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Profissionais da saúde do Rio que lidam com Covid se dizem preteridos na fila da vacina

Grupo inclui obstetras, enfermeiros, dentistas e fisioterapeutas; 37% da classe não foi imunizada

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Rio de Janeiro

"Vocês sabiam que eu ainda não fui vacinada? Nem boa parte dos dentistas, enfermeiros, psicólogos, fitoterapeutas? E que a gente continua atendendo pacientes com Covid?"

Feito pela obstetra Fernanda Macedo, 45, numa rede social, o desabafo ecoa a contrariedade de profissionais de saúde que não foram contemplados na primeira fase da vacinação contra a Covid-19 no município do Rio de Janeiro. Ficaram para trás nesta fila, que em abril priorizará pessoas acima de 60 anos, conforme calendário da prefeitura carioca. "Fomos esquecidos", resume Macedo.

Os preteridos pedem critérios mais claros para definir quem, afinal, deve ser priorizado no campo da saúde e por quê.

Dos 261,5 mil trabalhadores da área que atuam na capital fluminense, 164,5 mil receberam a primeira dose do imunizante e, destes, 89,5 mil a segunda, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, citando dados do Ministério da Saúde. Ou seja, faltou picar o braço de 97 mil (37%) profissionais.

A enfermeira obstétrica Ana Luiza Zapponi, 34, auxilia em partos de pacientes com Covid e ainda não se vacinou - Arquivo pessoal

A pasta diz que, seguindo diretrizes do PNI (Programa Nacional de Imunizações), vacinou neste primeiro round "apenas os profissionais que atuam na linha de frente do atendimento à Covid-19, os envolvidos diretamente na campanha de vacinação, aqueles com 60 anos ou mais e os de instituições de longa permanência de idosos".

Pode-se argumentar que parte dos que ficaram de fora pode fazer telemedicina (home office, portanto) ou se especializou em práticas eletivas em tempos de pandemia salvo exceções pontuais, um cirurgião plástico pode adiar intervenções estéticas, por exemplo.

Mas e ajudar uma grávida com Covid-19 a parir? Socorrer uma dor de dente, situação em que o paciente necessariamente com a boca aberta e sem máscara? Aplicar fisioterapia respiratória em quem está contaminado ou recém-curado do coronavírus?

A campanha de imunização começou no Rio há dois meses, com uma octogenária e uma técnica de enfermagem de 59 anos vacinadas aos pés do Cristo Redentor. Desamparados, agora, dizerm estar outros profissionais de saúde que também lidam com contaminados pelo coronavírus.

"Como não tem nenhuma orientação central, porque nosso Ministério da Saúde não coordena nada, este órgão delegou aos municípios a organização da ordem de vacinação", diz Macedo à Folha.

"A solução encontrada foi pedir uma lista dos profissionais lotados nas unidades hospitalares, e assim foi feito. Só que, como não havia vacina para todos, muita gente ficou de fora e não teve mais oportunidade de se vacinar."

Na prática, quem não tem vínculo empregatício com essas instituições foi deixado de lado, afirma a obstetra. "Passamos a ser invisíveis. Não importa se você é pneumologista que atende Covid ou se atende grupo de risco, como eu. 'Não tem vacina, espera chegar', é a resposta que recebemos."

Há casos de auxiliares de enfermagem que colhem PCR (o teste nasal para detectar Covid) em pacientes sintomáticos e que ainda esperam sua vez. "Se isso não é linha de frente, eu não sei o que é", diz Macedo.

Para ficar em sua área: a obstetra conta que muitos colegas atenderam gestantes positivas durante o parto. As equipes costumam ter, além do médico titular, anestesista, instrumentador, pediatra, médico assistente e enfermagem. "Todos se expondo e expondo a paciente."

"Bebê não espera a Covid passar para nascer", diz a enfermeira obstétrica Ana Luiza Zapponi, 34, também não imunizada. "Desde o início da pandemia estou entrando e saindo de maternidades com pacientes internados por Covid. Local fechado com grande circulação de pessoas. Atendi mulheres e bebês positivos."

Gestantes e puérperas (as mulheres nos primeiros meses pós-parto) têm imunidade mais baixa e são consideradas grupos de risco. Um profissional contaminado que esteja assintomático, portanto, pode ser mortal. "Além de me preocupar com a minha saúde e a dos meus familiares, fico com uma preocupação constante pelas minhas pacientes e seus bebês."

As queixas se repetem: falta de critério para estabelecer quem ganha uma dose. "É cada instituição criando suas próprias regras. Para profissionais como eu, sem vínculos com nenhuma instituição, ficamos ainda mais à mercê. Deveria haver um cronograma de vacinação, assim como há com os idosos. De que adianta palmas se a valorização do nosso trabalho não é reconhecida?"

De acordo com a Secretaria de Saúde, todos os hospitais de emergência e os que têm pacientes com Covid-19 receberam imunizantes. "Lembrando que as doses eram voltadas não à totalidade dos quadros, mas aos grupos prioritários definidos pelo PNI. Coube aos próprios hospitais a identificação dos profissionais a serem vacinados."

A pasta diz que aqueles ainda não contemplados o serão em breve. Afirma que a ordem não seguirá a faixa etária, "mas a categoria e a atividade" desses trabalhadores sem detalhar o plano de ação.

A secretaria disse na segunda (29) esperar avançar em abril, na medida em que receber mais doses. Na terça (30), após responder à Folha, divulgou novas datas para a classe, com previsão de vacinas trabalhadores da área com 50 anos ou mais até o dia 17 de abril.

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