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Coronavírus

Sem autonomia e quadro técnico, novo ministro pouco avançará no combate à pandemia

Área vive o pior momento, com forte presença militar, hospitais em colapso, políticas de saúde desarticuladas e orçamento enxuto

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São Paulo

O cardiologista Marcelo Queiroga assume o Ministério da Saúde no momento mais crítico dos quase 70 anos de criação da pasta, em um cenário de quase 300 mil mortes pela Covid-19, UTIs lotadas pelo país e um ritmo de vacinação lento que favorece as novas cepas do coronavírus.

Nos bastidores da saúde, há pouca ou quase nenhuma esperança de que o novo dirigente da saúde terá a autonomia para adotar as medidas necessárias de enfrentamento da pandemia, como distanciamento social rígido, vacinação em massa e abandono das falácias propagadas pelo presidente Jair Bolsonaro.

Muitos dizem que a guerra contra a Covid-19 já foi perdida em 2020 e que não há chance de reverter neste primeiro semestre a tragédia que já coloca o Brasil como uma ameaça internacional, especialmente no tocante às novas variantes do coronavírus. Mas é possível torná-la um pouco menor se houver mudança de rumos.

Um dos muitos desafios que o novo dirigente enfrentará é a forte presença de militares hoje no ministério. Desde a chegada do general Eduardo Pazuello, em abril de 2020, funcionários de carreira e técnicos foram substituídos por militares da ativa e da reserva, muitos sem experiência na área de saúde. Hoje em torno de 20 ocupam posições-chave, com cargos de direção em secretarias e departamentos.

No quadro também há médicos que defendem o uso de medicamentos que não funcionam no tratamento da Covid-19, como cloroquina e ivermectina. Sem uma boa equipe técnica, que se apoie nas melhores evidências, há poucas chances de uma gestão adequada dessa complexa engrenagem que é o SUS, ainda mais nesse momento de colapso do sistema.

Também é urgente que o Ministério da Saúde recupere a confiança da sociedade e o protagonismo que sempre teve na articulação das políticas públicas entre os três níveis de atenção à saúde (municipal, estadual e federal) e que perdeu ao longo do primeiro ano da pandemia.

A falta de uma coordenação nacional da crise tem levado estados e municípios a se virarem como podem, da adoção de diferentes protocolos de tratamentos até a busca desesperada por leitos de UTI. As ações de testagem e de isolamento de casos positivos de Covid-19, tão negligenciadas até agora, também precisam ser priorizadas e apoiadas pelo ministério.

Questões como a melhoria na oferta de transporte público, para que a população não seja obrigada a enfrentar ônibus lotados, quase nunca têm entrado no debate das medidas protetivas. Outra grande apreensão que se avizinha é a próxima campanha nacional de combate ao vírus influenza, que deve ter início em abril. Ainda não há seringas suficientes e toda a logística está voltada para a vacinação contra Covid.

Também nada foi discutido até agora, no âmbito nacional, sobre como tratar a legião de sequelados da Covid, que vão precisar de muita reabilitação e de assistência para voltar às atividades normais.

Essa desarticulação prejudica ainda a execução de políticas públicas em outras áreas. Levantamento feito pelo Conasems (conselho de secretários municipais de Saúde) no ano passado estima que 1 bilhão de procedimentos deixaram de ser realizados na rede de saúde. Ações de promoção da saúde, prevenção de doenças e vigilância sanitária e epidemiológica estão comprometidas, praticamente abandonadas.

As cirurgias eletivas foram suspensas no primeiro semestre de 2020 em boa parte do país. Em setembro, parte desses atendimentos voltaram a ser retomados em alguns estados, mas com alta da Covid-19, tudo foi adiado de novo. O câncer não espera. As doenças cardíacas e outras tantas tampouco.

Junto com isso tudo, há um outro problemão: um orçamento mais enxuto. Ainda que a área da saúde deva ficar com quase metade dos R$ 19,76 bilhões de emendas parlamentares, o orçamento global deve sofrer uma baixa. O valor de R$ 136,8 bilhões em despesas previstas para este ano é 21,9% inferior ao que foi empenhado no ano passado. O setor de investimentos perde 39%, e as despesas correntes, 3%.

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