Palmada como punição fortalece comportamento que pais buscam reprimir

Bater gera problema no curto e longo prazo, além de nutrir raiva na criança, que pode querer revidar

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Ribeirão Preto

Ninguém gosta de apanhar, mas muita gente ainda considera bater uma boa forma de ensinar crianças. A agressão, física ou verbal, entretanto, atrapalha mais que ajuda, estimulando comportamentos que os responsáveis procuram reduzir.

Conter o ímpeto de dar palmadas, gritar ou ofender, fica mais simples quando se presta atenção ao que a criança está dizendo e às próprias motivações na hora da raiva, dizem especialistas.

Além de menor em tamanho, as crianças têm menos recursos físicos, cognitivos e psicossociais para dizer o que sentem —algo natural em quem está se desenvolvendo.

Mayara Colombo com o filho Giovanne Colombo
Mayara Reibaldi, 40, ao lado do filho Giovanni, 4 - Rubens Cavallari/Folhapress

Essa compreensão fez toda diferença para a bibliotecária Mayara Parolo Colombo Reibaldi, 40, mãe do pequeno Giovanni Colombo Reibaldi, 4.

Antes da maternidade, Mayara pensava "apanhei e nunca morri". Se via uma criança fazendo birra no restaurante, achava que umas palmadas ou um "puxãozinho de orelha" fariam bem. A parentalidade, porém, mudou sua percepção. Durante a gestação, se dedicou a leituras sobre o tema para entender o melhor caminho nos cuidados com o filho.

"Aquilo abriu meu olhar. A gente não está aqui para criar sobreviventes. Quero que meu filho seja uma pessoa feliz, segura, empática. Para ser tudo isso, entendi que ele precisa ser criado com amor. Vivo em tentativa e erro", diz a bibliotecária. "Eu sou a adulta racional. Ele é uma criança, está verbalizando o que sente e o que desagrada do jeito que sabe".

Para evitar explosões com Giovanni, ela faz terapia e ioga, além de buscar uma pausa se precisar colocar a mente no lugar e tirar o foco da irritação. "Bater em uma criança é uma grande covardia. Quando a gente se desentende com um adulto não dá um tapa, porque respeita. Quando o filho grita, primeira vontade é gritar com ele de volta. É difícil segurar esse ímpeto", afirma.

A abordagem é aprovada pela psicóloga Patricia Leila dos Santos, docente do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).

De acordo com a profissional, os adultos responsáveis devem tolerar a frustração da criança, que muitas vezes envolve comportamentos agressivos ou impulsivos, além de choro. Segundo ela, é importante dar um tempo para a criança se acalmar, pois a punição física gera consequências negativas de curto e longo prazo.

Os pequenos podem, por exemplo, nutrir raiva e querer revidar, repetindo o comportamento que se deseja reprimir.

"Além de aprender que bater é uma estratégia para resolver problemas, neste caso, aprende a bater também", diz ela. "Dependendo do tempo e qualidade das interações que a criança tem com seus cuidadores (pais, babá, avós), conseguir alguma atenção pode ser muito mais importante e gratificante para ela, levando-a a repetir o comportamento."

A punição física conduz a sentimentos de tristeza, irritabilidade, levando a problemas emocionais ou comportamentais, como depressão e ansiedade, e interferindo na qualidade de relacionamentos futuros, segundo a profissional. Punir com palavras depreciativas e que fazem a criança se sentir culpada, inadequada, não amada ou ignorada pode ser ainda pior.

A escritora Ligia Moreiras, doutora em Saúde Coletiva pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), também se viu confrontada pelo tema durante a gestação. Para ela, crescer em um lar onde a educação é sinônimo de violência faz a criança ter problemas de autoestima, acreditando que o amor pode andar de mãos dadas com a agressão.

"Tive uma infância típica da minha geração. Nos anos 80, palmadas eram incentivadas, a violência era vista como uma forma de correção. E a gente ficou com dois problemas: perceber que não foi positivo e transformar a nossa própria forma de educar os filhos."

Como lidar com uma crise

Enfrentar uma crise envolve entender os sentimentos de todos os envolvidos: a criança e os responsáveis. Os cuidadores precisam compreender o que faz com que o comportamento incomode a ponto de querer bater. Identificado o problema, é hora de agir com firmeza, mas sem deixar de ser gentil.

"Respeitar a criança está longe de permitir que ela faça o que quiser. Falar com um tom de voz adequado, sem gritar ou elevar a voz, apontar o que ela fez que não foi legal, dar a oportunidade de ela falar e estimular que pense em outras formas de agir é o caminho", diz Santos.

É importante ainda enfatizar as qualidades dos pequenos, dando ênfase aos comportamentos desejados. Ao estabelecer regras para orientar e dar limites, lembre-se de manter flexibilidade, comunicar e combinar antes o esperado, além de, sobretudo, ser coerente.

"Se uma regra é não bater nas pessoas, mas os pais usam punição física, não há coerência", exemplifica a psicóloga.

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