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Mariana Almeida e Wagner da Silva

Mulher e negro são protagonistas em financiamento coletivo inovador para periferias

Centenas de pequenas doações mostram como a comunidade também se organiza e obtém recursos

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Mariana Almeida

Superintendente da Fundação Tide Setubal, é professora do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper e doutora em economia do desenvolvimento (FEA-USP)

Wagner da Silva (Guiné)

É coordenador de apoio e fomento a agentes e causas na Fundação Tide Setubal, cientista social formado pela Unifesp e tem especialização em gestão de projetos no território pelo Centro Universitário Senac.

Embora o Brasil ainda não tenha uma cultura de doação de pessoa física consolidada como a que já existe nos Estados Unidos, há boas notícias recentes na área. A atuação em rede e em sistemas colaborativos de apoio tem ajudado a impulsionar a prática no país.

Na pandemia, a iniciativa de diversos grupos, com forte destaque para as mulheres, tem contribuído com sugestões de projetos e com arrecadações coletivas para iniciativas emergenciais nas periferias que combatem os efeitos do coronavírus.

Os dados animadores vêm dos resultados do Matchfunding Enfrente, o maior aporte de recursos do Brasil em mobilização com match (para cada real doado, a plataforma coloca mais R$ 2), que apoiou 265 projetos periféricos na primeira chamada de 2020, viabilizada por meio da parceria de nove fundações e institutos.

Das 13.378 colaborações na doação coletiva, 69% eram do sexo feminino, o que mostra a mulher com um olhar mais do coletivo e da mudança social.

Outros resultados importantes reforçam o protagonismo das mulheres e dos negros na melhoria da realidade periférica: praticamente 55% das iniciativas foram propostas por mulheres e quase 73%, por negros (pretos ou pardos), número este que confirma a relação clara entre a população negra e a moradia nos territórios periféricos.

Os elevados montantes alcançados em três meses e meio provam a força e a organização de lideranças locais: do total movimentado pela chamada (R$ 7,2 milhões), o montante via doação espontânea das pessoas foi de R$ 2,4 milhões e o valor aportado pelo Fundo Enfrente, de R$ 4,7 milhões.

Houve 11,8 mil colaborações espontâneas nas faixas de valor entre R$ 10 e R$ 299 e, dentre essas, cerca de 5.000 foram entre R$ 10 e R$ 49, número que revela um perfil relevante de centenas de apoios pequenos, de baixo valor, alcançados sobretudo por meio da boa divulgação dos proponentes das periferias.

Toda essa mobilização país afora resultou na prática em cerca de 220 mil pessoas atendidas diretamente pelas ações realizadas nos territórios periféricos, o que significa a população de uma cidade brasileira de porte médio, ou o equivalente a quase 64 mil famílias beneficiadas.

Das campanhas, 30% delas tinham como enfoque promover a sustentabilidade de micro e pequenos empreendimentos locais e 47% eram voltadas à distribuição de donativos.

Mais da metade das organizações proponentes atua em áreas prioritárias como educação, desenvolvimento comunitário, cultura e arte e empreendedorismo e geração de renda, demonstrando assim uma sintonia com as necessidades locais.

Logo a seguir, figuram defesa de direitos da população negra, assistência social e defesa de direitos da mulher. A maioria das instituições atende jovens de 18 a 29 anos (79%) e adultos de 30 a 60 anos (70%).

O Matchfunding Enfrente é um exemplo inovador e exitoso, ao lado de outros tipos de financiamento coletivo que não param de crescer, o que é positivo, e ampliará agora a mobilização de parceiros com a onda 2 do Matchfunding Enfrente, que já está em fase de captação de recursos para 15 projetos de longa duração.

Mas o Brasil ainda tem muito a melhorar em cultura de doação. Espera-se que, daqui para frente, essa tendência de doação possa estar presente no país em outros momentos, e não só numa ocasião pontual de emergência como a do Covid-19, e que também se expanda bastante entre os homens brancos e as empresas.

Essa corresponsabilização pelo desenvolvimento das regiões periféricas é mais do que urgente. A vida acontece na comunidade, no bairro, na casa, por isso “é preciso despertar no indivíduo a consciência de que ele, como cidadão, é responsável pela sua comunidade”, como já apontava Mathilde de Azevedo Setubal, Tide Setubal, que atuou por anos em trabalho social voluntário, ao lado de dezenas de mulheres, na periferia da cidade de São Paulo.

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