Descrição de chapéu câncer

Mais mulheres com até 40 anos são diagnosticadas com câncer de mama no Icesp

Aumento indica necessidade de rever estratégias de prevenção, segundo pesquisadores

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São Paulo

Um estudo realizado no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), que fica na capital paulista, indica o aumento na incidência de câncer de mama em mulheres com menos de 40 anos. Em 2020, 21,8% dos diagnósticos ocorreram nessa faixa etária, contra 7,9% em 2009.

Ao todo, de janeiro de 2009 a dezembro de 2020, a instituição tratou 12.569 pacientes com câncer de mama. Dessas, 1.441 tinham menos de 40 anos no momento do diagnóstico.

Só no período de 2009 a 2014, 626 das 6.276 pacientes (10%) estavam abaixo dos 40. No intervalo de 2015 a 2020, o percentual sobe para 13%, com 815 casos entre 6.293 pacientes.

A proporção de mortes abaixo dos 40 anos também aumentou, passando de 9,6% entre 2009 e 2014 para 12,4% entre 2015 e 2020, segundo o estudo, publicado na revista científica Cancer Epidemiology.

Os resultados, de acordo com os pesquisadores, são compatíveis com o que é observado em outros países e aumentam a preocupação com a necessidade de reconsiderar as estratégias de prevenção para as mulheres mais jovens. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a realização de mamografia bianual a partir dos 50 anos.

"Uma das questões debatidas atualmente é qual seria a periodicidade ideal para os exames diagnósticos nesse público", diz Laura Testa, uma das autoras do trabalho.

Mulher com criança no colo
A bióloga Valéria Marteniuk, em Guarulhos, na Grande São Paulo, com a filha, Lana; ela descobriu câncer durante a gravidez e se submeteu a procedimento para retirar o tumor no mesmo dia do parto - Adriano Vizoni/Folhapress

Oncologista clínica da Oncologia D'Or e chefe do Grupo de Oncologia Mamária do Icesp, ela explica que o câncer de mama nessa população mais jovem é mais rápido e agressivo, então simplesmente transpor as medidas de rastreamento usadas para as mulheres mais velhas pode não surtir os mesmos resultados.

A bióloga Valéria Marteniuk descobriu isso aos 35 anos, quando estava com oito meses de gravidez. Mais atenta ao corpo por causa da gestação, ela notou um pequeno caroço no seio esquerdo e avisou sua obstetra. A médica disse que provavelmente fosse um sinal da produção de leite, porém decidiu investigar e pediu um ultrassom. Entre o exame no dia 3 de outubro de 2020 e a cirurgia em 8 de dezembro do mesmo ano, o tumor passou de 1 cm para 4,8 cm.

A decisão da obstetra de investigar o caroço no seio de uma mulher jovem nem sempre é a medida tomada. Apesar do aumento de casos, o câncer de mama em pacientes abaixo de 40 anos continua sendo raro e, às vezes, profissionais demoram mais para solicitar exames em comparação ao que fariam com mulheres mais velhas ou com histórico familiar.

"Então, além de ser uma doença agressiva e que não tem um rastreamento organizado, pode demorar entre a mulher apalpar e efetivamente ter o diagnóstico. Aí vai virando uma bola de neve: diagnóstico atrasado, atraso para pedir exames", afirma Testa.

No caso da economista Julia Maués, o atraso para os exames teve outra razão. Ela estava com 25 semanas de gravidez e devido à gestação não foi possível investigar se o tumor recém-descoberto no seio havia se espalhado para outras partes do corpo. Os médicos nos Estados Unidos, onde ela mora há mais de 20 anos, recomendaram iniciar a quimioterapia e deixar os demais exames para depois que o neném nascesse.

"Quando me contaram, pensei: Eu não estou nem tomando café por causa do bebê e vocês vão me dar quimioterápico? Mas era um tipo de quimioterapia segura. Meu filho nasceu saudável, cheio de cabelo, enquanto eu estava completamente careca", relembra.

A necessidade de quimioterapia também assustou Marteniuk. Ela se submeteu ao procedimento de retirada do tumor no mesmo dia em que fez a cesariana, pouco depois de receber Lana nos braços, e não sabia quais seriam as próximas etapas.

"Meu grande medo não era a cirurgia, era a quimioterapia, porque, para mim, era um sinal de que a pessoa estava morrendo. Então eu desabei. Foi o pior momento. Recebi a notícia de que precisaria do tratamento uma semana depois do parto, no mesmo dia em que a Lana ficou internada por icterícia. Eu, meu marido e minha mãe voltamos para casa chorando no carro."

A bióloga fez 16 sessões de quimioterapia, 18 de radioterapia e também tratamento com o anticorpo monoclonal trastuzumabe, que induz no organismo uma reação de combate às células tumorais. Hoje, está em remissão.

"Depois do meu caso, descobri que duas colegas de trabalho também tiveram câncer de mama antes dos 40 anos, e uma era a minha gerente", diz a bióloga.

Marteniuk, inclusive, não tinha predisposição genética. "Apenas cerca de 10% das mulheres que têm câncer de mama têm uma associação com risco hereditário, então precisamos avaliar também os outros riscos", explica Testa.

A oncologista afirma que, com o risco melhor quantificado, é possível traçar uma estratégia individual, a qual pode englobar teste genético, mamografias ou mudança no estilo de vida. "A paciente deve entender se seu risco é habitual ou acima da média. Para isso, deve conversar com seu médico de família ou ginecologista e contar sobre o histórico familiar, a prática de exercícios físicos e o consumo de álcool", recomenda.

Outubro Rosa

"No Outubro Rosa, falamos muito pouco sobre o álcool e há estudos demonstrando a relação entre consumo de bebida e aumento de risco de câncer de mama", diz a médica.

Ela alerta para o agravamento do quadro na puberdade, quando as glândulas mamárias estão em desenvolvimento. "Precisamos pensar no impacto do álcool na adolescência na incidência de câncer. Muitas pacientes me perguntam o que podem fazer pelas filhas, para evitar que tenham câncer, e eu respondo que o ideal é ter a vida mais saudável possível, inclusive na adolescência."

Outro ponto que não costuma ser abordado no mês de destaque à doença é que o câncer de mama também acomete homens, lembra Maués. "Tenho amigos que sofrem muito com isso porque o rosa da campanha é associado ao feminino."

Julia Maués defende a necessidade de pesquisas dedicadas aos pacientes com câncer metastático - Arquivo pessoal

Os exames da economista após o parto de Max, em julho de 2013, revelaram que o câncer estava presente também no fígado, nos ossos e no cérebro. Em um primeiro momento, ela pensou que não veria o filho crescer, porém ganhou um "tempo de vida bônus" e decidiu trabalhar em prol dos direitos de pacientes com câncer de mama metastático.

Ela é idealizadora do "It's Not Pink" (não é rosa) e buscar dar visibilidade aos pacientes metastáticos, incluí-los em pesquisas e discussões e levantar recursos para pesquisas voltadas para esse grupo.

"Para algumas pessoas, o rosa indica que são amadas, cuidadas. Para mim, ver balões rosa traz uma ideia de festa e não faz sentido comemorar. É uma doença que mata milhares! Quem tem câncer de mama metastático vai morrer disso e estão comemorando?", critica.

Ela também lamenta que o tratamento contra a doença seja visto como uma batalha e a morte, como a perda da guerra. "Os que morrem não lutaram o suficiente? Além disso, o câncer não ganha, morre com a pessoa. Cada um está fazendo o melhor que pode considerando os objetivos que tem".

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