Descrição de chapéu Coronavírus

Epidemiologistas divergem sobre eficácia de medidas drásticas contra o vírus

Estratégia de isolamento social e fechamento de locais como escolas pode ter efeitos negativos a longo prazo

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São Carlos (SP)

Conforme o novo coronavírus se espalha pelo planeta, colocando em risco vidas, sistemas de saúde e a economia global, alguns dos epidemiologistas mais respeitados do mundo estão travando um debate sobre como lidar com a Covid-19 no longo prazo. A maioria deles defende que a melhor opção é uma parada quase total das atividades das pessoas fora de casa, mas outros questionam a viabilidade de medidas como essa durante muitos meses, bem como os efeitos imprevisíveis sobre o funcionamento da sociedade e sobre a própria saúde de bilhões de pessoas.

Não é trivial fazer a escolha entre um modelo mais estrito e outro mais permissivo, diz a Equipe de Resposta à Covid-19 do Imperial College de Londres, liderada por Neil Ferguson. O time de pesquisadores, que colabora com a OMS (Organização Mundial da Saúde) em projeções sobre o avanço de doenças infecciosas, usa os termos “mitigação” e “supressão” para designar esses dois tipos de estratégia.

Estação de trens deserta em Lviv, Ucrânia, devido ao coronavírus; especialistas divergem sobre eficácia de medidas restritivas
Estação de trens deserta em Lviv, Ucrânia, devido ao coronavírus; especialistas divergem sobre eficácia de medidas restritivas - Yuri Dyachyshyn/AFP

Num cenário de mitigação, a ideia é diminuir o avanço da pandemia, sem necessariamente detê-la, com o objetivo de resguardar os sistemas de saúde – que podem sofrer pressão muito forte da grande quantidade de doentes – e as pessoas mais vulneráveis aos piores efeitos da doença. Nesse modelo, a ideia é identificar e colocar em quarentena os já infectados, fazendo a mesma coisa com as pessoas que tiveram contato com eles. Usa-se ainda o chamado distanciamento social –evitar ao máximo o contato com o resto da população– no caso dos idosos, pessoas com sistema imune mais fraco etc.

O cenário de supressão, cujo objetivo é manter o número de novos casos num nível constantemente baixo, é bem mais radical, envolvendo o distanciamento social de quase toda a população, a quarentena de todos os casos identificados, junto com seus familiares e, dependendo do caso, o fechamento de escolas e universidades.

Simulando ambos os cenários para os contextos do Reino Unido e dos EUA, Ferguson e seus colaboradores calculam que o cenário de mitigação seria capaz de reduzir em dois terços a demanda pelo sistema de saúde e cortar pela metade o número de mortes –as quais, mesmo assim, ficariam na casa das centenas de milhares.

Num esforço de supressão, porém, o problema é o tempo muito longo para que medidas eficazes de saúde pública, como vacinas, estejam disponíveis (talvez cerca de 18 meses), afirmam eles. Do contrário, o número de novos casos voltaria a crescer rapidamente assim que as restrições fossem afrouxadas, prevê o grupo. Seria possível pensar numa sequência de medidas do tipo “aperta e afrouxa” seguindo o ritmo de novas transmissões da doença, mas há muita incerteza quanto os efeitos a longo prazo.

A análise do Imperial College foi criticada em artigo assinado pelo estatístico Nassim Nicholas Taleb, da Universidade de Nova York, e pelo físico Yaneer Bar-Yam, do Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra (EUA). Eles argumentam que o “lockdown” (parada das atividades econômicas e sociais) seria suficiente para identificar todos os casos de infecção e deter a transmissão após algumas semanas, chegando a zerar o número de casos, desde que eles parem de ser importados de outros países.

Antes de mergulhar de cabeça na abordagem de supressão, é preciso lidar com a imensa falta de informações básicas sobre a Covid-19 e o vírus que a causa, o Sars-CoV-2, afirma o médico John Ioannidis, professor de epidemiologia e saúde populacional da Universidade Stanford, na Califórnia.

Em artigo no site Stat, dedicado a notícias sobre biotecnologia, Ioannidis escreveu: “A Covid-19 está sendo chamada de pandemia que só acontece uma vez por século. Mas também pode ser um fiasco, do ponto de vista das evidências, que só acontece uma vez por século.” Como não sabemos ao certo quantas pessoas estão infectadas –já que, em geral, só uma fração pequena dos doentes, com sintomas graves, está fazendo os testes que comprovam a presença do vírus–, fica impossível estimar o risco real do problema, afirma ele.

Se acabar ficando claro que a taxa de letalidade da doença é similar ou inferior, digamos, à da gripe do comum, o “lockdown” seria totalmente irracional. “É como um elefante sendo atacado por um gato doméstico que, por medo do gato, acaba pulando de um precipício”, compara ele. O emprego do distanciamento social severo ao longo de meses a fio causará ondas de choque econômicas e sociais que matariam bem mais gente, no fim das contas, do que o próprio vírus, argumenta ele.

Também em artigo no site Stat, o professor de epidemiologia Marc Lipsitch, da Universidade Harvard, rebateu o colega. “Já sabemos o suficiente para agir: de fato, é imperativo agirmos de modo rápido e vigoroso”, escreve ele.

Para Lipsitch, o histórico da pandemia até agora já deixou muito claro que, sem ações radicais, tanto os casos graves quanto as mortes vão crescer exponencialmente, como tem ocorrido na Itália, onde há fila até para a realização de funerais, com caixões se acumulando em igrejas.

“Pandemias desse tipo não param sozinhas, a não ser que quase metade da população tenha se infectado e ficado imune, e ainda estamos muito longe disso”, afirma. “No curto prazo, não há escolha a não ser usar o tempo que estamos ganhando com o distanciamento social para mobilizar um esforço político, econômico e social maciço e achar novas maneiras de lidar com esse vírus.”

Paolo Zanotto, virologista da USP, é curto e grosso. "Não quero saber de debate entre especialistas. O que me interessa são os fatos, e o que os fatos mostram é que só os países que impuseram distanciamento social e testaram maciçamente sua população, como a Coreia do Sul e Singapura, tiveram sucesso no combate à pandemia."

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