Descrição de chapéu

O que uma agenda telefônica atualizada tem a ver com os impactos da pandemia na educação?

Falta de informações de contato de alunos e seus familiares pode comprometer esforços para reduzir evasão e garantir direito de aprender

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Guilherme Lichand

Professor de economia do bem-estar e desenvolvimento infantil na Universidade de Zurique

Apesar das melhores intenções para mitigar perdas de aprendizagem e o risco de abandono escolar, governo e investimento social privado poderiam ter contribuído para experiências mais exitosas com tecnologias educacionais mesmo antes da pandemia.

Parte importante da explicação dos impactos limitados dos esforços empreendidos ao longo de 2020 e 2021 é a baixa qualidade das bases de dados telefônicos de estudantes e seus familiares —um gargalo fundamental para todas as ações de busca ativa, com consequências amplas para seus impactos: desde manter as crianças e jovens na escola até alcançar níveis mais altos de aprendizagem no futuro.

Compilo a seguir quatro formas já disponíveis para construir essa agenda telefônica atualizada com custos reduzidos, e levando em conta a realidade do setor público, que atende 80% dos alunos do Ensino Básico no Brasil.

duas meninas usam computador em sala de aula
Estudantes usam plataforma Geekie para melhorar estudos em escolas públicas e particulares de São Paulo - Renato Stockler/Na Lata

A primeira é a distribuição de chips de celular com plano de dados. Além de diminuir as barreiras de acesso às tecnologias educacionais num contexto de ensino remoto ou híbrido –que deve conviver conosco ainda por bastante tempo–, um benefício indireto, porém enorme, é que a rede passa a ter informações diretas de contato sempre atualizadas com o aluno e seus familiares.

A segunda seria a aquisição de bases externas, prática comumente realizada por empresas que buscam informações de contato do seu público-alvo. Por que secretarias ou a filantropia não poderiam fazem o mesmo, em nome de uma das causas mais importantes e urgentes, que é manter crianças e jovens na escola?

Outra maneira são mensagens de texto (SMS) geo-localizadas. Operadoras de telefonia conseguem utilizar dados de triangulação de antena, troca de pacotes de dados e padrões de uso e deslocamento dos telefones celulares para segmentar públicos para campanhas focalizadas.

Seria possível, por exemplo, mandar uma "chuva de SMS" no entorno de todas as escolas públicas do Brasil, fazendo a mensagem chegar a quem precisa, mesmo que de forma ligeiramente imprecisa.

No trabalho da Movva na África, em mais de um país as operadoras permitem que o Ministério da Educação faça disparo como esse sem custos. Por que não aqui?

E, por último, as chamadas automáticas de voz. Nos Estados Unidos, ficou famosa a campanha para aumentar a frequência escolar de adolescentes antes da pandemia com ligações automáticas gravadas por celebridades como Nicki Minaj

Familiares e alunos podem se cadastrar para receber essas ligações mandando um SMS sem custo para o número da campanha. Os artistas brasileiros, alguns dos quais têm gravado clipes incentivando o retorno à escola, certamente poderiam contribuir.

Legado pós-pandemia?

Ainda que considere de mau gosto chamar qualquer crise de oportunidade, a verdade é que a situação atual deveria forçar algumas mudanças que poderiam não apenas ajudar a mitigar seus impactos, mas também mudar a educação de patamar daqui para frente.

No mínimo, ter a base de telefones de alunos e familiares sempre atualizada seria um pilar fundamental para qualquer ação de busca ativa no presente. E, no futuro, para viabilizar soluções de apoio à aprendizagem que cheguem diretamente ao aluno e aderentes às suas necessidades.

Mais do que isso, seria ótimo se a experiência recente tivesse diluído resistências históricas das redes públicas e da filantropia a testar tecnologias educacionais mais diversas e ousadas, em maior escala e com horizonte mais longo, diante dos fracassos recentes.

Mas o que mais espero, de verdade, é que encontremos uma maneira de evitar, com ou sem tecnologia, que o verdadeiro legado da pandemia seja o futuro desperdiçado de uma geração de alunos que contava com o trabalho de todos nós –escolas públicas, edtechs e sociedade civil– para simplesmente ter o direito de aprender.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.