Descrição de chapéu alimentação maternidade

Indústria confunde famílias com fórmulas e compostos parecidos, diz instituto

Idec entrou com ação contra Nestlé, Danone e a Mead Johnson por semelhança em rótulos de fórmulas infantis e compostos lácteos ultraprocessados

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São Paulo

A Nestlé, a Danone e a Mead Johnson Brasil são acusadas de, propositalmente, produzirem fórmulas infantis e compostos lácteos com nomes e embalagens muito semelhantes para confundirem pais e mães na compra dos produtos para bebês. O problema: compostos lácteos são ultraprocessados e não são recomendados para menores de dois anos.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que afirma que as empresas usam essas semelhanças como estratégia para enganar as famílias, entrou com uma ação civil pública contra as empresas e pede uma indenização coletiva de R$ 60 milhões. A ação foi recentemente apresentada no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Procuradas pela Folha, as empresas afirmam que ainda não forma notificadas e que respeitam padrões de ética e qualidade. Dizem também seguir a legislação brasileira.

Nan ou Neslac? Aptamil ou Milnutri? Enfamil ou Enfagrow? Esses são os nomes das fórmulas infantis e dos compostos lácteos das empresas citadas. O que todas têm em comum? Design de embalagens, cores, nomes e até tipografias que se assemelham.

Embalagem de composto lácteo e de fórmula infantil - Reprodução

A ação do Idec reúne depoimentos de pessoas que se confundiram por causa da semelhança das características dos produtos.

"Esses produtos são muito confusos entre si e, na nossa visão, os fabricantes deles, Nestlé, Danone e Mead Johnson Brasil, no Brasil e fora do Brasil, fabricam intencionalmente para confundir as pessoas", afirma Igor Britto, diretor de relações institucionais do Idec, que afirma que as empresas já sofrem críticas quanto a isso há bastante tempo.

E aqui entram pontos importantes. A alimentação de bebês é um momento extremamente sensível na vida das famílias. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), para que uma criança alcance os seus melhores potenciais de crescimento, desenvolvimento e saúde, o leite materno deve ser dado a partir de uma hora após o parto. Até os seis meses, a alimentação deve ser exclusivamente com leite materno e, após isso, além do aleitamento da mãe, os bebês devem receber alimentação segura e adequada.

Em alguns casos excepcionais, mães não podem amamentar ou estão com problemas para isso. É aí que entra a figura das fórmulas infantis (feitas, usualmente, a partir da modificação do leite de vaca), que, nessas situações, servem como um substituto (ainda que inferior)/complemento do leite materno. Ou seja, o uso das fórmulas, em si, já é/deve ser restrito, mas, às vezes, é necessário.

Segundo Laís Amaral, especialista em saúde pública do programa de alimentação saudável do Idec, as fórmulas têm uma legislação própria e composições nutricionais que precisam seguir determinados padrões.

Já os compostos lácteos ocupam uma outra categoria. São, segundo o Ministério da Saúde, produtos ultraprocessados. Curiosamente, o próprio "Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos", do ministério, alerta para a costumeira semelhança entre fórmulas e compostos.

"Os compostos lácteos têm embalagens e rótulos muito parecidos com os das fórmulas infantis ou leite de vaca, por isso leia o rótulo com atenção", diz o documento, de 2021.

Amaral ressalta que esse tipo de composto é regulado pelo Ministério da Agricultura e que deve ter, no mínimo, 51% de elementos lácteos. O restante varia de empresa para empresa, mas, em diversos casos, é possível identificar açúcares —a oferta não é recomendada para os menores de dois anos— e aditivos alimentares que realçam sabor, por exemplo.

Mesmo sendo ultraprocessados, esses compostos lácteos são colocados como alimentos para a continuidade da alimentação de crianças. Caso você não acompanhe muito o assunto, o consumo da categoria "ultraprocessados" ao longo da vida tem sido, cada vez mais, associado a problemas de saúde, como infartos, AVC, cânceres e obesidade.

Segundo o Idec, a semelhança e a acusada confusão criada entre os produtos tem a finalidade de estimular que o consumidor passe de um produto para o outro, o que é chamado de promoção cruzada.

Um dos pontos a se ressaltar é que é proibida a publicidade de fórmulas infantis —apesar disso, um estudo recente da OMS aponta que mães são alvos frequentes de marketing em redes sociais da indústria de fórmulas infantis. Dessa forma, com propagandas referentes aos compostos lácteos, as empresas acabariam conseguindo, consequentemente, anunciar as suas fórmulas.

"A técnica de promoção cruzada é algo extremamente natural. O problema dessa promoção cruzada específica é quando ela realmente induz o consumidor ao erro e, mais grave ainda, quando a gente está falando de alimentação de bebês", afirma Britto.

Além disso, diz o representante do Idec, cria-se a ideia de uma continuidade de uso nos produtos.

"Com nomes e marcas tão próximas, induz as pessoas acreditar que um produto é a continuação do outro", diz Britto.

A advogada Cintia Morgado foi uma das mães que diz ter se sentido enganada pelas empresas. Ela teve seu filho em 2013 e, após alguns meses de amamentação, como a criança não conseguia ganhar peso, começou, com acompanhamento médico, a utilizar fórmula infantil. Depois, passou a dar o composto lácteo Milnutri, da Danone.

"Ele parece muito com a fórmula. O design é todo igual e eles estão um do lado do outro na prateleira", afirma Cintia. "Aí começa a introdução das outras coisas, vêm aquelas farinhas lácteas. Você fica se sentindo capturado porque está ‘garantindo que o seu filho vai estar bem alimentado’."

Um agravante, segundo a advogada, é que ela ainda estudava e estava envolvida com o tema. "Mesmo quem tem uma preocupação com alimentação é enganado", afirma.

A ação do Idec pede que as empresas alterem as embalagens para melhorar a diferenciação entre os produtos e que evidenciem as diferenças. No meio tempo, pede que as embalagens apresentem um encarte adesivo alertando os consumidores para as diferenças.

O QUE DIZEM AS EMPRESAS

Todas as empresas afirmam que ainda não foram notificadas da ação.

A Nestlé afirma atuar com organizações de saúde pública e entidades setoriais na busca por iniciativas e soluções que tenham como objetivo melhorar o perfil nutricional de seus produtos

"A Nestlé reforça ser uma empresa ética, que cumpre todos os requisitos das legislações em vigor, incluindo aquelas que se referem a composição e rotulagem de alimentos, bem como sua respectiva publicidade", diz a empresa, em nota.

Além disso, a Nestlé diz que possui produtos que consideram diversos grupos de consumidores, de diferentes perfis etários "com necessidades nutricionais específicas, o que inclui sua linha de compostos lácteos".

A Danone diz não comentar processos judiciais em andamento. "A empresa reforça que possui altos padrões de ética e transparência em todas as suas práticas, que atua de maneira íntegra com todos os seus públicos de interesse e que não compactua com ações que não estejam de acordo com a legislação dos países em que está presente", afirma, em nota.

A Danone também diz defender a recomendação de amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses de vida da criança e a continuidade até pelo menos os 2 anos. "Por isso, a Danone não estimula, de forma nenhuma, a substituição do leite materno sem expressa indicação de um profissional especializado".

A Mead Johnson, em nota, diz reforçar "seu compromisso com a saúde e nutrição e seu comprometimento com a legislação brasileira".

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