Médica cita estudos não conclusivos para sugerir conspiração contra cloroquina

Ela também diz que a venda da droga e da ivermectina foi proibida no Brasil, o que não é verdade

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São Paulo

É enganoso o texto escrito pela médica Helen Brandão defendendo que o uso da cloroquina em pacientes no início da Covid-19 elimina o novo coronavírus. No texto, publicado pelo site Diário do Brasil e verificado pelo Comprova, a médica sugere ainda que a indústria farmacêutica tem conspirado para viabilizar remédios mais caros para tratar a doença. Por isso, segundo ela, há um movimento para proibir a venda de medicações baratas, como a cloroquina e a ivermectina. As informações do texto estão distorcidas ou fora de contexto.

Procurada pelo Comprova, Brandão apresentou 34 artigos científicos nos quais afirmou ter se embasado para defender a prescrição da cloroquina e outros compostos, como a ivermectina e o zinco, para pacientes com quadros leves da Covid-19. Nenhum deles é conclusivo sobre a eficácia desses medicamentos.

Alguns não passaram por teste clínico randomizado, em que voluntários são divididos em dois grupos –um recebe o medicamento em estudo e o outro, placebo. As pessoas dos dois grupos são escolhidas aleatoriamente para evitar que fatores como idade e quadro de saúde influenciem nos resultados. Elas são acompanhados por pesquisadores ao longo de vários meses. Esse tipo de estudo é considerado o melhor para avaliar a eficácia de medicações.

Diferentemente do que a médica afirma, a venda da cloroquina e da ivermectina não foi proibida no Brasil. Na verdade, a Anvisa publicou, em 24 de julho, uma norma para que esses medicamentos sejam vendidos com receita médica. E o Ministério da Saúde inclui a cloroquina no protocolo de tratamento para pacientes leves da Covid-19. Ao Comprova, ela reafirmou que existe uma conspiração contra a cloroquina. “Estão tentando evitar que seja usada, pois concorre com o Tocilizumabe (remédio que no Brasil é comercializado como Actemra)”, escreveu, por mensagem.

Pessoa de avental mostra cartelas de cloroquina e hidroxicloroquina
Cartelas de cloroquina e hidroxicloroquina, drogas que não têm eficácia comprovada contra a Covid-19 - Gerald Julien/AFP

Drogas e estudos

Em seu texto, Helen Brandão conta que as discussões envolvendo a hidroxicloroquina a levaram a um “sonho perturbador”, em que ela tinha asas e “conseguia tirar algumas pessoas que ‘subiam’ (…), mas só algumas”. Depois disso, ela escreve, foi pesquisar sobre as drogas e o vírus. “Algumas tabelas e dados me pareciam difíceis de analisar. Mas segui estudando e conversando com colegas que também só queriam entender.”

Após falar com o Comprova, Brandão enviou 34 estudos de diversos países para a equipe, sobre variados temas –cloroquina e hidroxicloroquina (12, no total), ivermectina, zinco, colchicina, nitazoxanida, azitromicina e intubação, entre outros. Todos foram analisados e, destes, ao menos 21 têm limitações e são inconclusivos, segundo os próprios autores.

É o caso da pesquisa intitulada “Uso preventivo da hidroxicloroquina está associado a um risco reduzido da Covid-19 em profissionais de saúde”, que conclui que devem ser realizados estudos mais detalhados, com amostras maiores, utilizando o método do ensaio clínico randomizado controlado –o mais confiável, como o Comprova já explicou.

Outro estudo, segundo o qual a cloroquina reduz o risco de morte em pacientes em fase grave da doença se administrada em pequenas doses, foi contestado pelos autores menos de uma semana após a publicação.

Também enviado pela médica, o estudo “Eficácia clínica dos derivados de cloroquina na infecção pela Covid-19: metanálise comparativa entre o Big Data e o mundo real” tem Didier Raoult entre os pesquisadores –ele é autor de um dos primeiros trabalhos que Brandão leu, como ela conta no site Diário do Brasil.

O infectologista francês ganhou projeção internacional durante a pandemia ao propor o uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19 antes mesmo de ter publicado pesquisa a respeito –o que chegou ao conhecimento de líderes como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que chamou a droga de “cura milagrosa”. Por isso e por utilizar métodos duvidosos em seus estudos , Raoult, que já apareceu em outras verificações do Comprova, é criticado na comunidade científica.

Verificação

O Comprova verifica conteúdos de políticas públicas do governo federal e da pandemia que tenham viralizado na Internet. O texto de Helen Brandão publicado no site Diário do Brasil teve 21.917 interações nas redes sociais, segundo a plataforma de monitoramento Crowdtangle, sendo compartilhado por diversas páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Facebook.

Em ao menos dois grupos do Facebook onde a mensagem circulou, o link foi compartilhado junto com uma mensagem que sugeria submeter as pessoas com visão crítica da cloroquina à morte por enforcamento, em referência ao Tribunal de Nuremberg, que julgou crimes de guerras cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

A investigação desse conteúdo foi feita por Folha, Jornal do Commercio, Nexo e BandNews e publicada na quinta-feira (30) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por UOL, Estadão, Gazeta do Sul, O Povo, Piauí, SBT, Correio e Diário do Nordeste.

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