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Pressão para dormir 8 horas atrapalha o sono, diz autor

Russell Foster destrincha o relógio biológico em 'O Ciclo da Vida', livro recém-lançado no Brasil

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São Paulo

Em suas palestras sobre a importância do sono para o corpo e a mente, o britânico Russell Foster gosta de citar Albert Einstein como garoto-propaganda: o físico genial dormia de 9 a 10 horas todas as noites.

Professor de neurociência da Universidade de Oxford (Inglaterra), Foster, 64, diz ser frequente que, nesse ponto, alguém da plateia fale de Salvador Dalí, um artista também genial que se forçava a dormir o mínimo possível por considerar o sono uma perda de tempo.

Costuma ser uma tentativa de contraponto à exposição de Foster, mas a intervenção, na realidade, reforça o argumento. Enquanto Einstein precisava de um raciocínio cristalino para compreender as leis do universo, Dalí se beneficiava de certa confusão mental.

Mulher serena dormindo em sua cama e despertador em primeiro plano
Quando a luz natural diminui, o corpo produz melatonina, o hormônio da escuridão; é ele que traz o sono - stokkete/stock.adobe.com

"A falta de sono constante induz a paranoia, alucinações e um estado de consciência alterado", escreve o britânico em "O Ciclo da Vida" (Objetiva), recém-lançado no Brasil.

"Dalí queria uma visão surrealista do universo, e as lentes distorcidas da privação do sono e da consciência alterada o ajudavam a atingir essa perspectiva."

No livro, Foster apresenta um amplo panorama do que ele descreve como "a nova ciência do relógio biológico", um ramo de pesquisas recentes que prometem revolucionar o sono e a saúde das pessoas –inclusive a saúde mental, um dos temas favoritos do autor.

"Com uma simples mudança no padrão de sono [de alguns participantes de um estudo], conseguimos reduzir os problemas de saúde mental [deles]. Isso agora está sendo adotado pela psiquiatria em todo o mundo. Então é realmente empolgante", diz em entrevista à Folha.

O neurocientista Russel Foster, 64, professor de neurociência circadiana em Oxford
O neurocientista Russel Foster, 64, professor de neurociência circadiana em Oxford - Vera de Kok/Wikimedia Commons

Formado em zoologia, Foster começou sua vida acadêmica com a pretensão de se tornar biólogo marinho. Mudou de ideia ao acompanhar um simpósio internacional sobre relógio biológico, a respeito do qual ele tinha apenas uma ideia vaga.

"Fiquei fascinado com o esforço para entender como esse relógio interno funciona. Porque, para ter algum valor, ele deve ser ajustado ao mundo externo. Nossa biologia precisa das coisas certas, na concentração certa, nos tecidos e órgãos certos, na hora certa do dia", diz.

Acordar, comer e dormir são as ações mais óbvias, mas há inúmeras outras, como aguçar o raciocínio, fortalecer a imunidade, formar memórias ou preparar o corpo para exercícios.

Todos esses processos são controlados em alguma medida por um relógio interno que funciona em ciclos de pouco mais de 24 horas –daí ser chamado de ciclo ou ritmo circadiano, que significa "cerca de um dia".

Daí também Foster ser professor de neurociência circadiana em Oxford e diretor do Instituto de Neurociência do Sono e Ritmos Circadianos. O que ele faz é estudar o relógio biológico e sua contraparte mais importante: o sono.

Para simplificar um tema complexo, o sono pode ser entendido como um período de inatividade física no qual o corpo realiza uma série de funções biológicas essenciais à saúde e ao bom desempenho do indivíduo quando acordado.

Assim como as pessoas têm alturas e pesos diferentes, o relógio biológico e o sono também variam. "É igual sapato: não existe um tamanho que sirva para todos", diz Foster.

Enquanto o relógio biológico das pessoas "madrugadoras" tem o despertador interno programado para muito cedo, o de outras só toca quase no fim da manhã –são as notívagas, que vão dormir bem tarde.

Além do relógio biológico, existe um outro mecanismo que indica a hora de dormir: a pressão do sono, ou impulso homeostático, que aumenta ao longo do dia e se traduz em cansaço.

Dormir é a maneira de diminuir ou zerar essa pressão, e a quantidade de sono necessária para isso também varia. "Parte do motivo pelo qual escrevi esse livro foi porque eu estava muito irritado com a mídia dizendo que todo mundo deve dormir oito horas."

Embora o horário e a tolerância desses mecanismos não sejam iguais entre os indivíduos, sabe-se que a faixa de sono na espécie humana fica em torno de seis a dez horas. "Fora disso, provavelmente não é saudável", afirma o professor.

No campo da saúde mental, pesquisas apontam relação entre falta de sono e diversos problemas, como alteração de humor, irritabilidade, ansiedade, perda de empatia, comportamento impulsivo, visão negativa do mundo, depressão, paranoia, alucinação e esquizofrenia.

Não que tudo aconteça de uma vez nem que qualquer noite maldormida provoque tudo isso. O mau humor é muitíssimo mais comum do que a esquizofrenia, por exemplo, e nem sempre a falta de sono é a causa original do quadro clínico.

Mas, segundo Foster, os circuitos cerebrais envolvidos nos transtornos de humor e psicóticos se sobrepõem aos circuitos de regulação do sono; ou seja, um problema tende a alimentar o outro.

"Todos nós vivemos em um espectro de saúde mental. Alguns são muito resistentes a problemas, outros são muito suscetíveis. Então o impacto da perturbação do sono vai depender da vulnerabilidade de cada um", afirma.

Também depende de cada um descobrir a melhor maneira de conseguir uma boa noite de sono. O livro de Foster traz inúmeras dicas, das quais a mais importante é fácil de falar, difícil de fazer: "Não fique ansioso em relação ao sono", diz na entrevista.

Outros conselhos são mais factíveis: ter contato com a luz da manhã, que é um dos fatores mais importantes para ajustar o relógio biológico; garantir um quarto adequado, sem luz nem aparelhos eletrônicos; usar roupa de cama e colchão confortáveis; controlar a temperatura.

Em relacionamentos, as coisas podem se complicar, porque cada um tem sua própria zona de conforto –e, às vezes, alguém ronca. Nos casos mais difíceis, Foster recomenda quartos separados: "Não é o fim de um relacionamento, é o começo de um novo".

De acordo com ele, há sinais claros para saber se o sono tem sido insuficiente: queda de desempenho durante o dia; muitas horas dormindo nos dias livres; uso inevitável de despertador; sonolência ao acordar; necessidade de cafeína.

"Mas tudo se resume a relaxar. Esse ponto é central. A maioria de nós não tem um problema de sono; tem um problema de estresse ou de ansiedade."

O ciclo da vida - Como a nova ciência do relógio biológico pode revolucionar seu sono e sua saúde

  • Preço R$ 119,90 | R$ 44,90 ebook
  • Autoria Russell Foster
  • Editora Objetiva
  • Págs. 432
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