Livros, filmes e séries com protagonistas negros ajudam a conscientizar crianças sobre racismo

Pais e responsáveis também devem ficar atentos à forma como o assunto é debatido nas escolas

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Rayane Moura
São Paulo

"Racismo é uma coisa feia, que deixa as pessoas negras tristes." É assim que Hortência Miranda, uma garota negra de 5 anos, define o ato.

A menina é filha de Áquila Bruno Miranda, 34, que acredita ser fundamental trabalhar o tema desde a primeira infância. Doutoranda em Psicologia Social pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), ela afirma que o assunto ainda é pouco explorado pelos pais, algo que precisa mudar.

"Um dos principais argumentos é que a criança é inocente, ou que o tema é muito pesado para ser tratado com a criança", diz ela, com base no que observa em suas experiências clínicas e acadêmicas.

Ilustração de Lívia Serri Francoi. Fundo branco com uma criança negra com os braços e pés estendidos ao centro. Três sereias, também inteiramente negras da calda à cabeça, estão cercando a criança
Obras com protagonistas negros ajudam crianças a se conscientizarem sobre o racismo - Lívia Serri Francoi

Para especialistas, desenvolver crianças e adolescentes que se posicionem contra o racismo e não cometam atos de discriminação envolve apresentar figuras negras de relevância desde e infância, além de não esconder que o preconceito racial existe.

O Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade Harvard compilou estudos sobre a vivência cotidiana que envolve o "racismo estrutural", teoria usada para indicar sociedades estruturadas a partir da discriminação e preconceito racial. Os pesquisadores apontam que lidar com o racismo diariamente tem efeito às vezes invisível, mas duradouro e cruel, sobre a saúde, o corpo e o cérebro de crianças. Além disso, ainda impactam "o aprendizado, o comportamento, a saúde física e mental".

Para evitar que seus filhos cometam atos de preconceito, o primeiro passo é explicar aos meninos e meninas o que é racismo para que tenham consciência que o fenômeno é uma realidade no Brasil, segundo Paola Cristina Nogueira Xavier, 39, membro do coletivo Psicopretas e psicóloga clínica na rede pública e privada.

"Primeiro, esses pais têm que ter consciência de que o racismo existe, porque essa é uma discussão que temos muito aqui no Brasil. Por estarmos num país misturado, algumas pessoas dizem que não existe porque todo mundo tem algum parente negro na família, mas não é bem assim. Ninguém se torna antirracista por ter alguém negro na família", afirma a profissional.

A primeira conversa pode ser guiada a partir daquilo que a criança ou o adolescente já saiba. Perguntas como "O que você conhece sobre o assunto", "Você já ouviu falar sobre isso?", "Conhece alguém que já passou por uma situação de racismo?" podem ajudar.

Xavier também diz que o assunto pode ser abordado na linguagem adequada para a idade, oferecendo livros com autores negros, filmes ou séries com protagonistas negros, ou até mesmo brincadeiras infantis.

Para melhores resultados, os pais ou responsáveis também precisam estar preparados. É preciso buscar conhecimento sobre o tema, ter pessoas negras no convívio social e referências em espaços de poder e decisão.

Qual a idade adequada?

Áquila Miranda, que também é especializada em saúde da família, diz que o assunto deve permear o desenvolvimento da criança desde o início.

Para exemplificar, ela destaca uma frase da psiquiatra e escritora Neusa Santos Souza: "o racismo vem na história de vida do sujeito antes dele nascer".

"Antes do nascimento, as pessoas já estão imaginando como será o nosso corpo. Em caso de uma família interracial, se vai puxar para a mãe negra, ou o pai branco. Como vai ser o nariz? Há um desejo, uma expectativa, muitas vezes em função do racismo, para que esse corpo seja embranquecido. Então se isso acontece antes do nascimento, a criança já é marcada", afirma.

A profissional também pontua que os responsáveis devem estar atentos a forma como o assunto é debatido nas escolas.

A lei 10.639, por exemplo, estabelece o ensino de história e cultura afro-brasileira em escolas, com o objetivo de resgatar "a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil". Além dessa, a lei 11.645 "torna obrigatório o ensino da história e cultura indígena e afro-brasileira em todas as escolas públicas e particulares do ensino fundamental até o ensino médio".

Como ensinar crianças e adolescentes a se posicionar contra o racismo

  • Ensinar para as crianças o que é racismo, ressaltando que existe o preconceito no Brasil. É importante que os pais também busquem conhecimento;

  • Abordar diferenças entre culturas, religiões, estilos de vida, e ensinar sobre a importância de respeitar diferenças;

  • Inserir representações de pessoas negras em espaços de poder no cotidiano por meio de literatura, músicas, desenhos, animações, filmes e séries;

  • Ter pessoas negras no convívio social, como amigos;

  • Frequentar espaços que valorizem a cultura negra;

  • Explicar porque certas "brincadeiras" são erradas e como a criança e o adolescente devem se posicionar nessas situações;

  • Excluir expressões racistas do vocabulário, pois crianças reproduzem o que veem os adultos fazendo ou falando;

  • Verificar como a instituição de ensino está abordando o assunto.

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