Descrição de chapéu Coronavírus

Na pandemia, profissionais de saúde fazem elo com famílias e dão suporte a pacientes sozinhos

De visitas virtuais a dança, enfermeiros e médicos relatam o que têm feito para que internados não se sintam tão isolados

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São Paulo

“Antes de sair daqui, quero ver o seu rosto para rezar pelo senhor. Hoje, só conheço seus olhos”. A frase é recorrente entre os pacientes de Bruno Muniz, 30, residente em infectologia, que trabalha no hospital Emílio Ribas, em São Paulo.

Com tanta paramentação, os profissionais da saúde acabam tendo suas faces escondidas. E são eles o único contato com o mundo externo dos pacientes internados em decorrência do coronavírus. Sem poder receber visitas, já que risco de contaminação da doença é alto, o suporte emocional vem dos próprios médicos, enfermeiros e auxiliares.

Muniz, por exemplo, conta que passou a realizar visitas virtuais —com o celular protegido por um plástico e desinfetado. Ele marca um horário para videochamadas com um familiar ou amigo do paciente. Durante a ligação, o residente informa o boletim de saúde, e o internado tem uns minutinhos para conversar e receber notícias dos seus entes queridos.

Quando o paciente está intubado, o residente pede para que a família envie áudios de WhatsApp para que ele toque enquanto estiver dentro dos leitos. “Não sabemos se eles ouvem de fato, mas soube de outros colegas que também fazem isso.”

Há, ainda, os pacientes que não têm amigos ou familiares. “Nessas situações, acabamos sendo um pouco a válvula de escape deles. O mais importante é doar silêncio, escutar e deixá-los falar”, diz o médico, que entende que a situação é nova para todos. “Se nós, profissionais de saúde, estamos assustados, imagina quem não é.”

Durante a pandemia, o residente percebeu uma mudança no comportamento dos internados. “Normalmente, as pessoas sempre questionam quando vão ter alta. Agora, acho que por medo, eles não manifestam tanto esse anseio, estão muito bem informados e, por isso, fazem mais perguntas, como sobre o tratamento com hidroxicloroquina.”

A enfermeira Danila Marra, que divide os plantões entre os hospitais Tide Setúbal, na zona leste de São Paulo, e Padre Bento, em Guarulhos, fala sobre a solidão dos enfermos.

Segundo ela, para combater isso, sua equipe canta, ora, conversa e dá carinho aos pacientes. Mesmo os intubados. “Penteamos os cabelos, fazemos a barba. Esse toque é muito importante para a recuperação. Tenho certeza que eles nos ouvem, pois muitas vezes notamos que lágrimas escorrem dos olhos deles.”

“Rezamos antes de todo início de plantão e tocamos louvor o tempo todo, só desligamos na hora de dormir”, conta. Responsável pelas escalas dos enfermeiros e técnicos, ela conta que procura manter todos os funcionários na mesma escala para que os pacientes consigam criar intimidade.

Ela lamenta não poder confortar famílias quando um deles morre. “Antes, dávamos abraços. Agora, eles não podem nem se aproximar da gente. Até as roupas dos pacientes são descartadas”, diz ela que, durante a pandemia, já teve um colega de profissão que morreu em seus braços.

Apesar das perdas, há também quadros delicados que são revertidos. Foi o que aconteceu com uma paciente do clínico Pedro Carvalho Diniz, que atua em Petrolina (PE), no hospital Univasp. Depois da intubação, ela apresentou melhoras e foi extubada.

O médico Pedro Carvalho Diniz, que atua em Petrolina (PE)
O médico Pedro Carvalho Diniz, que atua em Petrolina (PE) - Arquivo Pessoal

Quatro dias mais tarde, sua recuperação foi registrada em um vídeo postado no Twitter do médico. Ele e a paciente aparecem dançando ao som de um trecho de “Asa Branca” improvisado pelas enfermeiras do local. O momento foi compartilhado por mais de 4.000 usuários.

“Essa música tem um vínculo afetivo com as pessoas daqui”, diz ele que, depois do momento de descontração, avalia ter se sentido muito mais próximo da paciente e ela dele. “Foi um momento de catarse coletiva da equipe que estava cuidando dela."

Na tentativa de fazer com que seus pacientes não se sintam sozinhos, Diniz disse já ter esbarrado em alguns problemas. Como quando foi levada uma televisão com apenas canais abertos para entreter uma paciente. “O problema é que em 90% do tempo só tinha notícias sobre o coronavírus e ela pediu para desligarmos, porque não tinha condições de assistir aquilo.”

Notícias sobre a pandemia têm causado desespero em alguns pacientes, conta ele. “Informações são facilmente disseminadas. Às vezes, recebemos um trabalhador da zona rural, que tem pouco acesso às mídias tradicionais, mas tem WhatsApp no telefone, onde recebe todo tipo de notícia. Quando citamos a Covid-19, notamos um desespero, eles demonstram um medo muito grande em receber esse diagnóstico”, conta o médico.

Diniz enfrenta um problema semelhante ao do residente Bruno Muniz: a paramentação que o distancia dos pacientes, da sua própria equipe, muda sua voz e prejudica a audição de quem está dentro dela. “Todo início de plantão preciso me apresentar para a equipe e colocamos nosso nome em um esparadrapo porque não conseguimos saber quem é quem.”

Ao notar situações semelhantes, foi assim que o hospital Unimed Volta Redonda, no Rio de Janeiro, criou um projeto a fim de trazer comodidade aos pacientes. Os profissionais, agora, entram nos leitos com um vídeo gravado em que eles aparecem com os rostos nus e se apresentam.

“A iniciativa nasceu porque começamos a notar certa confusão por parte dos pacientes, que não conseguiam diferenciar quem éramos e, constantemente, perguntavam ‘mas não era você que estava aqui ontem?’”, conta a enfermeira do hospital Tathiane Cardoso de Sousa, 31.

Frágeis e angustiados com a possibilidade de piora do quadro, os pacientes têm tido reações positivas à iniciativa, diz Sousa. “Eles ficam surpresos quando veem nossos rostos, com reações do tipo ‘então, essa é você!”, conta ela, que avalia que a medida proporciona mais proximidade e acolhimento no tratamento.

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