Descrição de chapéu The New York Times

Subúrbio de Nova York proíbe crianças não vacinadas contra sarampo de frequentar lugares públicos

Surto se concentra em comunidades judaicas ultraortodoxas

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Michael Gold Tyler Pager
Nova York | The New York Times

Uma ordem executiva forçou a retirada de quase seis mil crianças não vacinadas das escolas locais. Quase 17 mil doses da vacina tríplice (conhecida em inglês como MMR, sigla para sarampo, caxumba e rubéola) foram aplicadas em 26 semanas. Houve uma campanha de saúde pública na qual autoridades locais, médicos e rabinos depuseram sobre a importância da vacinação.

Nenhum desses esforços bastou para derrotar o severo surto de sarampo que vem afetando o condado de Rockland, em Nova York, desde outubro.

Mulher que se opõe à vacinação de crianças com placa de "No Vax" (não à vacinação, em tradução livre) no meio de uma estrela de Davi, símbolo judaíco
Mulher que se opõe à vacinação de crianças com placa de "No Vax" (não à vacinação, em tradução livre) no meio de uma estrela de Davi, símbolo judaíco; surto está concentrado principalmente em comunidades judaicas ultraortodoxas em Rockland - Mike Segar/Reuters

Por isso, na terça-feira (26), em uma medida extraordinária, o administrador do condado, Ed Day, declarou um estado de emergência que entrou em vigor à meia-noite e proíbe que crianças e adolescentes que não tenham sido vacinados contra o sarampo frequentem lugares públicos.

Day disse acreditar que a ordem executiva do condado de Rockland seja a primeira de seu tipo nos Estados Unidos, e diversos especialistas em saúde pública afirmam que não se recordam de qualquer ação semelhante nos últimos anos.

O surto está concentrado principalmente em comunidades judaicas ultraortodoxas em Rockland, muitas das quais conectadas a regiões de Brooklyn que também passaram por surtos. Em ambas as áreas, a incidência de vacinação tende a ser mais baixa e a literatura antivacinação a ser mais presente do que em outras regiões, disseram as autoridades.

O estado de emergência revela o desespero das autoridades para controlar a difusão de uma doença que até o momento elas vêm encontrando dificuldade para deter.

"Não devemos permitir que esse surto continue indefinidamente ou volte a se agravar", disse Day. "Não vamos ficar inativos enquanto as crianças de nossa comunidade estão em risco."

O sarampo havia sido considerado eliminado nos Estados Unidos em 2000, mas surtos localizados vêm acontecendo nos últimos anos. Em 2019, houve 314 casos confirmados de sarampo nos Estados Unidos, até 21 de março, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês).

Além de Nova York, também houve surtos recentes de sarampo (envolvendo três ou mais casos) nos estados de Washington, Texas, Illinois e Califórnia, segundo o CDC.

O condado de Rockland, com uma população de mais de 300 mil pessoas, teve 153 casos confirmados desde outubro. Destes, 48 aconteceram em 2019.

Por conta do escopo do surto e de sua persistência, alguns especialistas em saúde pública afirmaram que a ação do condado fazia sentido.

"Creio que essa seja uma medida que pode expor o que está em jogo no caso do sarampo, e pode ajudar a deter os surtos", disse Jason Schwartz, professor de política de saúde e história da medicina na escola de saúde pública da Universidade Yale.

Embora o departamento de saúde do condado de Rockland tenha realizado alguns avanços em termos de expansão da vacinação, apenas 72,9% dos moradores do condado com idades entre um e 18 anos foram vacinados, disse Day.

Ele mencionou esse comportamento, que definiu como chocantemente irresponsável, para justificar sua ordem.

Em dezembro, o condado de Rockland promulgou ordens ditas de exclusão, proibindo crianças não vacinadas de frequentar escolas nas quais a porcentagem de alunos vacinados seja baixa. Na cidade de Nova York, as autoridades de saúde também divulgaram uma ordem de emergência exigindo que as escolas em determinados códigos postais impedissem alunos não vacinados de assistir aulas.

Mas quando os funcionários dos serviços de saúde do condado de Rockland estavam trabalhando para conter o surto, eles encontraram casos de possível exposição ao sarampo em supermercados, lojas e shopping centers.

Na quinta-feira, o departamento de saúde do condado alertou sobre possível exposição, este mês, em uma loja Target em Spring Valley, uma cidade de mais de 30 mil pessoas.

A ordem que proíbe menores de idade não vacinados de frequentar lugares públicos entrou em vigor à 0h da quarta-feira, e tem validade de 30 dias. Entre os locais incluídos na proibição há restaurantes, escolas, shopping centers e casas de culto religioso.

Schwartz disse que durante décadas foi comum excluir crianças não vacinadas das escolas, em períodos de surto.

Ele disse que normas como as adotadas pelo condado de Rockland são "uma extensão lógica" dessa prática.

"Se você está pensando em maneiras de limitar a capacidade do sarampo para circular entre os não vacinados, a ordem faz sentido", disse Schwartz.

William Schaffner, especialista em prevenção de doenças na escola de medicina da Universidade Vanderbilt, disse que ordens como a do condado de Rockland representam uma forma de "distanciamento social".

"Eles na prática estão tomando todas essas crianças suscetíveis e tirando-as de circulação", disse Schaffner.

As autoridades estão especialmente preocupadas porque o sarampo está entre as mais contagiosas das doenças infecciosas. O vírus pode sobreviver por até duas horas no ar que uma pessoa infectada tenha respirado ou em espaços nos quais ela tenha tossido ou espirrado, e até 90% das pessoas não vacinadas que fiquem expostas ao vírus terminarão infectadas, de acordo com o CDC.

A vacina tríplice, quando aplicada em duas doses, tem efetividade de cerca de 97% contra o sarampo.

Daniel Salmon, professor da Escola Bloomberg de Saúde Pública, na Universidade Johns Hopkins, disse que o risco de que uma criança não vacinada transmita a doença a pessoas que não podem ser vacinadas, por questões médicas ou de idade, faz da ordem do condado de Rockland uma medida razoável.

"Seria até possível argumentar que eles têm a obrigação de agir assim, porque seu dever é proteger o público", ele disse.

As autoridades do condado de Rockland, disse Day, não planejam "perseguir pessoas" e pedir prova de vacinação. A proibição será aplicada retroativamente, e os pais das crianças não vacinadas poderão ser sentenciados a até seis meses de prisão, uma multa de US$ 500 (R$ 1.950), ou ambas as coisas, se for constatado que permitiram que crianças não vacinadas frequentem lugares públicos.

O rabino Yakov Horowitz, fundador e diretor do Yeshiva (seminário judaico) Darchei Noam, em Monsey, Nova York, uma comunidade bem no meio da área exposta ao sarampo, disse que apoia fortemente a vacinação, mas está preocupado com a possibilidade de que a ordem do condado resulte em ataques, intimidação e discriminação contra os judeus ultraortodoxos.

Alguns especialistas em leis de saúde pública também expressaram preocupação com a possibilidade de que a ordem do condado viole as liberdades civis.

Lawrence Gostin, professor de leis internacionais de saúde na Universidade de Georgetown, disse considerar a ordem do condado de Rockland como profundamente problemática.

Ele disse que defende há muito tempo a ideia de tornar a vacinação compulsória para crianças que frequentem escolas, mas questionou se a ordem do condado é constitucional.

"Isso é virtualmente o encarceramento de uma criança, e certamente restringe sua liberdade de maneira significativa", disse Gostin.

Porque as autoridades de saúde pública têm poderes amplos para lidar com emergências de saúde pública, é importante que não os usem de maneira contraproducente, disse Wendy Parmet, professora de lei e políticas de saúde pública na Universidade Northeastern.

"Isso não vai tornar pior a situação dessa comunidade?", ela questionou. "Não vai aumentar a desconfiança quanto às autoridades de saúde?"

Ainda assim, por não ter informações específicas sobre o surto no condado de Rockland e a resposta das autoridades, ela hesitou em se pronunciar sobre a constitucionalidade da ordem.

"Essa pode ser uma das raras situações em que uma ordem desse tipo é necessária", disse Parmet. "Mas em muitos desses casos, os detalhes é que são o problema".

Tradução de Paulo Migliacci

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