Pará investiga vírus da poliomielite encontrado em fezes de criança

Ministério da Saúde diz que caso deriva de uma provável aplicação errônea da vacina; secretaria afirma que não se trata da cepa selvagem

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São Paulo e Brasília

A Secretaria de Saúde do Estado do Pará disse nesta quinta-feira (6) que investiga um vírus da poliomielite encontrado nas fezes de um menino de três anos no município de Santo Antônio do Tauá. O Ministério da Saúde suspeita que o caso esteja relacionado a um erro vacinal.

"O tipo de vírus detectado no exame é um dos componentes da vacina, não se tratando do pólio vírus selvagem, já erradicado no país desde 1994", ressaltou a secretaria paraense, em nota.

O Ministério da Saúde disse que vai enviar uma equipe ao estado para acompanhar a investigação. Segundo integrantes da pasta, não existe circulação do vírus no Brasil e o caso deriva de uma provável aplicação errônea da vacina. Eles dizem temer ainda que a repercussão atrapalhe na campanha de imunização contra a doença.

Caso o quadro tenha, de fato, relação com o vírus vacinal, será um dos raríssimos casos documentados. Há estimativas que apontam para somente de 2 a 4 casos de paralisia associada à vacina de pólio por milhão de crianças nascidas vivas em países com uso da vacina oral contra a doença.

Criança recebe dose de vacina contra a poliomielite - Yuri Cortez - 17.ago.22/AFP

O Cievs (Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde) nacional deve emitir um comunicado de risco atualizado sobre o tema.

De acordo com nota técnica do Cievs do governo paraense o poliovírus foi isolado nas fezes da criança. O caso havia sido previamente notificado como paralisia flácida aguda (PFA).

O menino apresentou sintomas no dia 21 de agosto de 2022, com febre, dores musculares, mialgia, comprometimento e redução motora nos membros inferiores, 24 horas após receber as vacinas tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) e VOP (vacina oral contra a poliomielite).

Segundo a nota, no dia 12 de setembro de 2022, a responsável pela criança compareceu à Unidade Básica de Saúde do município, onde relatou que no dia 21 de agosto, um dia após a vacinação, o menino apresentou dor no membro inferior direito e começou a mancar. A partir do dia 10 de setembro, perdeu a força nos membros inferiores não conseguindo se manter em pé.

A Vigilância Epidemiológica municipal afirmou que, ao tomar conhecimento, realizou visita domiciliar e solicitou pesquisa de poliovírus nas fezes da criança.

Também afirma que o esquema vacinal do menino estava incompleto. Ele não recebeu as doses da VIP (vacina inativada contra poliomielite) previamente e também possuía apenas duas doses de VOP, o que está em desacordo com as normas do PNI (Programa Nacional de Imunizações).

A coleta de fezes foi realizada no dia 16 de setembro e encaminhada ao Laboratório de Referência do Instituto Evandro Chagas. O resultado positivo saiu para Sabin Like 3 (vírus da pólio) saiu no último dia 4.

Uma equipe da vigilância epidemiológica do estado está no município para levantar e qualificar as informações, além de avaliar o quadro clínico da criança.

Segundo a nota da secretaria da Saúde, outras hipóteses diagnósticas não foram descartadas, como síndrome de Guillain-Barré. "Portanto o caso segue em investigação conforme o que é preconizado no Guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde."

O médico Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), explica que, como a criança havia acabado de receber a vacina Sabin, é normal encontrar o vírus nas fezes.

"Não quer dizer que ele seja o causador da paralisia. É preciso sequenciar esse vírus para ver se está íntegro, atenuado na vacina ou se sofreu alguma reversão da sua virulência e é o causador do quadro de paralisia aguda na criança."

Por isso, ele diz ser necessária uma investigação melhor, inclusive neurológica, e um sequenciamento genético do vírus encontrado nas fezes, para saber se o quadro tem relação com o vírus vacinal ou se a criança desenvolveu uma paralisia por outra doença e foi apenas uma coincidência ter acabado de tomar a vacina.

"Ela tinha um esquema não adequado de vacinação, tinha recebido só as vacinas orais, e não a vacina inativada [contra a pólio], como recomenda o Ministério da Saúde. É ainda um caso suspeito, não é um caso comprovado de paralisia pelo vírus vacinal."

Riscos

A vacina oral contra pólio é construída a partir de vírus atenuados. Ao ser administrada, por meio de gotinha, o vírus enfraquecido ainda consegue se multiplicar no intestino, um processo que leva à construção de anticorpos.

Daí não ser surpreendente encontrar o vírus nas fezes de uma criança recém-vacinada. Inclusive, a liberação de vírus atenuados nas fezes pode ajudar na construção de uma imunização na comunidade —imunização passiva.

Existe um risco, porém, de que em populações com níveis vacinais baixos, o vírus acabe sobrevivendo mais tempo, mutando e, com isso, infectando de fato outras pessoas.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), desde 2000, mais de 10 bilhões de doses orais da vacina contra a pólio foram administradas para cerca de 3 bilhões de crianças. Como resultado, conseguiu-se evitar um total de mais de 13 milhões de casos da doença.

Ao mesmo tempo, houve 24 surtos, em 21 países, relacionados a vírus da pólio derivado da vacina, com, ao todo, 760 casos no mundo todo, ou seja, trata-se de algo extremamente raro —e, em geral, que ocorre em locais com baixo nível de imunização, alta densidade populacional e precário saneamento básico—, especialmente em comparação aos elevados riscos associados à doença.

Uma das formas de combater esse problema foi o movimento global, liderado pela OMS a partir de 2016, de substituição das vacinas orais trivalentes contra pólio pelas bivalentes. Além disso, houve a recomendação da aplicação de pelo menos uma dose do imunizante inativado antes da versão oral atenuada, o que reduz substancialmente a chance de paralisia associada à vacina.

Colaborou Phillipe Watanabe 

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