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Pesquisadores publicam estudo falso sobre cloroquina e patinetes para denunciar revista científica

No meio científico, revista é considerada pouco séria e conhecida por publicar estudos mediante pagamento

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Cristiane Capuchinho
RFI

O artigo foi publicado na revista Asian Journal of Medicine and Health no último sábado (15). O falso estudo correlaciona o uso combinado da hidroxicloroquina com azitromicina e a redução de acidentes de patinete. Sim, é isso mesmo. O absurdo da proposição não impediu o trabalho de ser aprovado por um comitê e de expor, como planejado pelo grupo de jovens pesquisadores, a fragilidade dos critérios de algumas revistas científicas.

O título da revista foi escolhido a dedo, a Asian Journal of Medicine and Health publicou em julho um estudo que promovia o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. O artigo, assinado pela endocrinologista e ginecologista Violaine Guérin, já havia sido recusado por diversas revistas de prestígio, como reconheceu a autora durante uma entrevista à FranceInfo.

Mas a pesquisa foi aceita e publicada nesta revista no dia 15 de julho, semanas após a OMS (Organização Mundial de Saúde) ter interrompido todos os estudos com o remédio por falta de evidências.

No meio científico, a revista é considerada pouco séria e conhecida por publicar estudos mediante pagamento – e não conforme critérios científicos. No entanto, o artigo assinado por Guérin foi citado por diversos jornalistas do mundo como um estudo científico tão válido quanto qualquer outro.

Uma ideia para revelar a farsa

Indignados pela publicação do trabalho e por seu alcance, um grupo de jovens cientistas se reuniu com o objetivo de revelar a farsa da revista científica. Toda a história foi contada no final de semana por Michaël Rochoy, médico da região de Pas de Calais e um dos autores da sátira, em seu blog.

A proposta era absurda: correlacionar o uso da hidroxicloroquina e da azitromicina combinadas com a redução de acidentes de patinete em Marselha, cidade do professor Didier Raoult, o cientista que deu início ao movimento pela hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.

Já na assinatura do falso artigo fica clara a intenção satírica do texto. Entre os autores, Nemo Macron é identificado no Palácio do Eliseu. Nemo é o nome do cachorro do presidente Emmanuel Macron. Há também Manis Javani, do Timor Leste, que repete o nome científico do pangolim.

No artigo, há diferentes referências a falas de Didier Raoult no Youtube, com as devidas citações. O corpo do falso estudo traz ainda dados e imagens sem nenhuma relação com a proposta do trabalho, como a imagem de um osso sacro fraturado após um acidente de patinete de uma mulher que nem teria participado do tal estudo, e nem teria tomado os remédios.

O texto termina com uma conclusão bastante abrangente: o combo de remédios deveria ser usado em todo o mundo para prevenir acidentes de trânsito com patinetes.

Antes de ser publicado no dia 15 de agosto, o artigo foi lido por especialistas e passou por editores científicos. Ainda que sejam pedidas muitas alterações, os revisores não questionam o absurdo da hipótese. “Eles partem diretamente sobre uma revisão menor, de detalhes, e não uma revisão sobre o princípio do artigo”, explica Michaël Rochoy, um dos autores do estudo fraude, ao canal Franceinfo.

No histórico da revisão do artigo, é possível ver que dois editores indicaram que o estudo não deveria ser publicado. No entanto, no dia 15 de agosto, ou seja, apenas 22 dias após ter sido submetido à revista, o estudo apareceu no site da revista “internacional”.

Denúncia bem-sucedida

Na área dedicada às notas de reconhecimento, o grupo deixa um agradecimento a Hervé de Maisonneuve “por sua luta contra revistas predatórias", ou seja, publicações ditas científicas que publicam qualquer coisa mediante ao pagamento.

Neste caso, os pesquisadores pagaram 85 dólares para que o artigo fosse revisado, contou Rochoy ao jornal Le Parisien.

“Não tínhamos certeza de que era um jornal predatório. O objetivo era, portanto, testá-lo. Com esta publicação, colocamos em dúvida o estudo já publicado em meados de julho sobre a hidroxicloroquina e rimos ao mesmo tempo”, afirma Rochoy.

O artigo foi tirado da página da revista ainda no dia 15 de agosto “após o relato de grave fraude científica”, afirma a publicação.

Contudo, o debate sobre a lógica produtivista na academia que leva à busca por publicações de artigos de baixa qualidade ainda está longe do fim.

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