Descrição de chapéu Cenários 2024

Aguardada, revisão do novo ensino médio esbarra em velhos problemas da educação

Propostas que devem ser discutidas no ano que vem no Congresso não atacam os principais gargalos da etapa, afirmam especialistas

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São Paulo

Em 2024, serão formados os primeiros estudantes que viveram a reforma do ensino médio de ponta a ponta, do 1º ao 3º ano, a nível nacional. Eles também devem ser os últimos, já que Congresso e governo federal preparam uma nova reestruturação, que será discutida no próximo ano para valer nas escolas em 2025. Esta segunda grande mudança do ensino médio em sete anos, porém, não vai atacar os principais problemas desta etapa de ensino, apontam especialistas consultados pela Folha.

A lei da reforma, sancionada no início de 2017 pelo então presidente Michel Temer (MDB), teve como principal novidade a divisão da grade curricular em matérias obrigatórias comuns e disciplinas optativas, chamadas de itinerários formativos. Elas ocupavam, respectivamente, 60% e 40% das horas letivas ao longo dos três anos, um total de 1.800 e 1.200 horas. A ideia era que os estudantes tivessem liberdade para montar seu percurso a partir do que desejam fazer no futuro, o chamado "projeto de vida".

estudantes em sala de aula quase vazia
Alunos na escola estadual Eliza Rachel Macedo de Souza, na zona leste de São Paulo, durante a retomada das aulas presenciais em meio à pandemia de Covid-19 - Zanone Fraissat - 18.out.2021/Folhapress

Quando chegou às escolas, houve casos de itinerários pouco ligados ao currículo e sorteados entre os alunos, sem a oportunidade de escolha proposta pela lei. Estudantes de 3º ano também se queixavam da falta de aulas de história, geografia, biologia, química e física tão perto do vestibular.

Outro foco do projeto foi o incentivo ao ensino técnico, permitindo que alunos saíssem com diploma de uma área específica cursando a mesma quantidade de horas de um ensino médio comum; e o fomento às escolas de tempo integral (com sete horas diárias ou mais) — modalidade que, no estado de São Paulo, superou o desempenho de escolas regulares no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação), como mostra estudo de Fernando Vizotto Galvão, doutor em Educação pela USP.

Já o Novo Ensino Médio proposto pelo MEC (Ministério da Educação), enviado ao Congresso em outubro, tem focado suas discussões em aumentar a carga horária de matérias comuns. Enquanto o governo Lula (PT) defende um mínimo de 2.400 horas ao longo dos três anos, o relator Mendonça Filho (União Brasil), ex-ministro de Temer, propõe um piso menor, de 2.100 horas.

Também na linha de frente do debate estão os itinerários formativos, em uma campanha para deixá-los mais próximos do currículo tradicional ou aprofundamento profissional. Essas aulas também devem mudar de nome, sendo conhecidas como "percursos de aprofundamento e integração de estudos". O relatório do projeto cita opções excessivas de matérias optativas, na versão aprovada em 2017, e dificuldade de implementação em escolas com perfil socioeconômico mais baixo.

Presidente-executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz vê com bons olhos a possibilidade de escolha para os alunos, alinhada com as práticas de países desenvolvidos, mas barrando itinerários que, originalmente, "podiam ser qualquer coisa". "O ensino médio brasileiro era o mais próximo de um processo industrial de formar alunos, sem espaço para projetos, itinerário de aprofundamento. [Essa mudança] vai dar espaço para que as diferentes vocações da juventude tenham espaço para acontecer", comenta ela, satisfeita com as mudanças do relator Mendonça nessa parte do projeto.

Quando o tópico passa para decisões dos alunos mais definitivas sobre seu futuro, como uma área do conhecimento a se especializar logo no ensino médio para o resto da vida, há certo receio entre especialistas. Jhonatan Almada, membro da Rede de Especialistas em Política Educativa da Unesco, acredita ser pressão demais em um indivíduo ainda em formação.

Quanto à implementação dos itinerários formativos, a falta de infraestrutura também é apontada como um obstáculo a depender da escola. Dados do Censo Escolar 2022, compilados pelo QEdu, plataforma de dados educacionais, mostram que 57% das escolas públicas regulares da etapa não têm laboratório de ciências, por exemplo, para itinerários de aprofundamento na área. A disparidade de condições pode limitar escolas de baixa renda a optativas com pouca exigência e até aumentar o abismo entre ensino público e privado, argumenta Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A carga horária de disciplinas da formação geral básica é uma das questões mais divisivas. Cruz acredita que a transição de um teto de 1.800 horas, em 2017, para um piso de 2.100 horas, defendida por Mendonça, é o suficiente, permitindo uma expansão caso seja necessária. Já Pellanda prefere o mínimo de 2.400 horas sugerido pelo ministério de Camilo Santana (PT), além de desaprovar a organização das matérias que ganha força nas discussões.

A reforma de 2017 optou por unir as disciplinas tradicionais (como artes, educação física, matemática, geografia) em quatro áreas de conhecimento: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias; e ciências humanas e sociais aplicadas. As discussões no Congresso tendem a manter essa lógica, que Pellanda vê como um enfraquecimento de seções importantes para o pensamento crítico como filosofia e sociologia, que inicialmente seriam excluídas do currículo na gestão de Michel Temer.

Diferentemente do projeto de seis anos atrás, a nova reformulação do ensino médio será posta em prática sem pandemia da Covid-19 e pelo mesmo governo que irá sancioná-la, o que deve contribuir com sua implementação, acredita Cruz. Nos anos anteriores a 2022, muitos dos esforços na educação nacional foram voltados à conciliação do ensino com a crise do coronavírus.

Apesar da mobilização em torno do Novo Ensino Médio, os especialistas concordam que o projeto não vai resolver os problemas mais graves da etapa no país. A discussão entre MEC e Congresso se concentra, quase por inteiro, em mudanças de currículo, sem olhar para pontos mais estruturais. Questões como plano de carreira e boa formação de professores, infraestrutura nas escolas e planos para garantir permanência do estudante são consideradas mais determinantes para tratar de problemas como a evasão escolar, que chegou a 6,5% em 2022.

Na definição de Almada, é uma discussão "desvinculada da escola real", que tem 32% de escolas sem bibliotecas e 15% sem acesso à banda larga no ensino médio público.

Mesmo o auxílio de R$ 200 mensais para estudantes de baixa renda, aprovado na Câmara, é visto com cautela: Almada espera mais estudos de eficácia e Pellanda lamenta o valor baixo. Ela afirma reconhecer que a quantia pode ajudar os estudantes mais necessitados, mas "nem de longe" resolve os principais problemas que enfrenta o ensino médio brasileiro.

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