Descrição de chapéu

Reimaginando a filantropia (meu desejo para 2022)

Se quem trabalha com impacto enxergasse os beneficiários de seus programas como marcas enxergam seus clientes, tudo mudaria

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tati Leite

Cofundadora e CEO da Benfeitoria, plataforma que há dez anos vem impulsionando e popularizando a cultura da doação no Brasil

Antes de fundar a Benfeitoria, eu e Murilo, meu sócio (e marido), trabalhamos por sete anos na área de marketing de uma das maiores marcas do mundo. Dez anos e 8.000 projetos depois, muitas de nossas certezas foram desconstruídas.

Mas uma delas só se fortaleceu, especialmente na pandemia: a filantropia precisa ser reposicionada.

E aqui não falo só como jogada de marketing, embora investir significativamente mais em comunicação seja crucial para essa mudança. Antes disso, e até para isso, precisamos mudar nossa visão sobre e para a filantropia.

Criadora da Benfeitoria, Tati Leite, explica as tecnologias e funcionalidades da plataforma
Tati Leite é cofundadora da Benfeitoria, plataforma que ajudou a popularizar a cultura da doação no Brasil - Divulgação

Muitas vezes olhamos para a filantropia como uma boa ação de alguém generoso (doador) para alguém carente (beneficiário).

Este olhar traz algumas consequências negativas para o campo. A primeira é que ele limita a atuação da filantropia ao enfrentamento das carências decorrentes de um sistema que perpetua desigualdades. E pouco fomenta a potência coletiva de regenerar o sistema em si.

A segunda é a interpretação, ainda que inconsciente, de que o doador está fazendo um favor para o donatário, mesmo que movido por algo nobre, como o amor.

Segundo a Wikipedia, filantropia vem do grego φίλος (amor) e άνθρωπος (homem), e significa "amor à humanidade".

Sem perceber, ao entender a doação ou qualquer outro tipo de benfeitoria como um favor, muitos que trabalham com impacto passam a olhar o "beneficiário" como alguém que deve se virar para fazer tudo dentro das regras do financiador.

Em consequência, os pré-requisitos e a forma de comunicação dos programas de fomento ou assistência são complexos, pouco convidativos e, às vezes, até abusivos.

Se todos que trabalham com impacto enxergassem os beneficiários de seus programas como as grandes marcas enxergam seus clientes, tudo mudaria. Em vez de favor, instituições teriam uma abordagem de conquista, escuta, valorização  — e um esforço intencional para se adaptarem à realidade do beneficiário; não o contrário.

Como brinca o ativista Dave Meslin, se comunicação não fosse importante para influenciar comportamento, as marcas se comunicariam assim:

"Nike, 5 de junho de 2012 - Notícia de oportunidade de compra
Comunicamos que nosso centro de distribuição recebeu a notícia de que o produto #372G (tênis de corrida) estará disponível para compra em varejo em certas localidades a partir de 1º de agosto. O produto é composto por material de nylon anatômico e com solado em formato quadrático, que ajuda a trazer mais tração à corrida. Esse produto está disponível para homens, mulheres e crianças."

"Lembrou-se de algum edital que participou? Ou lançou?"

É… tudo comunica. E se queremos mudanças grandiosas, precisamos virar essa chave. Afinal, como diz Dríade Aguiar, da Mídia Ninja, "não existe revolução se a cultura e a comunicação não estiverem no centro do planejamento."

Para reposicionar a filantropia com a potência que precisa ter frente aos crescentes desafios do mundo, não temos "apenas" que mudar nossa visão e abordagem sobre ela. Precisamos ir para outro patamar de ousadia e compromisso.

Precisamos sonhar mais alto, estabelecer metas robustas, com prazo determinado e, sim, investir em comunicação (e mídia!) de forma compatível com esse sonho.

Como diz Dan Pallota, nessa conversa imperdível com Rodrigo Pipponzi no Seminário Doar, do iMOL, "um sonho levado a sério é a ferramenta mais sofisticada da humanidade."

Gerar impacto, até desodorante faz. Precisamos de mudanças estruturais, não incrementais. Qual nosso sonho para a filantropia no Brasil? Como podemos reinventá-la? E, por último, mas não menos importante: quem somos nós? Precisamos descolonizar essa conversa.

Para finalizar, uma frase do maravilhoso Edgard Gouveia Jr: "Entendi o sentido da palavra épico —pensar grande e reconhecer o valor de poder contar com o outro para realizar."

Que 2022 seja um ponto de virada da filantropia no Brasil. E que seja épico!

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.