Descrição de chapéu Coronavírus

Diário da privação: Apesar do coronavírus, quase tudo tá funcionando em Paraisópolis

Desempregado, morador da favela tenta se equilibrar entre a proteção da família e as necessidades básicas; leia 4º relato

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São Paulo

Onde a vida parece não ter como parar, ela continua a correr. Não sem medo. “Tá quase tudo funcionando normal. Agora, a gente fica preocupado”, diz Hebert Douglas, 24, morador da favela de Paraisópolis, na zona sul paulistana.

Desempregado há um ano e meio, desde a última sexta-feira (27) ele faz um bico em um mercado local. “Tô usando o álcool em gel e tento não ficar perto das pessoas que entram para comprar.”

Entre a necessidade e o temor do contágio, o comércio do bairro carente e boa parte de seus moradores tentam unir as duas pontas. A informação sobre o novo coronavírus circula pela favela que, como muitos outros locais, tem um enorme contingente de trabalhadores autônomos.

O vírus já causou 299 mortes no país e contaminou 7.910 pessoas até quinta-feira (2). Em todo o mundo, o número de casos chegou a 1 milhão, e 50 mil óbitos foram registrados.

Sem trabalho, sem renda, à espera de uma ajuda do governo federal, as ruas e vielas de Paraisópolis são o reflexo de uma situação que ameaça a saúde de seus habitantes e do resto da cidade, uma amostra da interdependência entre as diferentes classes sociais .

“Tem muita gente aqui que trabalha fora. Se o vírus se espalhar aqui, se espalha por todo o resto de São Paulo”, diz Hebert.

A situação do desempregado é delicada. Despejado com a mulher e os dois filhos pequenos, passou uma semana andando pelas ruas da favela em busca de um lugar para morarem. Saiu de um imóvel de dois cômodos para outro de igual tamanho. Mudaram-se sem saber como iriam pagar o aluguel de R$ 450.

Na segunda-feira (30), a família recebeu uma cesta básica. É com ela que estão se alimentando. Na semana passada, a família recebeu barras de sabão e um frasco de álcool em gel para se proteger do coronavírus, doação obtida pela União de Moradores e Comerciantes e repassada para os mais necessitados da favela. A Folha os acompanha desde então.

Hoje [quinta-feira], era umas 2h, vieram avisar a gente que tinha chegado mais cestas, mas até agora não distribuíram. Acho que vai ser só à noite. É muita gente. Como na rua, tá cheio de gente.

Parece que tá tudo voltando. Apesar do coronavírus, tá quase tudo funcionando normal. Agora, a gente fica preocupado. Não adianta eu me cuidar se o resto do povo não se cuida. Dá no mesmo. Não sei dizer o que as pessoas pensam, qual é o entendimento que elas têm dessa doença. Na real, não sei dizer mesmo.

Eu acho que é grave, mas não sei... As coisas estão todas abertas e funcionando. Bar, adega, loja. Um amigo me disse hoje que tá voltando pro trampo numa loja, que o dono abriu na quarta-feira meio período, deu movimento e ele vai abrir o dia inteiro amanhã [sexta-feira].

Eu tô usando álcool em gel direto no trabalho. Evito o máximo de contato com os clientes no mercado que tô fazendo um bico, até dou a volta a no corredor, não saio de casa com os meninos e se não tô trabalhando tô aqui dentro. Essa é nossa preocupação, tá ligado?

Desde a semana passada estou gripado. Nessa semana tenho tido muita dor de cabeça. Minha mulher, não. Ela não tem nada. As crianças têm um pouco de coriza, mas é só isso.

A treta é que aqui é tudo muito colado. Uma casa do lado da outra, casa em cima da outra. Onde parece que é uma só e pequena, tem cinco, seis no mesmo espaço. Tem muita gente aqui que trabalha fora de Paraisópolis. Se o vírus se espalhar aqui, se espalha por todo o resto de São Paulo.

DIÁRIO DA PRIVAÇÃO

Em Paraisópolis, morador narra angústia de não ter comida, emprego e moradia definida em meio à pandemia

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