Descrição de chapéu câncer

Pesquisas sobre HPV e retirada de linfonodos em casos graves de câncer de próstata ganham prêmio Icesp

Láurea de Personalidade de Destaque em Oncologia foi para o urologista Miguel Srougi

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São Paulo

Uma pesquisa sobre a influência do vírus HPV no desenvolvimento de cânceres e outra acerca da importância da retirada dos linfonodos pélvicos após casos graves de câncer de próstata foram premiadas, nesta sexta-feira (5), na 13ª edição do Prêmio Octavio Frias de Oliveira. A láurea de Personalidade de Destaque em Oncologia ficou com renomado urologista Miguel Srougi.

A láurea é uma iniciativa do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), em parceria com o Grupo Folha. O prêmio em homenagem ao então publisher da Folha Octavio Frias de Oliveira, morto em 2007, foi criado para reconhecer e estimular contribuições de pesquisadores brasileiros e de outros profissionais que atuam na área oncológica.

Os prêmios foram entregues no auditório do Icesp, em São Paulo.

Na abertura do evento, o presidente do conselho diretor do Icesp, Paulo Hoff, disse que a qualidade dos trabalhados apresentados tem aumentado ano a ano. "Muitos deles [dos trabalhos inscritos] poderiam ter recebido a láurea neste ano, pela qualidade do que está sendo feito nas universidades brasileiras, diga-se, com grande dificuldade. Vivemos um momento estranho, em que a ciência tem que ficar se provando sequencialmente e é muito questionada."

O diretor de Redação da Folha, Sérgio Dávila, relembrou que a premiação ocorre, anualmente, na data de aniversário de Octavio Frias de Oliveira, que nasceu há 110 anos. "Com a premiação no nome do 'seu Frias' [como era carinhosamente chamado] fica sintetizada a reunião entre a pesquisa e o jornalismo. Entre o melhor conhecimento e a melhor forma de tratá-lo: à luz do sol, de uma maneira que as pessoas, mesmo não especializadas, possam compreender os seus desafios e os seus avanços admiráveis."

A premiação na categoria Pesquisa em Oncologia ficou com a cientista Laura Sichero, que coordena o Laboratório de Biologia Molecular do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Icesp. A pesquisadora e sua equipe foram laureados pelo olhar que direcionaram para variantes do HPV (Papilomavírus Humano).

Existem mais de 200 tipos de HPV descritos. Há, ainda, variantes, ou seja, HPVs que são de um mesmo tipo, mas com códigos genéticos ligeiramente diferentes entre si.

Alguns desses tipos de HPV são associados a determinados cânceres. Por exemplo, os HPVs-16 e 18 (a numeração indica um tipo do vírus) costumam ser mais encontrados em casos de câncer de colo do útero (também chamado de cervical).

Para certas variantes do HPV-16, a literatura científica tem mais claros o potencial oncogênico e o maior risco de desenvolvimento de câncer cervical. Para as do tipo 18, porém, ainda há dados conflitantes.

A equipe de Sichero resolveu, então, analisar a evolução das características das células com infecções persistentes pelas variantes A1 e B1 do HPV-18 e verificar o potencial de evolução de cânceres a partir delas.

Os pesquisadores avaliaram, em estudos in vitro, os "hallmarks" do câncer, ou seja, "marcas" que diferenciam células cancerígenas das comuns. Entre eles estão a imortalização —a capacidade de células cancerígenas se replicarem indefinidamente—, a capacidade de invasão de outros tecidos e a de migração.

Analisando esses "hallmarks" nas células infectadas pelas duas variantes, a equipe conseguiu compreender um pouco melhor o que leva a cepa A1 a ter um maior potencial oncogênico —ou seja, elevar a chance de um câncer— em relação à B1.

Segundo Sichero, a partir desse maior conhecimento dos processos celulares que levam a um tipo de câncer, é possível começar a imaginar alvos terapêuticos para interromper a evolução da doença.

"É um processo muito de longo prazo para sair da pesquisa básica e chegar à [prática] clínica", disse Sichero, sobre a possibilidade de esse tipo de estudo resultar em tratamentos.

Sichero destaca que a premiação é uma recompensa pelos anos de dedicação à pesquisa oncológica. "Faço com muita paixão e muita dedicação."

O empenho tem ainda um componente pessoal: o pai da pesquisadora, Gustavo Sichero, morreu de câncer quando ela tinha 16 anos. "Prometi a ele que eu ia trabalhar o resto da minha vida lutando contra essa doença."

Inovação Tecnológica em Oncologia

O prêmio de Inovação Tecnológica em Oncologia ficou com Jean Felipe Lestingi. O urologista do Icesp foi laureado pela pesquisa que liderou sobre a importância da retirada mais extensa dos linfonodos pélvicos em operações de cânceres de próstata graves (de modo geral, essa doença é o segundo tipo de tumor que mais mata homens em países ocidentais).

Linfonodos são, resumidamente, estações de drenagem linfática que abrigam células de defesa do corpo, especialmente os linfócitos. O problema é que células cancerígenas podem se espalhar para outras áreas do corpo além do local originário da doença (como na próstata, por exemplo) —o que é conhecido como metástase— e um dos locais de possível invasão e instalação são os linfonodos.

"Faz anos que se discute a necessidade de tirar esses linfonodos no tratamento do paciente com câncer de próstata", disse Lestingi. "Mas você não tinha um estudo que mostrasse se precisava tirar, tinha muita controvérsia a respeito disso."

Pensando nisso, o pesquisador e sua equipe desenharam e iniciaram com apoio do Icesp, há cerca de uma década, um estudo randomizado (em que os pacientes são escolhidos e distribuídos entre braços da pesquisa de forma aleatória) e com grupo controle (uma fatia dos participantes não recebe o tratamento estudado —no caso, a retirada extensa dos linfonodos— e, dessa forma, serve de base de comparação para a efetividade do tratamento).

Apesar de, até então, já haver uma indicação para retiradas extensas de linfonodos, não havia estudos com evidências mais robustas sobre os benefícios da prática, afirmou Lestingi.

Na pesquisa pela qual foi premiado, Lestingi recrutou, de maio de 2012 a dezembro de 2016, 300 pacientes com cânceres de próstata de risco intermediário ou alto e candidatos a tratamento cirúrgico. Desse grupo, 141 pacientes tiveram a retirada mais extensa de linfonodos e 149 a mais limitada. Os participantes do estudo foram ainda acompanhados por cinco anos após a cirurgia de câncer de próstata.

Os pesquisadores do Icesp observaram que nos pacientes mais graves a retirada mais extensa levou a uma menor recorrência do PSA (antígeno prostático específico) —proteína usada como um dos indicadores da presença de câncer de próstata—, ou seja, esse grupo, depois da cirurgia, apresentava menor chance de permanecer com a doença em atividade.

"Isso sugere um potencial benefício de retirar os linfonodos de uma maneira completa nesses pacientes com biópsia inicial mais grave", afirmou o urologista.

O estudo mostrou ainda que a retirada mais ampla dos linfonodos permite um melhor estadiamento da doença, o que pode ser traduzido como um melhor diagnóstico sobre a disseminação do câncer na pelve do paciente, considerando que exames de imagem ainda não conseguem fazer essa verificação da extensão do problema, segundo o pesquisador.

Lestingi reforçou que o potencial benefício da retirada de linfonodos não se aplica a todos os pacientes, mas, sim, aos casos mais graves de câncer de próstata.

Personalidade de Destaque

O urologista Miguel Srougi, 75, foi o escolhido como Personalidade de Destaque em Oncologia da 13ª edição do Prêmio Octavio Frias de Oliveira.

Srougi é tido como referência na área urológica no Brasil e acumula milhares de pacientes atendidos. Segundo ele, são mais de 6.500 operações de câncer de próstata e mais de 5.000 de câncer de bexiga.

"Cada doente que eu ajudo é uma ação pontual, mas em torno desse doente existe uma comunidade de pessoas. Compreendo agora que não foram 6.000 pessoas que eu curei. Foi uma grande população de pessoas que se beneficiaram com isso", afirmou o urologista. "Isso me causa uma sensação de felicidade contínua, porque consegui mudar um pouco o mundo na minha passagem."

Formado em medicina na USP (Universidade de São Paulo), em 1970, Srougi fez residência em cirurgia-urologia no HC (Hospital das Clínicas) da Faculdade de Medicina da USP de 1971 a 1974.

De 1976 a 1977, passou um período de estágio de pós-gradução em urologia na Harvard Medical School, nos EUA. Em seguida, vieram o mestrado, doutorado e livre-docência, novamente na USP.

De 1996 a 2005, foi professor de urologia na Escola Paulista de Medicina, na Unifesp, mas acabou voltando para a USP, pela qual "o coração pulsava fortemente". Foi professor titular de urologia na USP até 2021, quando se aposentou da universidade.

O carinho pela USP, porém, permanece forte. Nesta sexta, durante roda de conversa com os ganhadores da láurea, Srougi revelou que chegou uma hora e meia antes do horário da premiação.

"Fiquei andando pelos corredores da faculdade [de medicina da USP, que fica quase ao lado do Icesp]. Quase chorei. Faz parte da minha história. Vivi momentos gloriosos da minha juventude, onde ingenuamente...", disse o urologista, que interrompeu a frase emocionado. Em seguida, contou feliz, em tom de brincadeira, que descobriu que tinha um passe livre para frequentar a faculdade de medicina da USP pelos próximos anos.

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