Após isolamento e caos, passageiros finalmente saem de cruzeiro no Japão

Médico que entrou no navio chamou controle de 'totalmente inapropriado'; infecções não paravam de crescer

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Yokohama (Japão) | AFP

Um cruzeiro pela Ásia virou um grande pesadelo. As 3.711 pessoas de 56 países a bordo do navio Diamond Princess tiveram que ficar 14 dias em isolamento, vivendo entre o medo de contrair uma pneumonia viral que pode ser fatal e o tédio do confinamento em suas cabines, algumas delas sem janela, e com uma caminhada curta no convés como única distração. 

Mas, para parte delas, o pesadelo chegou ao fim nesta quarta (19). Quase 500 passageiros sem sintomas do novo coronavírus, com resultados negativos nos exames e que não tiveram contatos com pessoas portadoras do vírus devem desembarcar ao longo do dia, segundo o Ministério da Saúde do Japão. 

Ao mesmo tempo, as autoridades de saúde do país anunciaram que mais 79 casos do novo coronavírus foram diagnosticados no navio. Esses passageiros recém-diagnosticados com o vírus serão levados do navio para o hospital e, depois do tratamento, terão de passar por outra quarentena.

Com 621 casos positivos para a infecção, o Diamond Princess representa o maior grupo de pessoas infectadas fora da China.

Depois da saída do último passageiro, a tripulação também será submetida a uma quarentena.

 

David Abel, um passageiro britânico que ganhou fama com os vídeos publicados no início da quarentena, descreveu o estado de ânimo dos passageiros confinados.

"O mais duro é não saber o que vai acontecer. Começa a nos afetar mentalmente. É muito difícil se concentrar em algo", disse Abel. Algumas horas depois, o britânico anunciou que o exame de sua esposa, Sally, deu positivo.

O Japão enfrentou críticas crescentes por sua maneira de administrar a quarentena. O número de infecções a bordo do navio não parou de aumentar desde o início de fevereiro, o que gerou questionamentos sobre a eficácia da medida.  

Os passageiros eram autorizados a caminhar em pequenos grupos pelo convés, de máscaras. Os tripulantes distribuíam comida pelas cabines.

Kentaro Iwata, professor do Departamento de Doenças Infecciosas da Universidade de Kobe, entrou no Diamond Princess e chamou de "totalmente caótica" a gestão da quarentena por parte do governo.

O professor disse que teve medo como nunca havia sentido em sua carreira, uma crítica pública pouco habitual no país.

Depois de batalhar por uma autorização das autoridades, Iwata subiu no cruzeiro na terça-feira (18).

"Este navio é totalmente inapropriado para o controle da propagação de infecções. Não há distinção entre zonas verdes [saudáveis] e vermelhas [potencialmente infectadas], e os funcionários podem circular de um lugar para outro, comer, usar o telefone", relatou.

"Eu estive na África para trabalhar durante a epidemia de ebola. Estive em outros países afetados pelo cólera, na China em 2003 para tratar a Sars. Nunca tive medo de contágio. Mas dentro do Diamond Princess tive medo, porque não há nenhuma forma de dizer onde está o vírus", relatou.

Ele ficou tão preocupado que decidiu permanecer em quarentena por 14 dias pelo medo de contagiar sua família.

Iwata também lamentou que a gestão da crise tenha ficado inicialmente nas mãos de funcionários do governo, sem a presença de um especialista em gestão de infecções.

O ministro japonês da Saúde, Katsunobu Kato, rebateu as críticas. "Médicos especialistas que integram uma equipe de prevenção de infecções monitoram o navio", afirmou.

Ele disse ainda que os especialistas que assessoram o governo consideram a situação sob controle.

Após a decisão dos Estados Unidos de repatriar 300 americanos do navio na segunda-feira (17), outros países como Reino Unido, Canadá, Austrália, Hong Kong e Coreia do Sul seguiram a iniciativa.

Dezenas de turistas que foram impedidos de sair do cruzeiro de Westerdam após a notícia de que uma passageira que desembarcou anteriormente tinha coronavírus também desembarcaram nesta quarta-feira (19) no Camboja. Todos apresentaram resultado negativo para o vírus.

Na China, berço da epidemia do novo coronavírus, o balanço da doença supera 2.000 mortos e 74.000 infectados. Desses, 1.600 foram registrados nas últimas 24 horas.

Há cerca de mil casos de contágio e cinco mortos em cerca de 30 países e territórios insulares chineses.

A dispersão segue lentamente. Hoje, o Irã anunciou os dois primeiros casos de contágio do vírus no país, e Hong Kong anunciou sua segunda morte, um homem de 70 anos. Agora são seis fora da China continental.

Na terça (18), a Rússia declarou que nenhum cidadão chinês poderá entrar em seu território a partir de 20 de fevereiro.

A União Europeia, por sua vez, cancelou um deslocamento dos presidentes das instituições europeias a Pequim, previsto para o fim de março para preparar uma cúpula UE-China, agendada para setembro na Alemanha.

As cadeias produtivas de multinacionais como Foxconn, provedora da Apple, foram interrompidas após o fechamento temporário de fábricas na China.

Apple anunciou nesta segunda que não atingirá sua previsão de faturamento no segundo trimestre, já que o abastecimento de seu principal produto, o iPhone, estará "temporariamente limitado" e a demanda na China foi afetada.

O BHP, maior grupo minerador do planeta, advertiu que a demanda de commodities pode ser afetada, especialmente a de petróleo, cobre e ferro, se a epidemia continuar avançando.

Imprensa aguarda perto do Diamond Princess; passageiros deixam cruzeiro após quarentena - Kazuhiro Nogi/AFP

Infecção leve

Citando um estudo realizado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China, com uma amostra de 72.000 pessoas, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou na segunda que mais de 80% dos pacientes sofrem uma forma muito leve da doença. 

Segundo este estudo, até os 39 anos, a taxa de mortalidade da doença permanece muito baixa, de 0,2%, e aumenta gradualmente com a idade.

"Este é um surto muito sério e tem o potencial de crescer, mas precisamos colocá-lo em sua justa medida com o número de pessoas infectadas", disse Michael Ryan, encarregado do departamento de emergência médica da OMS. "Proporcionalmente, fora de Hubei esta epidemia está afetando muito pouca gente."

O estudo, divulgado pelo Centro Chinês de Prevenção e Controle de Doenças mostra que o índice de mortalidade é de 2,3% e cai abaixo de 1% na faixa etária de 30 a 40 anos.

Zhong Nanshan, proeminente especialista da Comissão Nacional de Saúde Chinesa, disse à imprensa que 85% dos pacientes podem melhorar se contarem com bom suporte médico, tratamento e boa alimentação.

Com base nestes dados, funcionários da OMS afirmaram que a epidemia atual é menos letal que a Síndrome respiratória aguda grave (Sars) ou a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers).

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