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Cidade mais indígena do país exige vacinação em massa contra Covid

Taxa de mortalidade de indígenas na área urbana de São Gabriel da Cachoeira (AM) é 17 vezes maior do que média nacional, diz Fiocruz

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Manaus

Uma pequena ilha urbana cercada de terras indígenas por todos os lados, a cidade de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, está pressionando o Ministério da Saúde a vacinar contra a Covid-19 também os moradores da área urbana, a “capital” de 23 povos da região.

Na segunda-feira (29), a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) enviou um ofício ao ministério e ao governo do Amazonas exigindo que a população indígena de São Gabriel também seja vacinada.

O documento cita decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal) de 16 de março, que inclui indígenas urbanos no grupo prioritário —o Ministério da Saúde está vacinando apenas os “aldeados”, ou seja, habitantes de terras indígenas.

“É uma vitória ter os nossos parentes sendo imunizados nas aldeias e comunidades, mas o núcleo urbano também é um território indígena e requer uma medida urgente e eficaz”, diz o presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo baré.

O líder indígena afirma que a assistência médica local é precária. O leito de UTI mais próximo está em Manaus, a cerca de 850 km em linha reta. O hospital da cidade, gerido pelo Exército, tem sido alvo de constantes reclamações por falta de atenção e estrutura adequadas.

Em audiência ao Ministério Público Federal na segunda-feira, a médica e antropóloga da Fiocruz Maria Luiza Garnelo apresentou números que demonstram que a taxa de letalidade em São Gabriel da Cachoeira é muito maior entre indígenas do casco urbano em comparação com não indígenas.

Dos 86 óbitos por Covid-19 registrados na sede do município, 79 são de indígenas. Com isso, a taxa de mortalidade de indígenas da área urbana é de 717 por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de não indígenas é de 87 por 100 mil.

No Brasil, a taxa de mortalidade é de 40 por 100 mil habitantes. Em Manaus, que se tornou um dos símbolos da pandemia mundial, o índice é de 390,3 por 100 mil.

São Gabriel é o município com maior população indígena do país, 29 mil pessoas, ou 76,6% do total. Cerca de 11 mil residem no perímetro urbano, de acordo com o Censo 2010 do IBGE. Na prática, há um fluxo constante entre o casco urbano e as centenas de comunidades indígenas do município de 109 mil km2, uma área maior do que oito estados brasileiros.

Alta mortalidade

A médica sanitarista e pesquisadora Ana Lucia Pontes, também da Fiocruz, afirma que estudos têm demonstrado a maior mortalidade de indígenas em outras regiões do país. Nas áreas urbanas, essa maior vulnerabilidade decorre de vários indicadores socioeconômicos desfavoráveis. Por exemplo, apenas 42,4% dos indígenas nas cidades têm saneamento adequado, contra 72,8% para brancos.

“O direito étnico-cultural não deveria estar associado ao lugar de residência. A pessoa é indígena independentemente do contexto onde reside. Fazer a distinção por local de residência é bastante discriminatório”, afirma a pesquisadora, que coordena o grupo temático de saúde indígena da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Pontes ressalta que o fluxo entre aldeia e cidades próximas, como São Gabriel, tem se intensificado nos últimos meses por diversos motivos, como acesso aos programas sociais. Nesse contexto, a falta de vacinação no contexto urbano compromete o processo de imunização dos territórios indígenas.

“Quando não se faz um bloqueio sanitário da vacinação na cidade, as pessoas na aldeia continuarão expostas. As vacinas da Covid não impedem a transmissão, e apenas as pessoas acima de 18 estão sendo vacinadas. Como os indígenas têm um contingente grande de pessoas jovens, muitas pessoas vão continuar suscetíveis à doença”, diz Pontes.

Demandas regionais

Via assessoria de imprensa, o Ministério da Saúde informou que a iniciativa de priorizar indígenas em áreas urbanas deve partir de estados e municípios, que “têm autonomia para seguir com a campanha de vacinação, de acordo com a realidade local e demandas regionais”.

"Conforme a campanha avança, gestores locais podem ampliar a imunização dos grupos prioritários, desde que sigam as orientações estipuladas pelo Programa Nacional de Imunizações”, diz a nota do ministério. “Os indígenas do contexto urbano ou rural serão imunizados pelos serviços municipais ou estaduais de saúde, conforme o cronograma de cada localidade.”

O órgão informou que atende diretamente 755 mil indígenas por meio dos 34 DSEIs (Distritos Sanitários Indígenas), que atuam apenas dentro de terras indígenas.

Desse total, 410 mil têm 18 anos ou mais, portanto, incluídos nos grupos prioritários de imunização do Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19.

Até esta terça-feira (30), 72% da população indígena incluída na meta do Ministério da Saúde havia sido vacinada com a primeira dose, e 53% com a segunda dose.

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