Antes apagadas em edições de fotos, estrias viram tendência em campanhas de moda

Anúncios de lingerie sempre enfatizaram versão idealizada do corpo feminino, mas há cerca de dez anos passaram a focar as chamadas 'imperfeições'

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Mattie Kahn
The New York Times

Em 2014, no lançamento da Negative Underwear, marca de lingerie, as fundadoras Marissa Vosper e Lauren Schwab decidiram que o corpo feminino não seria retocado nas campanhas de marketing.

Alinhada com um negócio que vende principalmente sutiãs transparentes, sem armações e superminimalistas, a escolha foi uma "decisão óbvia", segundo Vosper –e não teria #photoshopfails, hashtags usadas para identificar erros evidentes de programas de edição de imagem que viralizam nas redes sociais: umbigos ausentes, braços extras e espaços entre as coxas que distorcem a cena ao fundo. O corpo seria real: a pele teria textura– e estrias.

Foto mostra ombro com estrias
Durante mais de um século, o corpo feminino foi mostrado de forma idealizada em propagandas de lingerie - Jeannette Spicer/The New York Times

No geral, a estratégia parecia eficaz –a coleção inicial da marca se esgotou em duas semanas. Mas o compromisso de Vosper com o realismo na publicidade teve consequências inesperadas. Em anúncio recente, uma foto muito aproximada e recortada dos seios de uma mulher que usava um sutiã Negative exibia estrias sutis. A propaganda recebeu críticas de alguns consumidores –não porque o anúncio mostrava estrias, mas porque elas pareciam muito bonitas e uniformes. As pessoas postaram nas redes sociais comentários como: "É impossível que as estrias dela sejam tão perfeitas", conta Vosper.

Durante mais de um século, o corpo feminino foi mostrado de forma idealizada em propagandas de lingerie. Nas décadas de 1910 e 1920, os anúncios de roupas modeladoras mostravam silhuetas que se assemelhavam a ampulhetas e, nos anos 1940, o sutiã com aro, ou meia-taça, se tornou muito popular.

Na década de 1970, Rudi Gernreich inventou a tanga –peça que cobre a região genital e, em seguida, se estende para a parte de trás, expondo a maior parte das nádegas–, o que deixou as pessoas chocadas. Entre 1980 e 1990, a Calvin Klein, além de calcinhas de algodão, passou a vender sensualidade. No início dos anos 1980, a Victoria's Secret alcançou o ápice de sua popularidade: a marca ambicionava uma perfeição quase celestial. Nas peças publicitárias, suas "angels" atingiam essas expectativas, e a celulite era considerada algo de pessoas comuns.

Na última década, enquanto a Victoria's Secret enfrentava uma série de escândalos, novas marcas de lingerie se concentraram nas chamadas imperfeições –especialmente nas estrias. Essas características, antes censuradas, agora estão se tornando um padrão no setor, e já são tão onipresentes quanto os decotes.

Várias linhas de lingerie, como a Negative e a Cuup, escolheram modelos com estrias –vistas com frequência em modelos magras–, e algumas redes grandes seguiram seu exemplo. Estão presentes nas fotos de produtos da ASOS, da Boohoo, da Missguided (que atualmente pertence à Shein) e da Target, entre outras. Algumas se anteciparam: um mês antes do lançamento da Negative, a Aerie se comprometeu a não retocar mais seus anúncios de lingerie.

Quando a Everlane começou a vender roupas íntimas, em 2018, seu slogan promovia a ausência de enfeites, de laços e de enganações. A Parade, startup de lingerie, construiu parte de sua reputação sobre imagens cruas de seus produtos. (Em agosto, foi vendida para a Ariela & Associates, detentora da licença da Fruit of the Loom, gigante do setor.)

estrias na lateral do corpo de mulher
Marcas de lingerie têm surfado na tendência de corpos reais em campanhas publicitárias - Jeannette Spicer/The New York Times

O conceito tradicional evoluiu rapidamente, mas, nos bastidores, a mudança tem sido mais lenta. Quando Cayla O'Connell fundou sua marca de roupas íntimas, em 2017 (antes conhecida como Knickey e recentemente lançada como Subset), observou na concorrência um denominador comum: as marcas de lingerie mais populares eram lideradas por homens –e ela queria proporcionar uma perspectiva diferente.

"Como mulher, quero participar do consumo de coisas que me interessam, e o fato é que tenho estrias e não uso tamanho pequeno. Estamos aceitando a celulite, o eczema, as marcas, as tatuagens, as modificações corporais e os corpos com habilidades diferentes", observa O'Connell.

Ela disse que considera o compromisso de mostrar um elenco diversificado de modelos (e oferecer tamanhos até o extragrande) um diferencial da Subset em comparação com as táticas das grandes empresas: "Essas marcas se envolvem estrategicamente no que é tendência, com campanhas publicitárias ocasionais usando modelos que têm estrias e outras características."

O'Connell não acha tal abordagem honesta: "É um resultado direto das reações negativas que algumas dessas empresas estavam recebendo em relação à objetificação, à sexualização e à infantilização das mulheres nos meios de comunicação e no marketing."

Especialistas da Negative Underwear que se aprofundam no tema "estrias" sugerem que até mesmo os consumidores que optam por comprar roupas de marcas independentes mantêm certo ceticismo subjacente. Se uma característica, antes rejeitada, se torna uma tendência, será de fato um progresso?

A empresa afirma que aplica técnicas de pós-produção nas fotos de seus produtos, como correção de cor e redução de rugas nos tecidos, mas Vosper garantiu que permanece fiel à sua visão: "Não alteramos o corpo da mulher, nem afinamos sua cintura ou eliminamos sua celulite." Ela manda um recado para os céticos: as estrias são reais.

Assim como O'Connell, ela observa que as estrias se tornaram uma espécie de ponto de partida, sendo a imperfeição mais escolhida pelas grandes empresas que desejam sinalizar algum tipo de inclusão. Até a Victoria's Secret tentou a abordagem: em 2016, antes de seu desfile anual, a empresa divulgou imagens da modelo Jasmine Tookes usando um sutiã de US$ 3 milhões, com estrias à mostra –mas vacilou quando a modelo desfilou ao vivo usando uma peça com contas que cobriam a parte superior das coxas– e as estrias.

Faren Karimkhan, professora de publicidade da Escola Newhouse da Universidade de Syracuse, acredita que as marcas tradicionais veem essas características como uma forma "menos arriscada" de abordar a positividade corporal e que empresas como a Victoria's Secret são "mais reticentes em aderir a essa nova tendência". "Acho que veem as estrias como um lugar seguro para começar –afinal, mulheres magras e modelos também as têm."

E acrescenta: "As marcas consideradas mais positivas em relação ao corpo fazem um sucesso evidente, mas as mais tradicionais, enraizadas no estereótipo padrão, estão lutando para encontrar sua identidade à medida que surgem novas tendências."

Além de ser um ponto de partida menos arriscado, usar modelos com essas características é relativamente barato em comparação com o processo de criar e fotografar múltiplos tamanhos para mostrar corpos diversos, segundo Karimkhan. Os números ditam as regras: as estrias se destacaram, em parte, porque não custa nem um centavo a mais ter uma modelo com elas no estúdio.

O'Connell as compara às sardas –que também eram apagadas na publicidade convencional, mas agora a Sephora e outras varejistas vendem um lápis pigmentado para simulá-las. Até o momento, as estrias não são vendidas sob demanda, mas O'Connell acredita que um dia isso possa se tornar realidade.

Isso seria um sinal de evolução? Ela não tem tanta certeza –pelo menos quando outras características aparentes continuam sendo apagadas da publicidade das marcas. Ela disse que, por enquanto, ainda precisa reiterar aos seus editores de fotografia depois das sessões: "Sem retoques."

"Certamente, recebemos todos os tipos de feedback de clientes e de seguidores nas redes sociais. Há quem ache que nunca está suficiente e há quem pense que é demais –e todo mundo tem um comentário quando se trata do corpo da mulher", diz Vosper.

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