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Ansiedade no Brasil deve piorar após país decidir seu presidente, diz criador do termo 'estresse eleitoral'

Americano Steven Stosny afirma que essa é uma tendência mundial potencializada pelo extremismo e pelas redes sociais

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Ribeirão Preto

Pouco antes da eleição que alçou Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o psicólogo Steven Stosny percebeu que os casais que atendia estavam cada dia piores. A tensão das primárias que antecederam o pleito de 2016 elevava os ânimos entre eles e fazia com que descontassem questões políticas em seus parceiros.

Pouco tempo depois, para descrever a carga mental que seus pacientes e parte dos americanos sentiam ao ver a disputa entre o republicano Trump e sua rival, a democrata Hillary Clinton, Stosny cunhou o termo transtorno de estresse eleitoral ("election stress disorder", em inglês).

O psicólogo americano Steven Stosny - Arquivo pessoal

A condição é causada pelos sentimentos de impotência e ansiedade provocados pela briga política. Tais emoções costumam ser descontadas em pessoas próximas e podem levar o indivíduo a comportamentos compulsivos e abusos, como consumo de álcool e trabalho exagerado.

Stosny vê semelhanças entre o sofrimento mental vivido por americanos e o medo e a ansiedade crescentes que brasileiros relatam em decorrência da eleição de 2022.

O aumento da violência política foi um dos fatores a impulsionar o debate sobre saúde mental neste período. Pesquisa do Datafolha mostrou que um em cada três eleitores temem atos de violência no segundo turno da disputa entre Lula (PT) e o atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em entrevista à Folha, o doutor em psicologia diz que o estresse eleitoral é uma tendência mundial e é veemente ao afirmar que, após as eleições no Brasil, a condição não só permanecerá, como pode se tornar pior.

Para Stosny, esse não é um fenômeno novo, mas que foi potencializado pelo extremismo e pelas redes sociais. "Sempre existiu, mas não era tão onipresente. Hoje você não consegue fugir dele."

Ao perceber o quanto esse estresse estava relacionado ao consumo de notícias, ele passou a chamá-lo de transtorno do estresse da manchete ("headline stress disorder", em inglês). A solução, aponta, está na mudança de comportamento a nível pessoal, interpessoal e institucional – principalmente por parte da imprensa.

Em 2016 o senhor cunhou o termo "transtorno do estresse eleitoral". O que é e como é possível identificar essa condição? Eu percebi isso nas eleições de 2016. Essas eleições foram muito conflituosas aqui nos Estados Unidos. Nos meus 70 e poucos anos, esses foram os mais obscenos assistindo à política. Eu pensei que estaria finalizado em dezembro, já que as eleições acontecem em novembro, mas não acabou porque a negatividade continuou nas manchetes.

Sempre existiram notícias ruins, mas com as redes de notícias 24h e os alertas das redes sociais, isso se tornou constante. E elas vêm misturadas com as suas mensagens pessoais. Isso causa confusão. Você acaba levando as notícias para o lado pessoal, sabe?

Sinal disso é que você se sente ansioso antes de ver as notícias ou as notificações no seu celular. Se você tem as notificações ativadas – o que eu não recomendo – você sente seu corpo todo ficando tenso logo antes de olhar [seu celular]. Isso é seu corpo te preparando para o estresse, te preparando para lutar uma batalha.

Esse estresse generalizado pode tornar condições como a ansiedade e a depressão mais graves? Sim, pode. Se você já é deprimido ou ansioso, isso pode piorar sua condição. Desde que escrevi aquele artigo [em que cunhei o termo], já surgiram trabalhos inspirados por ele mostrando que sim, isso aumenta a ansiedade e a depressão. Especialmente se você fica checando [notícias e redes sociais] o tempo todo.

A maior parte do seu trabalho é em torno das relações interpessoais, correto? Como o transtorno do estresse eleitoral afeta essas relações? A primeira vez que notei isso foi nas primárias, que acontecem quase um ano antes das eleições. Os casais com quem trabalho – que já são estressados, porque eu sou especializado em ressentimento crônico, raiva e abuso emocional – estavam ficando piores. Eles estavam ficando mais conflituosos e descontavam questões políticas nos parceiros.

A lei da culpa é que ela sempre recai na pessoa mais próxima. Se você está preocupado com alguma coisa, é provável que você vá descontar isso no seu parceiro ou nos seus filhos.

Aqui no Brasil nós vivemos uma polarização agressiva entre Lula (PT), candidato da esquerda, e Jair Bolsonaro (PL), atual presidente e candidato da direita. Você acha que a nossa experiência aqui é semelhante à vivida pelos norte americanos? Eu acho que sim e não é só no Brasil ou nos Estados Unidos. Isso acontece em todo mundo. Em todos os países onde há eleições. O que está acontecendo é que estamos acabando com os moderados, só existem extremistas em ambos os lados.

Isso não era assim. Nos anos 1975 eu me lembro que as eleições eram um pouco diferentes. [As duas partes] se encontravam no meio. Eles tentavam ser mais centristas. Mas isso acabou por volta de 2016.

Agora existe um monte de ataques pessoais, um monte de xingamentos. Eu não sei se isso acontece aí no Brasil, mas está acontecendo aqui e eu nunca vi isso antes. Eles não atacam apenas os candidatos, eles atacam as pessoas que votam nesses candidatos também. Eles atacam as pessoas que eles estão tentando convencer.

E porque esse estresse eleitoral tem crescido tanto nos últimos anos? Ele sempre existiu? Sempre existiu, mas não era tão onipresente. Hoje você não consegue fugir dele. Você olha nos jornais antigos e eles sempre foram negativos. Eles reportavam rumores como notícias, assim como fazem hoje. É o que chamamos de fatos alternativos. Nos Estados Unidos reportam tuítes como se fossem notícias. E isso acontece porque existe cada vez mais competição. Eles precisam ser mais extremos para ter mais atenção. A atenção é o ouro da internet.

Nós tememos que aqui, independentemente do resultado das eleições, a polarização não se dissipe. Você acha que o transtorno do estresse eleitoral vai diminuir após o término das eleições? Não, e eu respondo com muita confiança. Isso acontece porque os sentimentos não mudarão depois das eleições. Se o seu país for dividido como o meu, metade da população estará muito desapontada no dia seguinte às eleições – e isso é muita gente.

Então o estresse não vai passar. Eles vão dizer que houve fraude. Na verdade, vai ficar pior. O que acontece é que, por causa das emoções negativas, as pessoas desenvolvem uma identidade de vítima. Elas se sentem perseguidas.

É por isso que as notícias falsas aumentaram tanto? Bom, nós sabemos que, psicologicamente, você só acredita nos fatos se você confia em quem está te contando. E a confiança tem diminuído. Você só acredita em pessoas que concordam com você.

Existe um fenômeno chamado viés de confirmação. É quando você só considera as evidências que confirmam o que você acredita e ignora as evidências contrárias. Se eu acredito que um candidato vai destruir o país, tudo o que eu vou procurar são evidências que confirmam isso e ignorar as outras. Os dois lados fazem isso.

Algo que as redes sociais fazem é alimentar isso com algoritmos. Com base nos seus cliques, eles só vão te alimentar com estórias que reafirmam o seu viés. Você acha que isso é a verdade porque isso é tudo o que você está vendo.

Como é possível curar esse estresse? É só desligar as notícias? Bom, não dá para fazer isso porque a nossa imaginação é pior. Só é preciso limitar. Eu mesmo só checo as notícias três vezes por dia e desligo as notificações. As notícias continuarão lá quando eu for checar.

Também é importante se conectar com os amigos e pessoas amadas. Antes de ver as notícias, dê um abraço na sua esposa. Isso te dá um pouco de ocitocina, que diminui a ansiedade. A conexão nos ajuda a ficar menos paranóicos. É a paranóia que faz com que levemos tudo para o lado pessoal.

Devemos nos conectar com pessoas que discordamos também? Sim, da maneira mais respeitosa possível. Existe um princípio chamado de reciprocidade emocional. Isso significa que o que você fizer, você receberá de volta. Se você for muito crítico e desrespeitoso, você receberá crítica e desrespeito.

Valide a perspectiva do outro e dê mais informação. Se você quer persuadir alguém, você precisa estimular o cérebro reflexivo dessa pessoa. Você precisa fazer mais perguntas do que afirmações.

Raio X

Steven Stosny, 75
Psicólogo e doutor em psicologia, Stosny já lecionou na University of Maryland e na St. Mary's College of Maryland. Escreve no site Psychology Today e já publicou artigos no The Washington Post. É fundador da empresa Compassion Power e autor de sete livros sobre autoconhecimento e relacionamentos.

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