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Coronavírus Governo Bolsonaro

Discursos como o de Bolsonaro sobre Aids são teste de fogo para redes sociais

Há muito para melhorar na moderação das plataformas, mas esse tipo de comentário não deve continuar no ar

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Carlos Affonso Souza

Professor da Uerj e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Moderação de conteúdo é uma questão tão antiga quanto a explosão da internet no final dos anos 1990. No momento em que diversos fóruns online passaram a congregar uma multidão de usuários, era preciso que alguém ficasse de olho no que era dito. A chamada "netiqueta" —um conjunto informal de boas maneiras para a rede— já não dava conta do recado. Os provedores passaram a criar os seus termos de uso e a sancionar os usuários que violassem as regras.

Essas regras se tornaram ainda mais importantes com a chegada das redes sociais. A revista Time chegou a escolher "você" como a pessoa do ano em 2006, estampando em sua capa: "Você controla a era da informação. Bem-vindo ao seu mundo." Quinze anos depois, a capa da Time não poderia ser mais anacrônica. A era da informação se transformou na era da desinformação e não faltam questionamentos sobre quem a controla.

O presidente Jair Bolsonaro fala durante a live que foi tirada do ar pelas redes sociais
O presidente Jair Bolsonaro fala durante a live que foi tirada do ar pelas redes sociais - Jair Messias Bolsonaro no Facebook - 21.out.21/Reprodução

O cabo de guerra entre governos e empresas globais de tecnologia está cada vez mais tensionado. O ano começou com o governo australiano e o Facebook divergindo sobre o regime de publicação de conteúdo jornalístico nas redes sociais. Mas foi a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, que acendeu o alerta: não havia mais dúvidas de que políticos poderiam usar as redes sociais para lançar desconfianças sobre eleições e incentivar atos de violência. O que acontece na rede não fica na rede.

A pandemia da Covid-19 tornou esse debate ainda mais complexo na medida em que diferentes autoridades governamentais passaram a usar as redes sociais para colocar em prática suas visões populistas e nada científicas sobre o combate ao coronavírus. Em um primeiro momento era preciso afirmar que a pandemia não era grave, que era uma invenção da imprensa. Depois, movimentos antivacina, que crescem mundo afora, ganharam projeção com o megafone proporcionado por discursos governamentais.

Estava mais do que na hora das redes sociais começarem a agir. Mas o que fazer quando a desinformação sobre a vacina vem da boca da autoridade máxima de um país? Esse é o teste de fogo para a moderação de conteúdo em grandes plataformas, como redes sociais e sites de vídeo, que agora precisam não apenas fazer cumprir as suas regras, mas também fazer isso de modo cada vez mais transparente e informativo. Moderar não é só remover conteúdo, mas deixar claro porque isso ocorreu, direcionar o usuário para fontes confiáveis e combater a desinformação.

O YouTube removeu diversos vídeos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendendo o chamado "tratamento precoce", inclusive um em que indicava que a Covid-19 poderia ser tratada com um chá indígena. Nicolás Maduro, líder da Venezuela, também teve uma publicação removida e sua conta suspensa por um mês depois de sugerir que as pessoas deveriam tomar "gotas milagrosas" de um medicamento feito a partir do tomilho.

Em março, diversas redes sociais removeram um vídeo em que Bolsonaro dizia que "a hidroxicloroquina está dando certo em tudo que é lugar". Em abril foi removido o vídeo em que o presidente desestimulava o uso de máscaras, dizendo que esse seria "o último tabu a cair".

Em maio o Instagram ocultou publicação do presidente que alegava erroneamente que o número de mortes causadas por doenças respiratórias no Ceará havia sido menor em 2021 do que em 2020. A Folha revelou que, até aquele mês, o presidente havia feito uma publicação online por semana em defesa do chamado tratamento precoce.

Agora, com a remoção da live presidencial em que Bolsonaro alega que "vacinados [contra a Covid-19] estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids]" é dado mais um passo. Existe muito para ser melhorado na dinâmica da moderação de conteúdo por grandes plataformas. Mas também é certo que comentários como esse não podem continuar no ar. Enquanto os números da Covid no Brasil caem devido à vacinação, combater o discurso antivacina, seja de quem for, é uma questão de saúde pública.

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