Entenda por que alguns idosos preferem maconha a pílulas tradicionais

Idosos são uma das populações que mais crescem entre usuários de cannabis nos Estados Unidos

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Christina Caron
The New York Times

Os idosos são uma das populações que mais crescem entre os usuários de cannabis nos Estados Unidos. Enquanto alguns usam maconha há décadas, estudos sugerem que outros estão recorrendo à droga pela primeira vez para dormir melhor, aliviar dor ou tratar ansiedade —especialmente quando os medicamentos prescritos, que muitas vezes têm efeitos colaterais indesejados, não funcionam como pretendido.

Em 2007, apenas cerca de 0,4% das pessoas com 65 anos ou mais nos EUA relataram ter usado cannabis no ano anterior, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde. Esse número subiu para quase 3% até 2016. Em 2022, estava em mais de 8%.

Steve Hickerson, 79, segura uma das balas de cannabis que ele usa para dormir
Steve Hickerson, 79, segura uma das balas de cannabis que ele usa para dormir - Jackie Russo/The New York Times

Nancy Herring, 76, usou cannabis recreativamente durante toda sua vida adulta; ela se descreve como "uma das hippies dos anos 60". Mas foi só quando seu marido foi diagnosticado com doença de Parkinson e demência há dois anos que ela começou a se perguntar sobre o uso medicinal da maconha.

Durante o curso da doença, seu marido, agora com 79 anos, desenvolveu insônia. Logo, nenhum dos dois estava dormindo.

Os médicos receitaram remédios para ajudá-lo a descansar, mas "nada realmente funcionou", diz ela. Em determinado momento, ele reagiu tão negativamente a um medicamento que acabou no hospital.

Então eles experimentaram uma versão indica da cannabis em um dispensário perto de onde moram em Clearwater, Flórida. Agora, depois de um doce e uma tragada em um cachimbo, seu marido "consegue dormir à noite, o que é uma coisa enorme", diz Herring.

As propriedades medicinais da maconha não foram bem estudadas, especialmente entre os usuários mais velhos, o que dificulta aos médicos aconselhar seus pacientes sobre os benefícios e riscos. As empresas de cannabis têm se apressado para preencher essa lacuna, oferecendo dicas para idosos sobre doses ou formulações e até mesmo criando produtos destinados a eles.

Enquanto isso, à medida que mais idosos experimentam a maconha, eles evangelizam uns aos outros sobre seus benefícios e compartilham os problemas que encontraram ao longo do caminho.

"As pessoas estão desesperadas", diz Aaron Greenstein, um psiquiatra geriátrico em Denver. "Elas estão dispostas a tentar qualquer coisa."

Quando sua própria avó ficou convencida de que estava revivendo o Holocausto durante as últimas fases de sua demência, tomar uma tira dissolvível com pequena quantidade de THC —o componente psicoativo da maconha— pôs fim aos seus flashbacks e a ajudou a se sentir em paz.

"Eu tive dezenas de pacientes que me disseram que isso curou suas várias doenças", diz Haley Solomon, uma psiquiatra geriátrica em San Diego que, juntamente com Greenstein, escreveu sobre a promessa e os riscos do uso de cannabis por idosos. "Acho que é realmente importante ouvi-los, reconhecer isso e depois estudar mais."

Os idosos precisam estar cientes das possíveis interações medicamentosas, acrescenta ela, e também considerar como a maconha pode afetar a cognição, coordenação e equilíbrio.

'A medicina não está funcionando'

Sem uma orientação clara ajudando os idosos a usar maconha, há um entendimento entre alguns de que devem ensinar uns aos outros.

Carminetta Verner, 88, se tornou a principal fonte de informações sobre cannabis em sua comunidade de aposentados, o amplo complexo Leisure World no condado de Montgomery, Maryland, que abriga cerca de 8.000 idosos.

Em 2018, ela fundou um clube dedicado a educar os residentes sobre a maconha medicinal. A adesão ao clube, que agora cresceu para cerca de cem pessoas, poderia ser maior se não fosse o estigma ainda associado à droga, diz Verner.

"Há muitas pessoas aqui que estão sofrendo e com dor, e a medicina não está funcionando para elas", diz ela.

Damien Cornwell, proprietário de um dispensário em Binghamton, Nova York, aberto em fevereiro, disse que seu negócio atrai clientes "procurando alívio que não conseguem encontrar no consultório médico". Eles têm doenças como artrite reumatoide, ansiedade e insônia, diz.

À medida que mais estados legalizam a maconha —agora é permitida para uso recreativo em mais de 20 estados e Washington, D.C., e para uso medicinal em 38 estados e D.C.— o número de idosos que recorrem a ele só vai continuar a crescer, dizem os especialistas. Uma pesquisa da Gallup descobriu em outubro que cerca de dois terços dos adultos com 55 anos ou mais acham que o uso da maconha deve ser legal.

Marcas de cannabis estão cortejando idosos

Steve Hickerson, que mora em Laguna Woods, Califórnia, quer dormir melhor.

Ele usava gotas sublinguais de cannabis, mas disse que não ajudavam, então ele está experimentando os doces, "que parecem funcionar muito melhor". No passado, ele achava que usar drogas que alteram a mente era moralmente errado —"sou cristão", explica— mas agora, ele diz: "Tenho 79 anos. As coisas são diferentes."

Ele está disposto a explorar produtos com uso médico. As empresas estão aproveitando o interesse recém-descoberto. No início deste ano, Hickerson foi levado de ônibus para um evento organizado pela Glass House, uma das maiores marcas de cannabis do país, junto a cerca de outras 50 pessoas da sua comunidade de aposentados que receberam produtos com um desconto substancial.

A empresa Trulieve também está se conectando com idosos. Ela possui a maior presença no varejo de produtos de cannabis nos EUA e uma instalação de cultivo de cannabis de 750 mil pés quadrados no norte da Flórida.

Kim Rivers, co-fundadora e CEO da Trulieve, diz que seus clientes "sábios" —aqueles com 55 anos ou mais— estão crescendo ano após ano. Na Flórida, acrescenta, esses adultos representam 20% de sua base de clientes.

O que os idosos devem saber sobre a cannabis?

Por não ser legalizada em nível federal, os médicos não têm pesquisas suficientes para orientá-los sobre em quais condições ela é útil, quem pode estar em maior risco de danos potenciais, como dosá-la corretamente ou quais variantes recomendar, diz Benjamin Han, especialista em medicina de dependência na Universidade da Califórnia, San Diego, e um dos poucos geriatras nos EUA que estuda adultos mais velhos e o uso de substâncias.

"O que torna ainda mais complicado é que a cannabis é uma planta muito complexa", acrescenta ele, e existem mais de cem canabinoides —os componentes biologicamente ativos na planta de cannabis— além de produtos com diferentes proporções de THC para canabidiol, ou CBD.

Comece com doses baixas e vá devagar

Se um paciente quiser experimentar produtos de cannabis contendo THC, Han recomenda começar com uma dose baixa (geralmente de 1 a 2,5 miligramas) e depois "dar uma semana" antes de decidir aumentá-la.

Consumir muitos comestíveis pode causar tontura, confusão, alterações na frequência cardíaca e pressão arterial, ataques de pânico, ansiedade, náuseas, vômitos e até mesmo levar algumas pessoas ao pronto-socorro.

Discuta os riscos e benefícios com seu médico

"É importante conversar com um clínico ou profissional de saúde, especialmente se você estiver usando para tratar doenças crônicas ou sintomas crônicos", diz Han.

A cannabis pode interagir com certos medicamentos, como a varfarina, um medicamento usado para tratar coágulos sanguíneos. E idosos que tomam sedativos-hipnóticos como o Ambien ou benzodiazepínicos como o Xanax —ou que consomem álcool— devem considerar evitar a cannabis, diz Solomon, porque quando combinada com esses medicamentos, pode causar tontura e confusão e tornar os idosos mais suscetíveis a quedas e lesões.

E fumar cannabis pode desencadear sintomas respiratórios em pessoas com doença pulmonar crônica, acrescenta Han.

Eduque-se

Verner recomendou ir a dispensários licenciados que vendem produtos testados por terceiros. Familiarize-se também com as regulamentações estaduais, diz ela.

"Você só precisa se educar, não ter medo das coisas —aprender por si mesmo", diz Verner. "Você precisa saber o que pode funcionar para você —e partir daí."

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