Com queda na imunização, casos de meningite podem crescer após a pandemia

Especialistas afirmam que imunizar adolescentes é a melhor estratégia para controlar a doença

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Guarulhos (SP)

O Brasil teve em 2020 os índices mais baixos de incidência da meningite meningocócica das últimas duas décadas. Foram notificados 357 casos, número que, nos anos anteriores, sempre esteve acima de 1 mil.

A redução, no entanto, é vista com cautela pela comunidade médica.

Com o distanciamento social e o uso de máscaras para controlar a pandemia de Covid-19, era previsto que muitas doenças de transmissão respiratória, como a meningite, teriam menos incidência. Mas o retorno gradual às atividades pode trazer o aumento de casos.

A explicação foi dada por especialistas durante webinário realizado pela Folha, com patrocínio da farmacêutica Sanofi, na quinta-feira (22).

Transmitida por gotículas de secreção do nariz e da garganta expelidas ao falar ou tossir, a doença é a forma mais grave da meningite bacteriana e foi a causa da morte de 3.896 brasileiros de 2010 a 2020.

Um dos fatores que mais preocupam é a baixa adesão à vacina nos últimos anos. Desde 2010, a rede pública oferece a meningocócica C, imunizante que protege contra o sorotipo mais comum no Brasil.

Ele deve ser aplicado em três doses na infância —aos três, cinco e doze meses de idade. Mas a cobertura vacinal, que em 2011 foi de 105%, caiu para 54,4% em 2019, último dado disponível no DataSUS, do Ministério da Saúde.

Mais preocupante ainda é a taxa de imunização dos adolescentes de 11 e 12 anos, que também são público-alvo da vacina. Desde 2017, eles podem ser vacinados no SUS, mas a cobertura esteve em torno de 50%, aquém do ideal.

O problema é que os jovens são peça-chave para controlar a transmissão da bactéria meningococo, causadora da doença. É comum que eles sejam portadores, mas não tenham sintomas nem desenvolvam a meningite. Ainda assim, podem transmiti-la.

“Quando vacinamos adolescentes, além de protegê-los, criamos a chamada imunidade coletiva, porque evitamos que outras faixas etárias, que não têm a disponibilidade da vacina, entrem em contato com a bactéria”, explica a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o PNI (Programa Nacional de Imunizações) de 2011 a 2019.

Mesmo que tenha tomado as três doses na infância, o adolescente deve receber a dose de reforço, porque, diz Domingues, a imunidade se perde, ou enfraquece, ao longo do tempo. A vacina aos 11 ou 12 anos estimula novamente o organismo a produzir anticorpos contra o meningococo.

“Com a pandemia, tivemos uma queda mais acentuada ainda nas coberturas vacinais. Isso significa que temos uma população vulnerável a uma bactéria que continua circulando por aí”, complementa o intensivista pediátrico e presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Juarez Cunha.

Pensando na importância da imunização dos adolescentes, em 2020, o SUS (Sistema Único de Saúde) passou a oferecer uma vacina ampliada para esse grupo, a meningocócica conjugada quadrivalente. Ela recebe esse nome porque, de uma só vez, protege contra quatro sorotipos do meningococo: A, C, W e Y.

Presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, Marco Aurélio Sáfadi explica que as vacinas conjugadas têm se mostrado eficientes não só para prevenir o desenvolvimento da doença, como também a circulação do agente causador.

“Além de induzirem anticorpos que nos protegem contra a doença, os que recebem a vacina não chegam nem a ser colonizados pela bactéria, ou seja, a carregá-la em sua garganta”, explica o infectologista, que foi relator do projeto de defesa da incorporação da vacina ACWY junto à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) do Ministério da Saúde.

A imunização se torna ainda mais importante em razão da alta taxa de letalidade da doença —20% dos que desenvolvem a meningite meningocócica morrem—​ e de sua rápida evolução.

O atleta Daniel Yoshizawa, 35, jogador de vôlei sentado da seleção brasileira, teve meningite aos 21 anos. Ele acordou com fortes dores na nuca, febre e vômitos. Após colherem líquido de sua medula espinhal, os médicos diagnosticaram a doença, mas tiveram que transferi-lo para outro hospital, com mais estrutura. Todo o procedimento levou 12 horas, tempo crucial para doentes com meningite.

Partes do corpo de Daniel começaram a apresentar necrose. Ele teve que amputar as duas pernas acima do joelho, quatro dedos da mão direita e o dedinho da mão esquerda. Ficou 15 dias em coma.

Yoshizawa pertence a uma geração para a qual a vacina contra a meningite meningocócica ainda não estava disponível no SUS. Ele tomou o imunizante quando criança, na rede privada, mas não foi vacinado na adolescência.

Hoje, busca participar de ações públicas que conscientizem a população sobre a importância de vacinar crianças e jovens. “Consigo passar uma mensagem e impactar as pessoas. Fico feliz por isso”, diz o atleta, que se prepara para representar o Brasil nos Jogos Paralímpicos de Tóquio e capitanear a seleção brasileira de vôlei sentado.

Para contornar a queda de cobertura vacinal, os debatedores apostam em diferentes estratégias. Juarez Cunha e Marco Aurélio Sáfadi levantam a possibilidade da vacinação escolar, feita nas unidades de ensino.

Cunha lembra que essa foi a estratégia adotada na primeira fase da imunização contra o HPV (papilomavírus humano), causador do câncer de colo de útero, em 2014. Numa parceria com a Educação, o Ministério da Saúde conseguiu vacinar 87% do público-alvo em seis meses.

Carla Domingues destaca que governo federal, estados e municípios devem estruturar campanhas periódicas sobre a importância da imunização contra a meningite.

Todos frisam que os cuidadores devem seguir levando crianças e adolescentes para tomar a vacina, ainda que o contexto da pandemia persista. “A vacinação é uma atividade essencial”, diz Sáfadi.

O webinário foi mediado pela jornalista Thaiza Pauluze, repórter da editoria de Cotidiano da Folha. ​


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