Descrição de chapéu Coronavírus

Em documento da CPI, governo admite perder 2,3 milhões de testes de Covid e ameaça incinerar excedente

Informação foi enviada pelo Ministério da Saúde ao Ministério Público Federal, que entregou processo a comissão do Senado

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Brasília

O Ministério da Saúde admitiu ao MPF (Ministério Público Federal) que existe o risco de perder milhões de testes para Covid-19. Os kits para detecção do novo coronavírus estão estocados em almoxarifado com prazo de vencimento em maio deste ano.

A informação consta de uma nota técnica enviada pela pasta em abril à Procuradoria da República no Distrito Federal. Inquérito do órgão acompanha a atuação da União na aquisição e na distribuição de testes. O processo do MPF foi encaminhado à CPI da Covid do Senado nesta semana.

No documento, o ministério afirma que guardava em abril 4,3 milhões de exames em Guarulhos (SP) com prazo de validade a expirar. Desse total, havia estimativa de perda de pelo menos 2,3 milhões por causa do vencimento.

Hoje, há ainda quase 2 milhões de exames nas mãos da pasta em estoque. Desse volume, cerca de 1,6 milhão perde a validade neste mês. Há lote que vence nesta sexta-feira (14).

A Folha procurou a pasta na quarta-feira (12) e nesta quinta (13). Até a conclusão deste texto, o ministério não respondeu à reportagem sobre a destinação dada aos testes.

Os testes venceriam a partir de dezembro, mas tiveram o prazo estendido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) até maio.

Segundo o Ministério da Saúde, no documento, os Laboratórios Centrais de Saúde Pública conseguiram aumentar o percentual de testes RT-qPCR (que detectam infecção ativa pelo coronavírus) realizados durante a pandemia ao reduzir o prazo do resultado para até cinco dias.

Contudo, a média atual ainda não é suficiente para consumir todo o estoque de testes que irão vencer em maio, de acordo com a pasta.

"A missão visa garantir que os testes de RT-qPCR sejam distribuídos e consumidos pelos laboratórios em tempo hábil para que não haja desperdício de recurso público, no sentido de apoiar os laboratórios no recebimento e consumo dos testes de RT-qPCR dentro do prazo de validade", diz o documento.

O aumento no ritmo de teste, no entanto, não permitiu ao governo alcançar a meta de realizar mais de 24 milhões de exames até dezembro de 2020, prevista em programa da Saúde. Até agora foram feitos 16,6 milhões de análises.

Fac-símiles comprovam a incineração e a perda de 2,3 milhões de testes de detecção da Covid-19
Fac-símiles comprovam a incineração e a perda de 2,3 milhões de testes de detecção da Covid-19 - Reprodução

Cada teste em estoque custou R$ 42,30. Se o governo federal perder os exames que vencem em maio, o prejuízo será superior a R$ 67,5 milhões.

O ministério já afirmou que poderá trocar os testes sem validade por produtos novos, mas não detalhou como será esse procedimento.

O material em estoque foi adquirido com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), organismo internacional de saúde pública que também atua no Brasil, segundo a nota assinada em conjunto pela Secretaria de Vigilância em Saúde, o Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde e a Coordenação-Geral de Laboratórios de Saúde Pública.

No mesmo documento, o Ministério da Saúde mencionou um pedido urgente enviado à organização, em junho do ano passado, para paralisar a entrega de 4 milhões de testes à pasta e ameaçou incinerar o material.

A solicitação foi justificada pelo órgão "pela pouca saída dos kits", superlotação do almoxarifado em Guarulhos e vencimento dos kits que já estavam estocados (40 mil kits, ou seja, 4 milhões de testes), que venceriam em dezembro do ano passado, e a falta do testes de extração de RNA.

Segundo a pasta, a suspensão temporária de testes ocorreria até que fossem definidas as novas estratégias de testagem pelos gestores da Secretaria-Executiva e da Secretaria de Vigilância em Saúde.

No documento, o órgão dizia ainda que a Opas queria obrigar a pasta a receber os kits, "sem que o ministério tenha aceito o cronograma de entrega".

Acrescentou que a questão poderia gerar problemas de médio a longo prazo para o órgão, caso a entrega fosse autorizada, como a necessidade descarte dos kits. "Será necessário os servidores envolvidos validarem essa incineração", afirmou.

A Opas negou a interrupção, afirmando que os testes começaram a chegar em abril do ano passado no país e, que em junho, período que foi solicitada a suspensão, todos os testes já estavam no país.

Como a Opas não suspendeu a entrega, o ministério recusou parte dos testes enviados pela Fiocruz.

A pasta afirmou que, à época, como estava com muitos kits de amplificação recebidos da Opas (10 milhões), sem ter uma estratégia de distribuição de testagem de maneira consistente, determinou a suspensão da entrega da produção de BioManguinhos.

"A Opas poderia ter informado ao fornecedor e solicitado o cancelamento dos embarques, sem gerar prejuízos ao ministério, mas isto não aconteceu", afirmou a Saúde, no documento.

No documento entregue à Procuradoria da República no DF, o ministério afirmou que foram criadas no ano passado plataformas de alta testagem com o intuito de aumentar a capacidade de realização dos testes moleculares para detecção de Covid.

De acordo com a pasta, era esperado um aumento muito maior na média de processamento de exames por dia. Porém, isso não aconteceu.

Ao MPF, o ministério afirmou que a falta de fornecedores de materiais de coleta, a realização de extração manual, o aumento do número de amostras e a diminuição dos recursos humanos por causa da restrição ao trabalho presencial impediram a celeridade no processamento dos diagnósticos.

A pasta então disse que medidas foram tomadas para garantir a realização dos testes e o processamento dos resultados. O Ministério da Saúde afirmou ter iniciado à época a contratação de testes e equipamentos para extração automatizada, a fim de ampliar a média de processamento pelos laboratórios.

No entanto, esse contrato foi cancelado em meados de setembro. Antes disso, segundo a pasta, foram adquiridos dez equipamentos para analisar o material coletado dos pacientes e mais 3 milhões de testes.

"Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas, os Lacen [Laboratórios Centrais de Saúde Pública] conseguiram diminuir o tempo de liberação dos resultados para uma média de 0 a 5 dias, aumentar o percentual de testes realizados para mais de 90% das solicitações e, assim, detectar um maior número de casos positivos", escreveu a pasta ao MPF.

Ainda assim, as medidas, admitiu a Saúde, foram insuficientes para "consumir todo o quantitativo de testes de RT-qPCR com vencimento para maio de 2021".

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