querem esse engessamento. "Mesmo em um cenário de limitação da oferta, os estados devem ter autonomia para definir seus próprios itinerários", diz proposta das entidades. Os secretários ainda indicam que a proposta do MEC não levaria em conta a realidade de falta de professores em algumas áreas.

Ensino a distância

  • Na nova proposta do MEC, há veto a atividades a distância no ensino médio para cumprimento da carga horária total, o que foi liberado pela reforma do ensino médio.
  • O documento que será entregue nesta terça pede a liberação do formato. O texto também cita "a eventual falta de professores" e especificidades regionais, como a educação indígena, como argumentos.

O anúncio do MEC, realizado após a Folha revelar detalhes da minuta do projeto de lei, não foi bem recebido pelos secretários e outras entidades. Nos bastidores, apontam desarticulação por parte do MEC e ações improvisadas, tomadas por pressão sem diálogo —como ocorreu com a suspensão do calendário de implementação, em abril.

Essa negociação se refere ao texto do projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso Nacional. A tramitação na Câmara e no Senado não é vista como simples e integrantes do governo e secretários sabem que uma proposta inicial consensuada tem maior chance de não ser descaracterizada pelos parlamentares.

Santana prometeu mandar o projeto ainda em setembro. O governo quer a aprovação no Legislativo até o fim do ano, mas as entidades pedem que as novas regras passem a valor somente em 2025.

Efetivada em 2017, no governo Michel Temer (MDB), a reforma flexibilizou o currículo do ensino médio —prevendo uma parte comum a todos os alunos e outra diversificada, a partir dos chamados itinerários formativos. A implementação tem provocado fortes reclamações de alunos, professores e especialistas, que indicam inviabilidade de aplicação do previsto na legislação.


ENTENDA AS MUDANÇAS NO ENSINO MÉDIO

O QUE ESTABELECEU A REFORMA EM 2017?

Medida provisória do governo Temer (MDB) definiu que parte da carga horária seria escolhida pelos estudantes para que pudessem aprofundar os conhecimentos na área de maior interesse, com a seguinte divisão:

  • 60% da carga horária comum com as disciplinas regulares, como português e matemática
  • 40% formados por optativas dentro de cinco grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico profissionalizante.

QUAL O PROBLEMA DESSE MODELO?

Desde que a implementação do novo formato se tornou obrigatória, em 2022, ocorreu uma série de problemas, relatadas em reportagens da Folha:

QUAL NOVA PROPOSTA DO MEC?

O MEC pretende ampliar a parte comum e, por consequência, reduzir a parte diversificada. Também sugere reduzir as opções na parte diversificada, que passaria a se chamar "percursos de aprofundamento" e não mais itinerários. Quando considerado as 3.000 horas da etapa:

  • 80% da carga horária comum. Isso significa que essa parte tenha 2.400 horas
  • 20% para os percursos de aprofundamento, cujas opções foram reduzidas para duas além do ensino técnico: ciências humanas (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Sociais e suas tecnologias e ciências da natureza (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e suas tecnologias)
  • Exceção: No caso de a oferta ser de educação profissional, há possibilidade de que a parte comum seja de 2.200 horas, ficando o restante destinada a essa formação

COMO FICAM OS PERCURSOS FORMATIVOS?

O MEC vai definir com o Consed (que reúne os secretários de Educação dos estados) diretrizes que vão orientar essa parte diversificada. A ideia é que se evite a realidade atual, de uma desigualdade entre as redes na oferta de conteúdos sem nexo curricular ou de opções de aprofundamento para os alunos.

Todas as escolas deverão ofertas as duas opções. Hoje, apesar de haver quatro opções mais o ensino técnico, a legislação obriga a oferta de apenas duas.

COMO FICA A PARTE COMUM NA NOVA PROPOSTA?

Há previsão de que mais conteúdos sejam obrigatoriamente abordados na parte comum. Hoje, fala-se na obrigatoriedade de: "educação física, arte, sociologia e filosofia", além de português e matemática em todos os anos. O texto inclui mais áreas do conhecimento, embora não fale em disciplinas. São elas:

  • Língua portuguesa e literaturas
  • Línguas estrangeiras e literaturas (com priorização da língua inglesa e espanhola)
  • Arte
  • Educação física
  • Matemática
  • História
  • Geografia
  • Sociologia
  • Filosofia
  • Física
  • Química
  • Biologia
  • Cultura digital, do pensamento computacional e das tecnologias da informação e comunicação

HAVERÁ MAIS AULAS DE PORTUGUÊS E MATEMÁTICA?

É provável, mas não é possível afirmar. Os dois novos percursos (itinerários) preveem em seu nome linguagens e matemática, mas as duas disciplinas já eram previstas como obrigatórias nos três anos da etapa.

QUAIS SÃO AS DEMANDAS SOBRE PROPOSTA?

Parte comum menor: secretários de educação demandam que haja mais espaço para a parte diversificada. A parte comum seria, na proposta do Consed, de 2.100 horas —e não as 2.400 horas do MEC.

Mais discussão sobre os percursos: secretários e demais entidades também afirmam não entender como o MEC chegou aos dois percursos sugeridos —a preocupação é que redes que não tenham, por exemplo, essas ofertas tenham que reabrir discussões curriculares já realizadas nos últimos anos para se adequar à reforma.

COMO FICA O ENEM?

O Enem não será alterado antes de 2025. Dessa forma, o exame, que é principal porta de entrada para o ensino superior, terá o mesmo formato ao menos até 2024. Até a suspensão efetivada pelo governo em abril, o plano formal era que o exame fosse adequado por áreas já no próximo ano.

QUANDO AS MUDANÇAS VÃO ENTRAR EM VIGOR?

A promessa do ministro Camilo Santana é enviar para o Congresso até início de setembro para tentar a aprovação na Câmara e no Senado até o fim do ano. A manutenção das propostas do MEC vai depender dos parlamentares, que podem fazer alterações no texto durante o trâmite. Secretários querem uma regra de transição para que tudo alterações possam valer a partir de 2025.

QUANDO AS ESCOLAS DEVERÃO IMPLEMENTAR AS MUDANÇAS, SE APROVADAS?

Ainda não há cronograma sobre como as mudanças que vierem a ser aprovadas chegará nas escolas. Por enquanto, a reforma aprovada em 2017 continua valendo. A lei em vigor estabeleceu um prazo de cinco anos para as redes de ensino se prepararem, seguindo o seguinte cronograma: 1º ano do ensino médio em 2022, 2º ano em 2023 e os três anos da etapa até 2024.

VALE PARA ESCOLAS PRIVADAS TAMBÉM?

Sim, para todas as escolas públicas e privadas do país. Cerca de 7 milhões de estudantes foram impactados com a política, a maioria deles (cerca de 85%) estão matriculados em escolas das redes estaduais de ensino.

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