Sarampo gera amnésia imunológica e abre portas para outras infecções

Dois novos estudos mostram que produção de anticorpos é abalada por vírus

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São Paulo

Dois estudos publicados nesta quinta (31) mostram que a infecção por sarampo provoca uma espécie de amnésia imunológica, que pode persistir por meses ou anos nas pessoas afetadas pelo vírus.

Dessa forma, deixar de se vacinar contra o sarampo pode não só aumentar o risco para essa doença como abalar a proteção individual e a coletiva (a chamada imunidade de rebanho) para outras doenças contagiosas, como gripe e herpes.

Já se sabia que o vírus do sarampo atacava células do sistema imunológico, como macrófagos, células B e células T, mas os cientistas ainda não entendiam exatamente quão devastador poderia ser esse ataque.

Os trabalhos, publicados nas revistas científicas Science e Science Immunology, foram conduzidos por pesquisadores de Holanda, EUA, Reino Unido, Finlândia e Alemanha.

Em um dos estudos, os cientistas usaram amostras de sangue coletadas em 2013 de crianças e adolescentes de escolas protestantes ortodoxas na Holanda que não se vacinaram. Após uma epidemia que afetou o país entre maio daquele ano e março de 2014 e atingiu 2.700 pessoas, novas amostras foram coletadas entre os 77 jovens que ficaram doentes.

Com uma técnica batizada de VirScan, capaz de identificar dezenas de tipos virais com os quais o o organismo teve contato (ou seja, capaz de aferir quais tipos de anticorpos foram produzidos), o repertório imunológico dos infectados por sarampo caiu entre 11% e 73%, de acordo com o trabalho da Science.

Já a segunda pesquisa mostrou, a partir de um experimento com furões que já haviam sido vacinados contra a gripe, que uma infecção pelo influenza posterior a uma por sarampo gera sintomas intensos, como se os animais simplesmente não tivessem sido vacinados. O trabalho saiu na revista Science Immunology.

Os cientistas do trabalho da Science também fizeram testes em macacos-resos (Macaca mulatta). Cinco meses após a infecção por sarampo, ainda havia prejuízo em 40% a 60% da memória imunológica contra patógenos nos bichos.

Em outras palavras, quem pega sarampo corre sério risco de não conseguir de reagir rapidamente a diversos vírus e bactérias contra os quais já havia anticorpos no organismo. Reconstruir esse arsenal imunológico demora e só acontece após novos contatos com agentes infecciosos. O problema é que um desses encontros pode ser fatal. 

“Nós encontramos uma forte evidência de que o vírus do sarampo na verdade destrói o sistema imunológico", disse, em comunicado, Stephen Elledge, pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes e da Universidade Harvard e um dos autores do estudo da Science.

A vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) é feita a partir de vírus vivos atenuados. A imunização, felizmente, não provoca prejuízo à imunidade como faz o patógeno selvagem. Ao contrário, calcula-se que entre 2010 e 2017 o uso da vacina tenha prevenido mais de 21 milhões de mortes.

Cerca de 100 mil pessoas morrem anualmente no mundo por causa do sarampo. O Brasil tem sofrido com o surgimento de novos casos da doença. De acordo com o último balanço, são quase 7.000 casos e 13 mortes só neste último surto, que eclodiu em junho deste ano. Os registros estão concentrados no estado de São Paulo.

“Esses dois estudos reforçam muito a importância da vacinação e das campanhas, que podem reduzir muito a mortalidade infantil não só decorrente do sarampo mas dos efeitos maléficos da imunossupressão”, diz o virologista da USP Edison Luiz Durigon, que não participou dos estudos.

“O vírus é muito mais deletério do que nós imaginávamos, o que significa que a vacina é nessa mesma medida muito mais valiosa”, diz Elledge.

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