Por algum tempo meus filhos fizeram aulas de circo. A cada centímetro que o trapézio subia, o meu coração acelerava. Vê-los se arriscando em algo que eu sabia que eles não tinham qualquer treino para realizar com sucesso me angustiava. Eu oscilava entre o orgulho pela coragem e o desespero de medo. O que me acalmava, em algum grau, era a rede de proteção. Abaixo dos pés que se levantam estava um equipamento de segurança que me dizia que o risco era alto e o cuidado também.
Cuidar de uma criança é, sem dúvida, a atividade mais intensa, perigosa, arriscada e incrível que já me responsabilizei em realizar. Educo duas crianças sem ter tido qualquer treino que realmente me fizesse hábil nisso: aprendo enquanto pratico, com a plena consciência de que as regras do jogo mudam o tempo todo e que eu jamais serei a campeã mundial hiper gabaritada. Quando acho que compreendi as crianças, elas mudam de idade, tamanho, crises, percepção de mundo, desafios. Me resta me resignar e aprender. O trapézio sobe alguns centímetros e eu sinto o frio na barriga, de novo.
Se a gente prestasse atenção na complexidade, risco e exigências da atividade, colocaríamos a rede apoio como uma prioridade no cuidado com as crianças, uma obrigação social e coletiva. Pensaríamos nos cueiros, fraldas, bodys e braços e amparos e escutas e "quer deixar as crianças comigo hoje?".
Infelizmente aprendemos que cada criança é responsabilidade única dos seus cuidadores, que se desdobram em vários para dar conta – ou quase isso – das demandas de manter bem um outro ser. Que arriscado pular de um lado para o outro sem a segurança de que, se os braços fadigados pedirem descanso, uma rede forte impedirá que você desabe no chão.
A ilusão de que pedir ajuda é para os fracos, irresponsáveis e incompetentes nos faz acreditar que precisamos dar conta do impossível, sozinhos. Pagamos a solidão com o nosso tempo, o nosso sono, a saúde. Olhamos para as crianças e, mesmo amando muito os seus sorrisos, continuamos sabendo que a conta é alta e nunca está equilibrada.
O cansaço nos rouba a energia e paciência necessárias para realizarmos os nossos malabarismos diários. Assim, a gente perde a mão, desconta nas crias a exaustão que dói nos ossos e dorme com a certeza de que está fazendo tudo errado. Um novo dia começa, somamos o cansaço de ontem com o de hoje e seguimos porque o show tem que continuar.
Sei que você não me pediu um conselho, mas quero dar mesmo assim. Quero panfletar em frente às maternidades e consultórios pediátricos: peça ajuda. Busque a construção dessa rede com urgência. Vale a vizinha e o vizinho, os responsáveis pelo coleguinha da escola, as amigas e amigos sem filhos que fazem questão de dizer que são tios e tias orgulhosos. Sua família não pode te apoiar? Bata em outra porta. Você não tem que dar conta sem ajuda.
Criança pede aldeia, equipe, comunidade, grupo, enfim, o nome que você quer dar e que representa algo coletivo, maior que você. A diversidade de cuidado faz a criança ampliar o repertório de mundo e nos ajuda a respirar com mais alguma tranquilidade.
Às vezes a gente vai precisar que a rede suporte o nosso peso quando nos sentirmos em queda livre, que segure o que nossas mãos já não conseguem agarrar até que recuperemos as forças e recomecemos. Às vezes, só por sabermos que ela existe, que está logo ali, ao nosso alcance, nos lançaremos em voos altos e corajosas que jamais faríamos sem ela. Só não dá pra ficar sem.
Desejo que entre o orgulho e o desespero, uma rede te acalme.
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