Casal de cientistas propõe método para 'salvar' um casamento em 7 dias

Novo livro dos Gottman, famosos pesquisadores das relações conjugais, sugere apostar em momentos breves de gentileza e conexão

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Catherine Pearson
The New York Times

Num dia útil recente, durante a correria para sair pela manhã, meu marido, Ben, começou a me falar de um podcast que acabara de ouvir sobre os impactos da poluição do ar sobre a saúde. Ele parecia alheio aos gritos de nossa filha de quatro anos, que não estava conseguindo encontrar as meias certas, ou ao fato de nosso filho de sete estar despejando cereal encharcado na boca do cachorro.

Tive vontade de dar uma resposta áspera, mas em vez disso fiz um esforço para fazer algo que me pareceu antinatural: eu "me voltei para" meu marido.

John and Julie Gottman, the renowned love researchers, have decades of data to support the idea that brief moments of kindness and connection can predict marital happiness. (Marta Monteiro/The New York Times) -- FOR EDITORIAL USE ONLY WITH NYT STORY SLUGGED SCI MARRIAGE RESEARCHERS BY CATHERINE PEARSON  FOR OCT. 3, 2022. ALL OTHER USE PROHIBITED. --
John e Julie Gottman, casal de pesquisadores das relações conjugais, afirmam ter dados que mostram que breves momentos de carinho e conexão são um prenúncio da felicidade marital - Marta Monteiro/NYT

É uma estratégia que aprendi com um livro recente de John e Julie Gottman, pesquisadores conhecidos por estudar as relações conjugais. Eles alegam que, depois de observar um casal por apenas 15 minutos, podem adivinhar com 90% de precisão se o relacionamento deles vai durar e se eles serão felizes.

Ben, uma pessoa que sempre topa paradas novas, concordara em tentar comigo os exercícios propostos no livro dos Gottman, "The Love Prescription: 7 Days to More Intimacy, Connection and Joy" (em tradução livre, A prescrição do amor: 7 dias para mais intimidade, conexão e alegria), para que pudéssemos melhorar nosso casamento e que eu pudesse escrever sobre isso. Ben e eu estamos juntos e felizes há 19 anos, mas mais recentemente nossos filhos têm consumido nossa atenção.

"Voltar-se para" é o conselho número 1 dos Gottman para melhorar o relacionamento do casal. Quando uma das pessoas (no caso aqui, Ben) faz um "esforço de conexão" sincero, a outra pessoa tem três opções: ignorar o gesto (ela se afasta), reagir negativamente (volta-se contra) ou reconhecer o gesto positivamente (volta-se para).

"Vamos supor que eu diga a John: ‘Olhe aquele pássaro lindo na janela!’", Julie exemplificou numa chamada recente pelo Zoom. "John pode me ignorar completamente. Pode dizer: ‘Daria para você parar de me interromper? Estou lendo.’ Ou pode dizer: ‘Uau, que bonito!’."

Um aceno, um toque, até um 'hmmm'

Segundo os Gottman, esses pequenos momentos representam depósitos feitos na conta bancária emocional do casal –seu "cofrinho do amor"--, à qual podem recorrer em momentos de conflito. Ben e eu achamos a analogia água com açúcar demais, mas os Gottman têm décadas de dados que confirmam a ideia de que momentos breves de gentileza e conexão podem prenunciar a felicidade conjugal. Boa parte desses dados foram colhidos no Gottman Love Lab, pioneiro centro de pesquisas que John cofundou na Universidade de Washington na década de 1980 para estudar o que faz o amor romântico perdurar.

Em um dos experimentos mais conhecidos dos Gottman, eles convidaram 130 casais recém-casados a passar um dia no laboratório (decorado para parecer uma residência aconchegante) e meticulosamente documentaram cada interação entre as duas pessoas.

Seis anos mais tarde, os Gottman voltaram a entrevistar os casais e encontraram uma divisão nítida: os casais que haviam continuado juntos se voltaram um para o outro 86% do tempo no laboratório. Os que acabaram se divorciando o haviam feito apenas 33% do tempo.

Essa é a atração do livro mais recente dos Gottman e de seu trabalho de modo geral. Não apenas eles creem que encontraram o fundamento científico do amor duradouro como pensam que isso depende em grande medida da gentileza que as pessoas demonstram em relação a seus parceiros nos pequenos momentos diários.

"Por mais exaustivo que seja seu dia, sempre há oportunidades para voltar-se para", escrevem os Gottman. "Custa muito pouco em termos de tempo, e a recompensa é enorme."

Naquela manhã agitada, eu resolvi pôr a promessa deles à prova. Em vez de ignorar Ben ou criticá-lo pelo péssimo timing de sua observação, reagi dizendo "ahã", demonstrando um pouquinho de interesse.

"Pensei mesmo que você acharia isso interessante", falou Ben, claramente satisfeito, e nós dois voltamos a cuidar das crianças.

Colocando em prática o que eles pregam

Entre John e Julie Gottman, John, 80, é o especialista em dados; ele se formou em matemática no MIT antes de estudar psicologia. John se casou com Julie, que hoje tem 71 anos, em 1987. Ela também é psicóloga clínica, mas se dedica mais a trabalhar com pacientes. Julie é a terceira esposa de John, cujos dois casamentos anteriores acabaram devido a problemas de incompatibilidade significativa.

Juntos, John e Julie são uma máquina geradora de conteúdo. John já publicou mais de 200 trabalhos de pesquisa; em dupla, eles já escreveram mais de 40 livros. O casal também comanda o Gottman Institute, que oferece workshops e materiais de estudo para casais e os mais de 55 mil terapeutas que já receberam certificação no uso de seus métodos.

"Vejo John Gottman como uma espécie de padrinho de alguns dos trabalhos mais fundamentais sobre intervenções em relacionamentos", disse Sarah Whitton, professora na Universidade de Cincinnati e diretora do Behavioral Health Center (Centro de Saúde Comportamental), que pesquisa relacionamentos românticos e saúde psicológica.

"Acho que alguns cientistas dos relacionamentos podem rejeitar um pouco algumas das afirmações simplificadas feitas pelos Gottman a partir de pesquisas", disse Whitton. "Nós tendemos a fazer afirmações muito mais condicionais, sem dar tanta certeza."

É verdade que os Gottman tendem a fazer afirmações amplas, em tom de quem sabe do que está falando. Eles dizem, por exemplo, que 69% dos problemas de relacionamento nunca chegam a ser resolvidos. Dizem também que há quatro estilos de comunicação que podem anunciar antecipadamente o fim de um relacionamento (crítica, menosprezo, atitude defensiva ou dar respostas que não comunicam nada). Esse tipo de afirmação pode soar deslocado numa conferência de pesquisadores, disse Whitton, mas ela admira a capacidade que os Gottman possuem de apresentar suas conclusões de maneira acessível a pessoas em busca de conselhos práticos.

"Eu pessoalmente utilizo sempre as abordagens que eles recomendam –não apenas como terapeuta, mas também em meus relacionamentos pessoais", comentou a terapeuta sexual e de casais Raffaella Smith-Fiallo, de St. Louis, Missouri, treinada no uso do Método Gottman. "Acho que são muito práticas e diretas."

O casal Gottman é de muitas maneiras seu próprio melhor estudo de caso, oferecendo um exemplo realista de um relacionamento de longo prazo feliz. Quando eles passaram por uma fase difícil, no início do casamento, fizeram algumas sessões com uma terapeuta conjugal, mas, segundo John, ficou claro que a terapeuta tinha preferência por ele ("eu a achei ótima terapeuta!", ele recordou, sorrindo). Então eles pararam com a terapia e em vez disso foram buscar subsídios em suas próprias pesquisas.

"Temos conflitos. Às vezes brigamos. Há fases em que não gostamos muito um do outro", contou John. "Mas usamos essas ferramentas, e com o passar do tempo elas já viraram naturais para nós."

Segundo Julie, ela e John se voltam um para o outro o tempo todo. Quando John está lendo algo no Kindle e compartilha alguma coisa em voz alta, Julie para para ouvir. Se ela lhe pede para limpar alguma coisa na casa, ele diz que sim. E eles se tratam com carinho. Durante a videoentrevista que fizemos, em que eles estavam em sua casa em Portland, Oregon, onde passam tempo para ficar mais perto de sua filha, seu genro e seu neto de oito meses, Julie tocou o ombro de John suavemente pelo menos cinco vezes.

Como muitos especialistas em relacionamento, os Gottman recomendam que os casais saiam juntos regularmente para namorar. Na vida deles, isso é obrigatório.

"Quando éramos mais jovens e tínhamos pouco dinheiro, íamos a um hotel lindo em Seattle que tinha um saguão luxuoso, com uma lareira grande e sofás macios. Nos acomodávamos em um dos sofás e fazíamos de conta que estávamos hospedados no hotel", contou Julie. "Pedíamos um cálice de alguma coisa e passávamos horas conversando. Perguntávamos um ao outro: ‘Há alguma coisa a mais que eu possa fazer para te mostrar o quanto te amo?’."

A pergunta era poética, mas as respostas, nem tanto. Muitas vezes, tudo o que Julie queria era que John não deixasse seus livros largados no chão.

Durante a pandemia de Covid, os dois se isolaram em sua residência principal, na ilha Orcas, ao largo do estado de Washington. Ambos tiveram Covid duas vezes. Julie ficou tão doente que precisou ser levada à sala de emergências. Mesmo assim, eles se recordam dos últimos dois anos com prazer. Pela primeira vez em anos, eles não ficaram viajando o tempo inteiro para workshops ou conferências.

"Pudemos acompanhar todas as estações do ano na ilha Orcas e fazer caminhadas juntos", contou John. Eles assistiram a séries policiais britânicas e passaram tempo no seu "sofá dos abraços". "Foi maravilhoso para nós", disse ele.

Pequenas modificações, grandes recompensas

Deixando de lado o que eles próprios viveram, os Gottman sabem que os últimos anos foram difíceis para muitos relacionamentos e acreditam que seu livro mais recente, que eles escreveram durante a pandemia, está saindo num momento importante para muitos casais. Eles esperam que, ao resumir décadas de pesquisas em sete estratégias simples, seu livro possa propor uma intervenção fácil e divertida. Não são necessárias discussões difíceis, dizem os Gottman –e esse foi o argumento número 1 que convenceu meu marido a subir nesse bonde.

Cada capítulo apresenta um exercício específico que pode ajudar em qualquer fase de um relacionamento, como tirar dez minutos diários para os parceiros perguntarem um ao outro "há alguma coisa que você quer que eu faça hoje?", que foi a tarefa do primeiro dia.

As outras tarefas foram: fazer uma pergunta grande e aberta (ou seja, que não possa ser respondida simplesmente com "sim" ou "não") um ao outro. Passar tempo observando as coisas que seu parceiro faz ao longo do dia e agradecê-lo. Fazer um elogio sincero. Pedir o que você precisa usando declarações que começam com "eu". Passar um dia incluindo o máximo possível de pequenos momentos em que vocês se tocam. Definir uma noite para vocês saírem juntos para namorar.

Ben e eu achamos algumas das tarefas mais "divertidas" e úteis que outras. O exercício das perguntas foi esclarecedor e me lembrou dos papos que tínhamos quando começamos a namorar, quase duas décadas atrás. (Uma deixa sugerida: "Se você pudesse se transformar num animal por 24 horas, que animal seria?". Nós dois optamos por ser golfinhos.)

Outros exercícios foram mais espinhosos. No terceiro dia, Ben e eu fomos instruídos a observar um ao outro cuidadosamente e notar todas as coisas positivas que ambos fazemos e que tendem a passar despercebidas –e então agradecer um ao outro por elas. Sendo eu a pessoa que cuida mais dos nossos filhos –aquela que prepara o almoço, arruma as mochilas das crianças para a escola, verifica a agenda da família e aquela que geralmente leva as crianças para a cama--, eu rejeitei a ideia de que precisasse agradecer a Ben com mais frequência. Imaturidade minha? Ressentimento? Provavelmente.

Mas essa é a limitação que enfrentamos quando buscamos conselhos de relacionamento num livro. Não havia ninguém que pudesse nos ajudar a refletir sobre o que estávamos aprendendo, e algumas das tarefas previstas nos estavam levando para águas emocionalmente turvas. Será que eu não entendera o exercício corretamente? Seria minha resistência a reconhecer os esforços de Ben um sinal de problemas mais fundamentais que precisávamos resolver?

"Acho que o benefício de ler um livro como este e fazer os exercícios com seu parceiro é que isso te leva a refletir sobre seu relacionamento e priorizá-lo, sem falar que pode ajudá-lo a trabalhar alguns dos problemas", comentou a psicóloga clínica Galena Rhoades, professora pesquisadora da Universidade de Denver. "Mas também pode ajudá-lo a reconhecer quando ou onde você precisa de mais apoio."

Whitton concordou que há limites ao que alguns casais poderão consertar sozinhos e que tentar adquirir novas habilidades comunicativas e de relacionamento pode soar muito mais fácil no papel que na vida real.

"Há algumas pesquisas mostrando que os casais têm muito mais sucesso em adquirir uma habilidade se eles a treinam, recebem algum coaching ou feedback corretivo e então voltam a treinar", ela disse. "Acho que às vezes há um pouco de perigo, sim, em tentar fazer por conta própria."

Quando nossa semana terminou, Ben e eu notamos algumas mudanças. Estávamos trocando mais afeto físico, e isso era gostoso. E estávamos fazendo questão de prestar atenção e reconhecer um ao outro durante momentos passageiros ao longo do dia –algo que era mais natural no início de nossa relação, quando tudo não girava em torno do trabalho ou dos filhos.

Uma semana não transformou nossa relação, mas infundiu nova energia a ela. Nos fez lembrar que, não importa quão corrida seja nossa vida, temos tempo, sim, para ser mais gentis um com o outro.

Os Gottman, que nunca fogem de uma analogia, expressam a coisa nos seguintes termos: um relacionamento é uma xícara de chá que você pode temperar do jeito que quiser. Pode usar sal ou pode optar pelo açúcar.

Eles escrevem: "Quando você acrescenta essas coisinhas a seu dia, é apenas isso que está fazendo, na realidade. Colocando um pouco de açúcar na relação, para deixá-la cada vez mais doce."

Tradução de Clara Allain

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