Sumiço de app que ajuda no controle glicêmico prejudica milhares de diabéticos

Spike deixou de funcionar no dia 4 de abril; situação tem causado comoção em grupos de pacientes no Facebook

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São Paulo

Cerca de 27 mil diabéticos em 94 países estão sendo prejudicados por causa da revogação do certificado de um aplicativo para iPhone que ajuda no gerenciamento do controle glicêmico.

No Brasil, são cerca de mil pessoas afetadas pelo cancelamento do app, de acordo com dados fornecidos pelo desenvolvedor.

O Spike, criado para o manejo dos níveis de açúcar no sangue em diabéticos do tipo 1, que precisam usar insulina diariamente, deixou de funcionar no dia 4 de abril. A situação tem atrapalhado a vida de famílias com crianças diabéticas e causado comoção em grupos de pacientes no Facebook.

Luisa Wunderlich e a fillha Antonia, de 6 anos, que usava o Spike para ajudar a controlar a glicemia até o aplicativo sumir
Luisa Wunderlich e a fillha Antonia, de 6 anos, que usava o Spike para ajudar a controlar a glicemia até o aplicativo sumir - Marcos Nagelstein

O app estava disponível para download desde fevereiro de 2018, mas foi barrado pela Apple porque era distribuído pela App Center, loja de aplicativos paralela à Apple Store oficial. A App Center tem por finalidade abrigar programas desenvolvidos por empresas para uso exclusivo de seus funcionários —em teoria, tais apps não podem ficar disponíveis a todos os interessados, como era o caso do Spike.

O sucesso entre pacientes do aplicativo, desenvolvido pelo programador e educador físico português Miguel Kennedy, se deve a dois fatores. Primeiro, o software possui ferramentas precisas para o gerenciamento do controle dos níveis de açúcar, não disponíveis em nenhum outro programa oficial para diabéticos.

“O Spike tem algoritmos que dão um controle enorme para o paciente. Por exemplo, eu faço uma injeção de insulina e marco a quantidade que fiz. O programa prevê a curva de absorção dessa insulina, o quanto o corpo já absorveu e o quanto falta absorver”, explica Kennedy. Na prática, isso se traduz em maior ou menor ingestão de alimentos e, consequentemente, em uma curva glicêmica mais ou menos estável.

O segundo fator, talvez o principal responsável pela popularidade de um software que passou alheio à indústria farmacêutica, é que as leituras de glicemia coletadas do paciente, além de estarem disponíveis no iPhone, são enviadas para a nuvem e ficam acessíveis a partir de qualquer computador ou smartphone com acesso à internet.

Isso permite que mães acompanhem a distância a glicemia de filhos pequenos, evitando episódios de hipoglicemia (baixo nível de açúcar no sangue, o que pode causar convulsões se não for tratado em poucas horas) ou hiperglicemia (alta excessiva do açúcar, o que causa tonturas, dor de cabeça e mal-estar em minutos). O aplicativo também dispara um alarme no iPhone do usuário nestes casos, para que ele possa agir.

Para a gaúcha Luisa Wunderlich, mãe de Antônia, de seis anos, que tem diabetes, o aplicativo era fundamental. “Quando minha filha está na escola, monitoro a glicose dela em tempo real, via Spike. A gente fica com monitoramento 24 horas, o que dá uma tranquilidade e muda completamente o cenário de uma patologia como essa”.

Com o Spike fora do ar, Wunderlich está usando o Xdrip, um aplicativo semelhante, mas também não oficial e cujo projeto de desenvolvimento foi abandonado em dezembro do ano passado, quando um de seus programadores foi para a equipe do Spike. 

Usuários de diversos países relatam dificuldades na página do aplicativo no Facebook. “Sinto muita falta do Spike! Vinte e quatro horas sem ele e já acordei para um pico de glicemia mais alto do que gostaria em função da falta dos alarmes. Mal posso esperar por uma nova versão”, escreveu a professora primária inglesa Helen Eaton em um post.

O entusiasmo dos pacientes é contrabalançado por uma dose de parcimônia da parte dos médicos. Bruno Geloneze, endocrinologista coordenador do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes da Unicamp, afirma que os aplicativos de monitorização de doença crônica, embora cada vez mais usados, são substituídos rapidamente uns pelos outros. “Há mais encantamento da tecnologia pela parte do usuário do que efetivamente uma grande contribuição para a vida de quem tem diabetes”, diz.

O desenvolvedor conta que teve a ideia de criar o Spike quando foi diagnosticado com diabetes tipo 1, há cerca de três anos. Ele afirma que não esperava que o aplicativo fizesse tanto sucesso e diz também que nunca ganhou dinheiro com isso: “Minha intenção é ajudar outros diabéticos”, conclui.

O Spike não funciona por si só, mas, sim, em conjunto com dois aparelhos pequenos que ficam colados no braço do paciente: um medidor de glicemia (Freestyle Libre) e um transmissor de dados sem fio (Miao Miao). Ambos estão disponíveis no Brasil. As informações das variações glicêmicas são enviadas via bluetooth para o iPhone do usuário. O app não funciona em smartphones que operam com o sistema Android.

Para que o Spike seja distribuído pela loja oficial da Apple, o que o desenvolvedor reconhece que seria o cenário ideal, o aplicativo precisaria passar por estudos em humanos e ser aprovado por órgãos reguladores, como a Anvisa, no Brasil, e a FDA, nos Estados Unidos. Kennedy estima que o processo levaria ao menos um ano e custaria por volta de meio milhão de dólares, mas ele não tem previsão de que isso aconteça.

Nos Estados Unidos a aprovação é requerida porque o aplicativo é “usado como acessório de um dispositivo médico regulado”, de acordo com regras publicadas no site da FDA. Por aqui, ainda não há uma regra específica da Anvisa, mas em comunicado publicado em seu site a agência diz que “iniciará o processo de regulamentação para estabelecer requisitos técnicos para o registro e cadastro de softwares e aplicativos como produtos para a saúde”.

O desenvolvedor afirmou no domingo (21), em uma rede social, que deve voltar a distribuir o aplicativo até o final desta semana, por um novo sistema cujos detalhes ainda não foram informados.

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