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Ex-gordos se sentem vistos e acolhidos após jornada de emagrecimento

Atenção e receptividade recebidas após perder peso denunciam gordofobia, para especialistas

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Ribeirão Preto

"Vocês estão fazendo apologia a obesidade, uma doença. Se lutar, controla, eu mesmo, perdi 25 kg", diz um internauta ao ler uma publicação nas redes sociais que citava os benefícios de corpos gordos serem representados. A reação é comum. O peso continua sendo uma questão que aquece as paixões.

Para especialistas e estudos, entretanto, é preciso diferenciar o tratamento por questões de saúde da exclusão e preconceito com pessoas fora de padrões de magreza. Enquanto gordos afirmam que muitas vezes se sentem excluídos por sua forma física, aqueles que emagrecem percebem maior acolhimento.

A turismóloga Mariana Silva, 27, se sentiu mais aceita após perder 56 kg com o auxílio de uma cirurgia bariátrica. Ela havia ganhado peso durante a gestação e o procedimento foi a saída encontrada para se olhar no espelho e gostar do que vê.

Mariana Silva, 27, se sentiu mais disposta e acolhida após perder peso - Danilo Verpa/Folhapress

Além da questão estética, sentiu-se mais disposta para executar tarefas simples como subir escadas e realizar atividade física. Apesar dos benefícios na saúde, o que escuta, porém, é que está mais bonita.

"As pessoas falam para mim o quanto estou bonita, magra. Gera admiração verem como você era e como está agora. As pessoas viram que realmente consegui, eu superei", afirma.

O medo de engordar mais uma vez, porém, acompanha a satisfação pelo processo de emagrecimento. "Eu me controlo e sou até neurótica, me peso toda semana, se aumentou 2 kg, volto a comer saudável e perco os 2 kg. O medo sempre vai estar lá e acho que tem que existir porque a partir do momento que o perder, vou ganhar peso de novo."

Uma pesquisa da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) em parceria com a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), mostrou que 85% das pessoas obesas já se sentiram constrangidas por conta do peso. A visão é reforçada pela relação entre magreza e sucesso presente em mídias, em redes sociais e até mesmo no discurso médico.

Maria Edna de Melo, diretora do Departamento de Obesidade da Sbem, diz que a busca pela beleza estética acaba se confundindo com o tratamento da obesidade, que é uma doença crônica. A mistura entre os assuntos também estigmatiza o tratamento.

"Obesidade e sobrepeso são condições crônicas, mas essa predileção pelas pessoas mais magras, e não necessariamente as de peso normal, é uma aceitação de corpos muito restrita, impacta negativamente na saúde mental", afirma.

O resultado, segundo especialistas, é mais ansiedade, depressão e autocobrança, o que promove a piora da condição ou reganho do peso.

"Há uma insatisfação corporal muito grande, mesmo depois de a pessoa já ter perdido peso, já ter melhorado a sua saúde. A sociedade não está preparada para alguém que tinha uma obesidade grave, um IMC [índice de massa corporal] de 60, por exemplo, perdeu muito peso, foi para o IMC de 40, que ainda tem uma obesidade importante, mas está com a saúde muito melhor", diz a diretora.

O ativismo contra a gordofobia, segundo Melo, contribui para quebrar paradigmas, uma vez que nem todos precisam ser magros, mas devem ser aceitos. Isso, porém, não significa deixar de tratar a obesidade e o sobrepeso, diz.

O Atlas Mundial da Obesidade 2023, divulgado em março pela Federação Mundial de Obesidade (WOF, na sigla em inglês), mostra que uma em cada sete pessoas no mundo tem obesidade. Em 2035, a projeção é de que a doença atinja um em cada quatro e que mais da metade da humanidade viva com sobrepeso.

A crescente pandemia de obesidade exige a criação de políticas públicas direcionadas e é um fenômeno multifatorial causado pelos hábitos da sociedade em que se está inserido, como aponta estudo publicado pela Revista Saúde e Sociedade da USP (Universidade de São Paulo).

Para médicos, o sistema de recompensa criado pelos elogios após a perda de peso e pela aceitação social, do mundo do namoro ao ambiente de trabalho, faz com que a saúde fique em segundo plano –e superar isso é um desafio.

Douglas Francisco Kovaleski, professor do Departamento de Saúde Pública e do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), diz que a sociedade que julga também é a que estimula um consumo desmedido de alimentos que levam ao aumento do peso. Para ele, os padrões estéticos ainda são muito usados como argumento de saúde.

"Vemos hoje muitos profissionais exagerando na solicitação de magreza, condenando de uma maneira muito ríspida e até grosseira, o que caracteriza gordofobia, que é quando a pessoa gorda é culpabilizada. O obeso passa a ser um pária na sociedade, não tem lugar pra sentar no ônibus, no avião, é maltratado pelo médico na consulta", avalia.

A exclusão, segundo o professor, intensifica o processo do sofrimento psíquico já presente nesses casos. "Não posso estimular que tenham sobrepeso, mas o profissional de saúde a partir do momento que trata o outro como igual, merecedor do cuidado, sem um ponto de vista equivocado de preconceito, ajuda a melhorar a vida dessa pessoa", diz.

As tentativas de emagrece da gerente de recursos humanos Thais Fernanda Alvarenga, 30, vêm desde a infância, quando era comparada à irmã. Na adolescência, momento que ganhou mais peso, começou a fazer dietas de revistas. O que causou seu emagrecimento, porém, foi a reeducação alimentar associada a acompanhamento médico propostos por sua mãe.

Hoje, diz que a fase "bitolada com o corpo" passou, embora a questão hereditária ainda preocupe-a.

"Não são casos de obesidade, mas acho que sou a pessoa mais magra da minha família", diz. "Mudei a minha percepção, porque ficar sendo comparada e se comparar a vida inteira com o padrão de beleza interfere na autoestima num nível altíssimo. Atrapalha a sua vida profissional, emocional e afetiva."

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