Descrição de chapéu Mente Todas tiktok

Misofonia, condição que gera aversão a alguns sons, viraliza nas redes sociais

Vídeos sobre hipersensibilidade a barulhos têm milhões de visualizações e levantam debate sobre banalização da síndrome

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

"Minha misofonia gritou". É assim que as pessoas descrevem o que sentem ao ver um vídeo que causa incômodo aos seus ouvidos no TikTok. O termo viralizou na plataforma e, como consequência, despertou a curiosidade dos brasileiros —há publicações na rede social explicando a condição que somam 6 milhões de visualizações.

Dados do Google Trends, ferramenta do Google que mostra os termos mais pesquisados, confirmam esse sucesso entre os brasileiros. A misofonia atingiu o pico de interesse de buscas em março deste ano e bateu recorde de pesquisas, segundo dados que compreendem o período dos últimos cinco anos.

Misofonia atingiu pico de interesse de buscas no Google em março - Pixel-Shot / Adobe Stock

Misofonia ou SSSS, a síndrome da sensibilidade seletiva a sons, é uma condição em que a pessoa apresenta uma aversão e reação emocional negativa, incontrolável e desproporcional a determinados sons, como mastigação ou até mesmo respiração.

"Não está ligado ao som ser muito forte ou muito alto. Normalmente são sons fraquinhos ou intensos, muitas vezes imperceptíveis para a maioria das pessoas", afirma Lisiane Holdefer, fonoaudióloga e psicóloga.

Aqueles que apresentam essa condição têm sua qualidade de vida comprometida. Alguns chegam a mudar de apartamento, por exemplo, e o fazem com muita frequência porque não suportam certos sons e não dormem em função disso, diz Holdefer.

Uma das pacientes de Holdefer, a personal trainer Caroline Sampaio, 38, conta que fazia muito isso para tentar fugir de sons que a incomodavam, mas notou que mesmo assim o problema permanecia.

"O diagnóstico veio mais precisamente nesses últimos tempos. Quando percebi que na última casa que eu morava, o meu namorado me perguntou: 'mas o problema que você tem, ele tem cura?’ Foi quando decidi buscar uma pessoa específica para tratar misofonia e conseguir trabalhar melhor com essas sensações que até então eu não conhecia", diz Caroline.

As sensações as quais ela se refere são a irritação e o sentimento de luta para fugir daquilo que está acionando o gatilho ao ouvir aquele som. "Experimento raiva e o desejo de abafar o barulho, mas não consigo. Às vezes, chego até a me autoagredir ou tentar dissipar essa raiva e excesso de adrenalina de alguma maneira", conta Caroline.

O tratamento pode incluir psicoterapia, especialmente a cognitivo-comportamental, e a estimulação sonora, feita usando sons baixos, leves e estáveis.

Tanit Sanchez, otorrinolaringologista com livre docência pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), explica que pessoas com misofonia têm o sistema límbico e o centro da atenção superativados. Por isso, essa terapia sonora tem o objetivo de desativar aquilo que está superativado e mexer nas conexões entre os neurônios.

Holdefer diz que o intuito do tratamento é justamente reduzir ao máximo os gatilhos aos sons, sem a promessa da cura.

"Tenho pacientes, por exemplo, que tiveram histórico desde criança e no período da faculdade sumiu. Mas depois, na vida adulta, voltou. Não há garantia que é algo definitivo ou se a pessoa nunca mais vai perceber nada, que se curou", diz Holdefer.

Não há um exame específico para diagnosticar se a pessoa tem misofonia. A alternativa é identificar via relato do paciente para analisar seu histórico usando a anamnese.

Muitos acabam até se autodiagnosticando, como é o caso da Monique Colin, 33. Ela produz conteúdo no TikTok de ASMR, sigla para Autonomous Sensory Meridian Response (resposta sensorial meridiana autônoma, em português), e afirma ter a condição de misofonia desde a infância.

"Tinha um tio que fazia um barulho com a boca muito específico, como se estivesse chupando bala. Isso me incomodava muito, e todas as vezes que ele me levava para o colégio, eu já ia entrando tensa no carro, porque sabia que ia ter aquele barulho", diz Monique.

"A primeira coisa que acontece é eu sentir na pele, aquele arrepio e parece que eu vou começar a tremer, e o meu coração dispara. Se eu não sair, aquilo vai me gerar uma crise de ansiedade muito forte", afirma.

Como criadora de conteúdo no TikTok, Monique notou uma popularização da misofonia na plataforma e que virou uma modinha usar a frase "minha misofonia gritou", mesmo sem as pessoas saberem do que se trata a condição.

Para a otorrinolaringologista Tanit Sanchez, a popularização deste conteúdo pode ampliar o conhecimento, mas também pode banalizar quem de fato tem o diagnóstico.

"Uma pessoa que sofre com misofonia é um corpo e uma mente muito mais do que só um ouvido ou um cérebro que reagem mal. Ela precisa ser olhada como um todo para a gente chegar na melhor forma de tratamento e em coisas que sejam viáveis para a vida que ela leva", diz Sanchez.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.