Orelhas gigantes em SP chamam atenção para surdez e preconceito

Esculturas fazem parte do Ear Parade, o primeiro evento de arte urbana no mundo relacionado à saúde auditiva

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São Paulo

Artistas plásticos de todo o país começaram a pintar nesta segunda (22), no átrio do shopping Frei Caneca, em São Paulo, 66 orelhas gigantes, de 2,40 m cada, que em julho vão ganhar as ruas e praças de São Paulo.

As esculturas fazem parte do Ear Parade, o primeiro evento de arte urbana no mundo relacionado à saúde auditiva.

O projeto foi idealizado por profissionais da área de otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de São Paulo.

A meta é alertar para os vários fatores de risco que podem levar à surdez, como infecções (rubéola e sarampo, por exemplo) e uso de fones de ouvido com som muito alto, além de desmistificar o preconceito em relação ao uso de aparelhos auditivos.

Em agosto, as obras serão leiloadas e a renda será usada na compra de aparelhos auditivos e implantes cocleares a pacientes de SUS que estão na fila de espera e também para ajudar o desenvolvimento de pesquisa com células-tronco em tratamentos relacionados à surdez.

Cerca de 9,7 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência auditiva. Desses, quase um milhão são crianças e jovens até 19 anos.

A surdez pode ser de causa hereditária ou adquirida com o envelhecimento, acidentes traumáticos, infecções contraídas na gestação, otites de repetição, medicamento tóxicos para a audição ou que podem provocar malformações no sistema auditivo do bebê.

Segundo a otorrinolaringologista Paula Tardim, do Hospital das Clínicas de São Paulo, a ideia da campanha surgiu a partir da vivência dos profissionais da saúde com diversas histórias relacionadas ao preconceito com os surdos.

“Esse é um problema de saúde crescente. Temos um maior número de diagnósticos precoces e mais jovens expostos a fatores de risco, como música muito alta em caixas acústicas, nos shows ou mesmo no fone de ouvido.”

A queda na cobertura vacinal de algumas doenças, como sarampo e rubéola, é outro problema que preocupa os médicos. “Se a gestante pega a infecção e não é vacinada, a criança pode nascer com perda auditiva. No caso da rubéola, as chances são de 50%”.

Embora o teste da orelhinha, método que constata problemas auditivos nos recém-nascidos, seja garantido por lei, ainda há muitas maternidades, especialmente nas regiões remotas, que não o fazem.

O diagnóstico precoce é fundamental para a reabilitação da da criança. “A colocação de próteses ou implantes cocleares deve acontecer até os três anos e meio. Se esse tempo é perdido, a possibilidade de comunicação fica bem prejudicada”, diz a médica.

Os pacientes também encontram barreiras para obter outras ferramentas que fazem parte da reabilitação auditiva, como a leitura dos lábios e o uso de aparelhos de audição.

“Eles não conseguem acesso à fonoterapia, enfrentam dificuldade em adquirir esses aparelhos e gastos com suas pilhas e manutenção. Muitos ainda sofrem discriminação e se sentem envergonhados com o uso do aparelho.”

No ambiente escolar, há mais entraves. Apesar de a Língua Brasileira de Sinais (Libras) ser reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no país desde 2002, ainda há muitas dificuldades na questão da inclusão e da escolarização dos surdos.

“Faltam o domínio com a língua de libras, a presença de intérpretes nas salas de aula, materiais didáticos que possam ajudar os educadores quando forem explicar a um aluno que precisa de manifestações visuais para um bom entendimento”, afirma Paula. Por isso, é muito frequente a maioria dos surdos cursar até o ensino médio.

Em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal do Sergipe, a psicóloga Andressa de Araújo ouviu um grupo de universitários surdos, que relata uma trajetória escolar permeada por ausência de intérpretes em sala de aula, violências verbais, discriminações e exclusões.

Para a psicóloga, os preconceitos ocorrem, de forma geral, pelo não conhecimento da língua de sinais e da identidade/comunidade surda, pelos ouvintes, e pelo sistema escolar com proposta inclusiva.

“Percebe-se que a realidade escolar inclusiva não acontece efetivamente. Ocorrem apenas discursos, resoluções, decretos e leis, mas, na realidade, faltam políticas efetivas.”

Entre os idosos, a maior barreira ainda está no estigma em torno do uso do aparelho auditivo convencional. “As pessoas ainda acreditam que a surdez faz parte do envelhecimento e não há o que fazer. É comum esses idosos se isolarem, se deprimirem. Hoje já sabe que eles podem, inclusive, ter maior propensão a desenvolver demências”, explica Paula.

Mais informações sobre o Ear Parade estão no site oficial do evento: www.earparade.com.br.

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