Novo código de ética médica mantém veto à consulta a distância, diz CFM

Proibição a consultas e diagnóstico por meios de comunicação de massa mudou de lugar no novo texto, informou órgão nesta quarta (24)

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Brasília

Responsável por regular a conduta de médicos, a nova versão do Código de Ética destes profissionais manteve o veto a consultas a distância, tema alvo de polêmica no país.

Inicialmente, a autarquia havia confirmado na terça-feira (23), durante entrevista coletiva à imprensa, a retirada de artigo que vetava médicos de “consultar, diagnosticar e prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”.

A medida não liberaria essa possibilidade automaticamente, mas abriria brecha para nova regulamentação que prevê ampliação da telemedicina, a qual está sob análise desde o início deste ano.

Ao ser questionado pela Folha, o conselheiro José Fernando Vinagre, que atuou como coordenador-adjunto do processo de revisão da norma, havia atribuído a retirada à possibilidade de revisão das normas. A informação foi novamente confirmada em novos contatos ao longo da terça-feira.

Nesta quarta (24), no entanto, o conselho informou que houve um equívoco na informação repassada e que o artigo foi mantido, o que não foi divulgado na terça.

Isso porque o conteúdo, antes presente no artigo 114, em capítulo sobre publicidade médica, foi incorporado ao artigo 37, em capítulo que aborda a relação do médico com pacientes e familiares.

O novo trecho, assim, aponta que “é vedado ao médico prescrever tratamento e outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente depois de cessado o impedimento, assim como consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”.

A possibilidade de ampliação da telemedicina virou alvo de polêmica entre médicos desde fevereiro, quando o CFM apresentou uma resolução que passava a permitir consultas, diagnósticos e cirurgias a distância.

O texto, que chegou a ser publicado no Diário Oficial da União, previa a possibilidade de consultas pela internet após o primeiro atendimento presencial ou em casos de áreas remotas.

No entanto, críticas de conselhos regionais de medicina sobre a definição de quais seriam essas áreas, além do temor de banalizar as consultas online e afastar médicos e pacientes, acabaram fazendo com que a norma fosse revogada.

Agora, o conselho diz que está coletando sugestões para que uma nova versão possa ser elaborada. Ainda não há previsão de quando o novo texto será apresentado, mas membros do conselho já admitem deixá-lo para o próximo ano.

Em nota divulgada nesta quarta, o CFM frisa que a medicina foi construída tendo como pilares a relação médico-paciente e o sigilo.

"Nesse sentido, no contato direto entre ambos é que será feita a avaliação de sinais e sintomas, a definição do diagnóstico e a escolha das opções terapêuticas. No entendimento dos conselhos de medicina, esse contato presencial é essencial", diz .

Mas faz ponderações sobre a possibilidade de revisão das regras para adaptação às tecnologias. “Contudo, a medicina deve estar atenta à evolução dos tempos e das tecnologias, retirando delas o que têm de melhor, sem colocar em risco os princípios e diretrizes históricos da profissão”, afirma Vinagre no documento.

A nova versão do código está prevista para passar a valer em 30 de abril.

Ao mesmo tempo em que mantém o veto às consultas a distância ou por meio de comunicação de massa, o texto traz mudanças.

Entre elas, está trecho que autoriza o médico, quando houver autorização da Justiça, a encaminhar cópias do prontuário diretamente ao juiz que fez o pedido, mesmo sem consentimento do paciente.

Versão anterior do código, de 2009, já estabelecia a entrega, mas previa esse consentimento. De acordo com o CFM, a mudança ocorre devido a um impasse em ações judiciais para acesso ao documento, que contém o registro do atendimento e medicamentos ministrados ao paciente.

“Sempre nos posicionamos contrários à entrega desse documento a delegados, promotores e juízes, porque isso invadiria a privacidade e o sigilo do paciente”, diz Vinagre.

“O que se preconizava anteriormente era que o juiz nomeasse um perito ao local que fizesse a análise de prontuário, mas houve uma decisão judicial que nos impôs a necessidade de entrega do prontuário ao juiz”, completa.

A decisão ocorreu há cerca de dois anos e levou o conselho a emitir uma nota técnica sobre o tema aos conselhos regionais de medicina. "A partir daí, já passamos a entregar o prontuário ao juiz", afirma. Agora, a situação passa a ser incorporada também no código para evitar dúvidas.

O novo código inclui ainda algumas mudanças na parte de pesquisa. Uma delas é a permissão do acesso dos médicos a prontuários em estudos retrospectivos, desde que com autorização de comissão de ética do hospital.

Também cria normas de proteção a participantes vulneráveis em pesquisas, como crianças, adolescentes e pessoas com doenças mentais. Neste caso, além da concordância do representante legal, a pesquisa passa a exigir que haja consentimento expresso do próprio participante, na medida da sua compreensão.

O documento também mantém o veto ao uso de placebos de forma isolada, mas abre espaço para uso combinado com outros medicamentos —como em teste de novas drogas em grupos de controle, em que um grupo recebe o novo medicamento e o outro placebo junto com medicamentos atuais.

Em outra frente, o código incluiu artigo que diz que médicos devem respeitar normas específicas do conselho ao usar mídias sociais.

Segundo Vinagre, a inclusão ocorre diante do aumento do uso dessas ferramentas, o que tem levado o conselho a atualizar com maior frequência as normas para divulgação do trabalho nessas plataformas nos últimos anos.

“Deixamos para que seja regulada em resolução porque hoje isso é muito dinâmico. Já se tem a possibilidade de chamar um atendimento por aplicativo igual se usa para chamar um carro.”

O documento passou por três anos de discussão. Apesar das mudanças, alguns pontos, como o sigilo do atendimento e a necessidade de respeitar a vontade do paciente, permanecem como pilares do código.

O texto mantém ainda o direito de o médico não realizar atendimentos que contrariem sua consciência –situação que gera debates frequentes em casos de aborto autorizados por lei, por exemplo.

A exceção continua para situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando a recusa possa trazer danos ao paciente.

Entenda o atendimento médico a distância

Como era até então
Telemedicina era realizada apenas entre médicos, como uma segunda opinião. Alguns hospitais universitários já usavam a modalidade, mas em caráter experimental

O que está em análise

  • Nova resolução definia a prática de teleconsulta e estabelece regras, como necessidade de que o primeiro atendimento seja presencial. Estabelece ainda intervalo de no máximo quatro meses para consultas presenciais —no caso de pacientes crônicos, por exemplo.
  • Também previa que atendimento seja gravado e armazenado seguindo critérios, com proteção garantida para sigilo. Caso paciente não concorde com a gravação, consulta não pode ser realizada
  • Caso o médico prescreva exames e medicamentos, documento deveria conter dados de identificação, registro de data e hora e assinatura digital do médico
  • Na telecirurgia, os procedimentos deveriam ocorrer em espaços com infraestrutura, com médico que opere equipamento robótico e outro que acompanhe o paciente no local

Glossário da telemedicina

Telemedicina
Termo usado para definir o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde

Teleconsulta
É a consulta médica mediada por tecnologias, com médico e paciente em diferentes locais

Teleinterconsulta
Ocorre quando há troca de informações e opiniões entre médicos para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico

Telediagnóstico
Consiste na emissão de laudo ou parecer de exames pela internet 

Telecirurgia
É um procedimento feito por um robô ou outra tecnologia manipulada por um médico que está em outro local, desde que com presença de outro médico, com a mesma habilitação do cirurgião remoto, que possa atuar no caso de intercorrências

Teleconferência cirúrgica
Feita por videotransmissão, é permitida desde que o grupo receptor das imagens, dados e áudios seja formado por médicos

Teletriagem médica
Ocorre quando o médico faz uma avaliação, a distância, dos sintomas para a definição e direcionamento do paciente ao tipo adequado de assistência necessária

Telemonitoramento
Permite que um médico avalie a distância as condições de saúde dos pacientes. Pode ser usada em casas de repouso para idosos ou em comunidades terapêuticas

Teleorientação
Preenchimento a distância, pelo médico, de declaração de saúde para a contratação ou adesão a um plano de saúde

Teleconsultoria
Permite troca de informações entre médicos, gestores e profissionais de saúde sobre procedimentos e ações de saúde

Fontes: Resolução 1.643/2002 e resolução 2.227/2018

Erramos: o texto foi alterado

Este texto foi atualizado após o Conselho Federal de Medicina constatar, nesta quarta (24), que houve equívoco na informação repassada ao jornal na terça (23). A versão anterior deste texto dizia que o novo código de ética médica suprimia o artigo que vetava profissionais de “consultar, diagnosticar e prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”. Ele foi deslocado de capítulo. O veto a consultas à distância ou por outros meios permanece. 

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