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Entenda por que vídeos de limpeza e organização fazem tanto sucesso nas redes sociais

Conteúdos ajudam no controle do estresse e até motivam mudanças, desde que não sejam consumidos em excesso

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Ribeirão Preto

Assistir a vídeos de limpeza e organização é um hobby para muita gente. Em alguns casos, os conteúdos são assistidos como técnica de controle sensorial, por causa dos sons repetitivos, com objetivo de aliviar crises de ansiedade, depressão e até dor crônica —é o que indica a famosa hashtag ASMR, sigla para Autonomous Sensory Meridian Response (resposta sensorial meridiana autônoma, em português).

Seja pelo gosto pela limpeza ou em busca de relaxamento, esses conteúdos têm feito sucesso nas redes sociais com milhões de visualizações e curtidas, criando um nicho muito específico de influenciadores, que vão de donas de casa mostrando seus truques de arrumação até profissionais especializados em vidros de prédios ou limpeza de tapetes.

A influenciadora digital Bianka Oliveira, 20, de São Paulo, começou a gravar em 2023 e viralizou mostrando a rotina de limpeza da casa dela. O maior sucesso foi a limpeza da entrada da casa, na qual ela mostrou alguns acessórios e como otimizar o uso de água.

Bianka é uma mulher branca de cabelos escuros, ela sorri para a foto e segura vassouras e rodos nas mãos
Bianka Oliveira, 20, faz sucesso nas reds sociais com seus vídeos de limpeza - Karime Xavier/Folhapress

"Não esperava que iria conseguir tantas curtidas num tempo tão curto. Foi uma surpresa para mim, até hoje não me acostumei ainda com os números", diz Oliveira. Em apenas um ano, a jovem ficou famosa nas redes sociais e hoje acumula 325,6 mil seguidores e 7,4 milhões de curtidas no TikTok, além de outros 53 mil seguidores no Instagram.

"O que mais me surpreende nesse tipo de conteúdo é a forma que as pessoas interagem. Elas apoiam, dão ideias de vídeos, realmente gostam de acompanhar a rotina de limpeza. Aparecem muitas pessoas de fora do Brasil questionando a limpeza que costumamos fazer aqui", conta Oliveira.

No caso da influenciadora Flávia Neix, que começou a produzir vídeos de limpeza há três anos no interior de São Paulo, o sucesso foi tanto que ela fundou a própria marca de produtos para limpar a casa, a Tudo Limpinho.

"Começamos a fazer sabão para ajudar o Hospital do Câncer de Barretos. Ficamos por um ano trabalhando e levantando fundos para ajudar a instituição. Depois de um tempo o faturamento começou a ficar expressivo e surgiu a oportunidade de construirmos a fábrica. Desde então, isso virou um negócio, mas sempre continuamos com a ajuda ao hospital", conta Neix.

Ela diz que se surpreendeu com o número de pessoas interessadas no que ela usava para limpar a casa e que não imaginava que os vídeos fossem se tornar tão expressivos. O perfil dela no Tik Tok tem 159,5 mil seguidores e 1,7 milhões de curtidas; no Instagram são 47,9 mil seguidores.

Para a psicóloga Larissa Fonseca, terapeuta com abordagem cognitiva-comportamental e especialista em ansiedade, crise de pânico, burnout e sono, diz que o ambiente desorganizado afeta a saúde mental.

"Pessoas ansiosas ou deprimidas, quando estão dentro da bagunça, sentem-se mais ansiosas, podem ter mais crises e ficam mais depressivas. A organização externa auxilia essa organização interna."

Membro da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e da Associação Brasileira de Sono (ABS), Fonseca defende que esses vídeos de limpeza podem ser um recurso útil para quem busca ferramentas para fazer um ordenamento ambiental positivo.

"Existe uma relação entre o ambiente físico e o bem-estar emocional. Para muitas pessoas, a desordem pode aumentar os níveis de estresse. Elas podem encontrar na desorganização um reflexo do seu estado interno", pondera.

Quem assiste a um vídeo de limpeza e relaxa, experimenta o que os psicólogos chamam de "satisfação vicariante", termo que se refere à sensação de prazer gerada quando a pessoa testemunha ou se imagina em uma situação. Fonseca diz que ao assistir uma experiência positiva que outra pessoa está fazendo, nos envolvemos emocionalmente com as realizações e experiências do outro.

"Quando a gente assiste a um vídeo de alguém organizando a casa de uma maneira muito eficiente, a gente tem esse sentimento de satisfação, uma sensação de contentamento, mesmo não sendo quem está realizando a atividade. Isso acontece porque a pessoa se identifica com o sucesso ou a competência da pessoa no vídeo, e ela compartilha indiretamente sentimentos", afirma a psicóloga.

E se a esperança de que é possível fazer marca o lado positivo, é preciso cuidado para não manter os objetivos apenas no campo do imaginário, sem ações concretas. Fonseca lembra que o primeiro passo pode ser a arrumação de uma única gaveta.

No lado oposto, quando a limpeza se torna uma compulsão e consome uma quantidade excessiva de tempo, a ajuda profissional deve ser considerada. "Se essa organização interferir de uma forma negativa na vida diária da pessoa, é hora de buscar um psicólogo para explorar maneiras mais saudáveis de lidar com esse sentimentos", aponta Fonseca.

Entre os sinais de que algo está errado está a repetição de alguns comportamentos como se atrasar para o trabalho para terminar uma arrumação, reparar a sujeira em todos os lugares e ficar muito desconfortável com aquilo a ponto de ter que sair desse espaço e até passar tempo demais vendo vídeos de limpeza. "É quando negligencio outras responsabilidades importantes ou tenho sentimentos extremos. Uma obsessão, um perfeccionismo, isso muda a emoção", diz a psicóloga.

O psiquiatra Bruno Pascale Cammarota, médico da rede municipal de Saúde do Rio de Janeiro, diz que o gosto por vídeos de limpeza está relacionado a projeções de realização ou recomeço diante de crises emocionais ou financeiras.

"Ainda tem muito a ver com habilidades que as pessoas gostariam de ter em suas vidas. Tem um significado muito simbólico, a limpeza dentro de nossas casas é sinal de que a gente está querendo reiniciar. Muitos têm esse desejo, mas não têm propriamente a iniciativa e a coragem e esses vídeos incentivam bastante", diz Cammarota.

O médico recomenda, porém, que as pessoas dispensem no máximo três horas do seu dia em frente a telas, para que esses conteúdos não se tornem comportamentos de repetição ou pensamentos ruminantes estimulados por uma dependência tecnológica. O alerta deve soar quando a ausência de acesso ao mundo virtual passa a provocar irritabilidade, insônia e até tremores por abstinência.

"O indivíduo muitas vezes começa a colocar aquele hábito como sendo uma prioridade de vida e acaba esquecendo de outras situações, fica durante horas vendo vídeos no TikTok e acaba esquecendo de cuidar-se", alerta o psiquiatra.

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