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Sem aval da OMS, Conselho Mundial de Saúde espalha desinformação sobre vacina

Entidade não tem respaldo internacional e é formada por médicos que tentam desencorajar imunização contra Covid-19

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Nathália Afonso
Agência Lupa

O site do World Council for Health (Conselho Mundial de Saúde, na tradução livre), uma organização não oficial, tem sido mencionado nas redes sociais para embasar críticas à vacinação contra a Covid-19. Os posts indicam que essa entidade teria comprovado que os imunizantes são "experiências" perigosas para o ser humano. Em seu site, o conselho acumula conteúdos falsos para desencorajar a imunização.

Uma das publicações que usam a entidade como fonte acumulava quase 600 compartilhamentos no Facebook em 30 de março. O texto afirmava que a organização havia pedido que as vacinas "experimentais" contra a Covid-19 parassem imediatamente de ser aplicadas. O perigo dos imunizantes teria sido determinado em consenso pelos "principais peritos no mundo" nessa área.

As vacinas contra o novo coronavírus, no entanto, são seguras e passaram por três etapas de ensaios clínicos antes de serem aplicadas no mundo todo. Além disso, os países têm monitorado possíveis eventos adversos e a incidência de problemas graves é mínima. Os benefícios superam os riscos.

Página na internet do World Council for Health (Conselho Mundial de Saúde), organização não oficial que tem sido mencionada nas redes sociais para embasar críticas à vacinação contra a Covid-19
Página na internet do World Council for Health (Conselho Mundial de Saúde), organização não oficial que tem sido mencionada nas redes sociais para embasar críticas à vacinação contra a Covid-19 - Reprodução

Em sua página, o World Council for Health apresenta-se como uma coalizão mundial de organizações de saúde e grupos da sociedade civil que tem como objetivo ampliar o conhecimento e a compreensão da saúde pública. O site acumula mais de 1.200 compartilhamentos no Facebook, feitos por perfis e páginas que atingem 5,5 milhões de seguidores. Pelo nome, é possível confundir a entidade com o Global Health Council, uma organização que faz parte da Global Health Workforce Network, uma rede dentro da OMS (Organização Mundial da Saúde). Segundo a OMS, o World Council for Health não tem nenhuma relação ou parceria com a organização.

Esse conselho foi criado por um grupo de médicos, todos citados nominalmente no site. Entre eles está o canadense Mark Trozzi, conhecido por ter se posicionado contra os imunizantes para Covid-19. No ano passado, Trozzi foi impedido pelo Colégio de Médicos e Cirurgiões de Ontário de conceder atestados médicos dizendo que seus pacientes não poderiam tomar a vacina. Ele também foi acusado de descumprir as investigações sobre o episódio. A Lupa já verificou conteúdos falsos compartilhados pelo médico que diziam que mulheres grávidas abortaram após tomarem a vacina da Pfizer.

Informações falsas sobre a vacina contra a Covid-19 também podem ser encontradas no site do World Council for Health. Eles afirmam, por exemplo, que os imunizantes não são seguros e que a fabricação, distribuição e promoção deles "violam princípios básicos da lei". Também indicam que as vacinas ficaram prontas muito rapidamente, o que, supostamente, mostraria que elas não tiveram ensaios clínicos robustos. Esse tipo de afirmação já foi classificada como falsa pela Lupa em diversos momentos ao longo da pandemia.

As vacinas contra a Covid-19 foram, de fato, desenvolvidas em tempo recorde. Mas isso não significa que elas sejam ineficazes e perigosas. Todos os imunizantes passaram por uma rigorosa avaliação antes de estarem disponíveis para a população.

Em um primeiro momento, o laboratório realiza testes com animais e, depois, ensaios clínicos com seres humanos, que são divididos em três fases. Após essa etapa, essas empresas requisitam um registro para o órgão regulador de cada país —que no caso do Brasil é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)— para vender e comercializar o imunizante. Todos os dados de segurança e eficácia são revisados por profissionais especializados desse órgão, que avaliam se o registro pode ser liberado. No Brasil, a Anvisa já comunicou que os imunizantes não podem ser classificados como "experimentais".

Quando o novo coronavírus surgiu, muitas tecnologias usadas no desenvolvimento de imunizantes já estavam disponíveis. Isso ajudou os pesquisadores. Além disso, um dos grandes problemas que a ciência enfrenta é a falta de recursos. No caso da vacina contra a Covid-19, o financiamento veio por meio de governos e terceiro setor. No meio de junho de 2020, por exemplo, o governo dos Estados Unidos sozinho investiu US$ 1,95 bilhão (cerca de R$ 9,97 bi na época) para comprar doses.

Eventos adversos

O site lista diversos eventos adversos que supostamente são causados pelas vacinas. A página indica que algumas pessoas imunizadas morreram ou vêm sofrendo com coágulos sanguíneos, dores de cabeça, dores nos membros, zumbido, confusão mental, fadiga crônica (síndrome da vacina pós-Covid-19), demência, doenças cardíacas, herpes zoster, erupções cutâneas e cegueira.

Contudo, até o momento, há muito poucos registros de mortes ocasionadas pela vacina. Além disso, os sintomas mencionados não aparecem nas bulas disponíveis na Anvisa. Segundo a bula da Pfizer, por exemplo, os eventos mais comuns são dor e inchaço no local de injeção, cansaço, dor de cabeça, diarreia, dor muscular, dor nas articulações, calafrios e febre. Já os eventos comuns são vermelhidão no local de injeção, náusea e vômito. A bula completa está disponível no site da agência.

Problemas na fertilidade também foram indicados como um possível efeito colateral da vacina. Como fonte, o conselho sinaliza para um texto publicado pelo site "Rights and Freedoms" que diz que um estudo confidencial da Pfizer apontou que a proteína Spike ataca os ovários, fígado, tecidos neurológicos e outros órgãos. O texto tem como base um estudo que conclui o exato oposto.

Até o momento, não há indícios que a vacina cause infertilidade. Alguns estudos indicam, no entanto, que a Covid-19 pode afetar a fertilidade masculina. Em 2020, pesquisadores da Universidade de Miami demonstraram que o novo coronavírus pode infectar o tecido testicular em alguns homens infectados. A instituição iniciou pesquisa para averiguar o efeito da vacina, mas os testes ainda não foram concluídos. A previsão é que os resultados primários estejam disponíveis em junho de 2022.

Responsabilidade

O World Council for Health avisa que as informações fornecidas no site são apenas para fins educacionais. Eles se isentam da responsabilidade dos textos publicados e indicam que o aconselhamento médico não pode ser substituído.

"Embora tenhamos feito todos os esforços para garantir que as informações contidas neste site tenham sido obtidas de fontes confiáveis, o World Council for Health não é responsável por quaisquer erros ou omissões, ou pelos resultados obtidos com o uso dessas informações. Todas as informações neste site são fornecidas ‘como estão’, sem garantia de integridade, precisão, pontualidade ou dos resultados obtidos com o uso dessas informações, e sem garantia de qualquer tipo, expressa ou implícita, quanto à adequação a qualquer propósito particular", diz o site.

A Lupa entrou em contato com o World Council for Health, porém, não houve retorno.

Editado por Maurício Moraes

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