Descrição de chapéu The New York Times câncer

Procurar micróbios pode virar arma para detectar câncer, mostram estudos

Novas pesquisas estão revelando que tumores estão repletos de bactérias e fungos

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Carl Zimmer
The New York Times

Faça uma busca no Google por uma imagem de um tumor e você provavelmente verá um aglomerado colorido de células cancerígenas contra um fundo pálido de tecido sadio. Mas para Lian Narunsky Haziza, bióloga especialista em câncer do Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, a imagem é muito diferente. Um tumor pode também conter milhões de micróbios, representando dezenas de espécies.

"Acho que isso é um ecossistema", ela disse. "Quer dizer que as células cancerosas não estão sós."

Os cientistas sabem há muito tempo que o corpo humano abriga micróbios, mas sempre tenderam a tratar os tumores como se fossem estéreis. Mas nos últimos anos pesquisadores abandonaram essa ideia, demonstrando que os tumores estão cheios de micróbios.

Uma mão usando luva cirúrgica segura uma placa de Petri amarelada.
Cultura de Candida tropicalis, um tipo de levedura, isolada da mucosa associada ao adenocarcinoma, no laboratório de Iliyan Iliev, imunologista da Weill Cornell Medicine, em Nova York - Jennifer Conrad e Iliyan Iliev via The New York Times

Em 2020, várias equipes de pesquisadores demonstraram que os tumores abrigam diversos mistos de bactérias. E na quinta-feira dois estudos publicados no periódico especializado Cell descobriram que tumores também contêm muitas espécies de fungos.

Este chamado microbioma dos tumores está se revelando tão característico e diferente em cada tipo de câncer que alguns cientistas esperam encontrar sinais iniciais de tumores ocultos, medindo o CNA microbial que eles liberam no sangue. E algumas pesquisas indicam que os micróbios podem tornar os tumores mais agressivos ou mais resistentes a tratamentos. Se isso for comprovado, pode ser possível combater o câncer atacando o microbioma de um tumor, além do próprio tumor.

"É preciso reavaliar quase tudo que sabemos sobre o câncer, olhando-o pela lente do microbioma do tumor", disse Ravid Straussman, biólogo oncologista do Instituto Weizmann que colaborou com Narunzky Haziza em um dos novos estudos.

Nas últimas duas décadas, cientistas mapearam os micróbios presentes no corpo humano, colhendo seu DNA em esfregaços da boca, raspados de pele e fezes. Essas pesquisas identificaram milhares de espécies, totalizando cerca de 38 trilhões de células, que vivem inofensivamente em pessoas saudáveis. Hoje é sabido que muitos órgãos que antes eram vistos como estéreis possuem seus microbiomas próprios.

Enquanto os pesquisadores investigavam o microbioma saudável, o câncer permaneceu na maior parte um terreno desconhecido. Ninguém sabia se os milhões de células que compõem os tumores ofereciam outro hábitat no qual micróbios pudessem viver.

Em 2017, Straussman e seus colegas encontraram bactérias vivendo no interior de tumores pancreáticos. Eles fizeram a descoberta quando tentaram decifrar como alguns tumores conseguiam resistir a uma droga usada em quimioterapia. Descobriram que uma espécie de bactéria que bloqueia a droga vivia dentro dos tumores.

Um emaranhado de pontinhos azuis com algumas manchas rosa
Células fúngicas e imunes no câncer de mama humano, em azul. As células fúngicas estão coloridas de rosa e os núcleos das células humanas, de azul - Deborah Nejman e Nancy Gavert via The New York Times

Essa descoberta levou Straussman e seus colegas a fazer um estudo grande das bactérias presentes em mais de mil tumores de sete tipos de câncer. Em 2020, relataram ter encontrado bactérias vivendo em todos os sete tipos.

Ao mesmo tempo, uma equipe de cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego conduziu sua própria investigação, usando um enorme banco de dados de DNA colhido de diferentes tipos de câncer no início dos anos 2000.

Intitulado Atlas Genômico do Câncer, o projeto visava ajudar cientistas a encontrar mutações em genes de tumores que levassem ao crescimento incontrolável das células cancerosas. Mas a equipe de San Diego reconheceu que os dados não processados podiam também conter DNA de bactérias presentes nos tumores.

Isso, infelizmente, tornou necessário vascular 6 trilhões de fragmentos genéticos no atlas, em busca de fragmentos de DNA bacteriano.

"É como tentar localizar agulhas num palheiro, quando há mais palhas do que há estrelas na Via Láctea", comentou um membro da equipe, Gregory Sepich-Poore.

A busca levou anos, mas valeu a pena. Sepich-Poore e seus colegas descobriram que uma pequena porcentagem dos fragmentos de DNA em 32 tipos de câncer pertencia a bactérias, não a humanos.

Depois de publicar seu estudo, em 2020, os pesquisadores se aliaram à equipe de Straussman para descobrir se os tumores também continham fungos.

Fungos são uma das grandes histórias de sucesso na história da evolução; existem estimados 6,2 milhões de espécies. Eles incluem os cogumelos que crescem em florestas, os levedos usados para fermentar pão e cerveja e o bolor que nos deu a penicilina.

Uma das características compartilhadas por todos os fungos é o modo como se alimentam. Os fungos liberam enzimas para decompor material orgânico nas proximidades e então absorvem o material. Os fungos também podem produzir um número imenso de esporos, que são capazes de sobreviver por anos sob condições inóspitas de todos os tipos.

Somos expostos a fungos constantemente, quer seja pela absorção de esporos que vão parar sobre nossa pele ou pelo consumo de alimentos que deram carona a fungos. A maioria dos fungos não vai fixar residência no corpo humano.

"Muitos deles estão apenas de passagem", explicou o imunologista Iliyan Iliev, da Weill Cornell Medicine, em Nova York.

Mas algumas espécies de fungos se adaptaram para viver dentro de nós. Fungos da pele decompõem os óleos que produzimos. Outros alimentam-se dos açúcares presentes na boca e no trato digestivo das pessoas. Cientistas já encontraram outros fungos também no corpo humano cuja vida ainda é um mistério. "Não sabemos muito, na realidade", disse Iliev.

Imagem microscópica de um tumor pulmonar, que se assemelha a um borrão de tinta verde, com pontinhos pretos espalhados.
Uma parte de um tumor de pulmão humano, em turquesa, com fungos corados em preto - Lian Narunsky Haziza e Nancy Gavert via The New York Times

Os pesquisadores de San Diego e do Instituto Weizmann procuraram fungos em tumores mais ou menos da mesma maneira como procuraram bactérias, voltando a estudar a galáxia de fragmentos de DNA no Atlas Genômico do Câncer. Só que desta vez eles procuraram genes fúngicos. E também examinaram a coleção de tumores de Straussman.

Todos os tipos de tumores que os cientistas examinaram, de 35 tipos distintos de câncer, continham fungos, e cada tipo possuía uma combinação singular de espécies de fungos, como informaram os cientistas em um dos estudos divulgados na quinta-feira.

No outro estudo novo, Iliev e seus colegas, trabalhando independentemente, encontraram fungos em tumores de sete partes do corpo: boca, esôfago, estômago, cólon, reto, mamas e pulmões.

O ecologista microbiano Deepak Saxena, da New York University e não envolvido com nenhum dos dois estudos, se surpreendeu com a abundância das descobertas. "E não esperava essa quantidade de fungos em tumores", ele disse. "Isto vai mudar nosso modo de encarar o câncer."

Tradução de Clara Allain

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