Descrição de chapéu The New York Times África

Uganda tenta conter surto de ebola causado por cepa para a qual inexiste vacina

Cientistas e autoridades de saúde fazem pressão para o início de ensaios clínicos de 2 imunizantes

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Abdi Latif Dahir Musinguzi Blanshe
Nairobi (Quênia) e Campala (Uganda) | The New York Times

Um surto de ebola em Uganda provocado por uma cepa para a qual não existe nem vacina nem tratamento com remédios está suscitando medo na África oriental. As autoridades estão se atropelando para tentar conter o vírus, que já causou 35 casos confirmados e sete mortes.

Cientistas e autoridades de saúde estão fazendo pressão pelo início de ensaios clínicos de duas vacinas experimentais contra essa cepa, que surgiu no Sudão em 1976. Embora haja vacinas relativamente novas e poderosas contra o ebola, elas não protegem contra a cepa do Sudão, e isso complica os esforços para erradicar a doença rapidamente antes que sobrecarregue o sistema de saúde público ugandense, já frágil.

Na região central de Uganda, onde os casos de ebola foram notificados, pelo menos seis profissionais de saúde já contraíram o vírus, levando alguns de seus pares a pedir transferência para outras áreas. Pais estão tirando os filhos da escola, temendo o vírus altamente contagioso. E, num país que já enfrentou vários surtos de ebola desde o anúncio de seu primeiro caso, em 2000, persistem os temores de que outro vírus que se dissemina rapidamente leve à imposição de restrições que devastem uma economia ainda impactada pelos lockdowns do coronavírus.

Enfermeiros na porta de hospital em Uganda. Todos são negros e estão protegidos com máscara, luvas cirúrgicas e uma capa azul.
Membros da unidade de tratamento de Ebola na semana passada no Hospital Regional de Referência de Mubende, em Uganda - Badru Katumba - 24.set.2022/AFP

"A situação toda me causa grande preocupação", disse em entrevista o representante da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Uganda, Yonas Tegegn Woldemariam.

Com o vírus tendo chegado a um quarto distrito na sexta-feira e afetando uma área num raio de mais de 120 km, "estamos em desvantagem", ele disse.

O ebola é uma doença fortemente contagiosa transmitida pelo contato com pessoas ou animais doentes ou mortos. Ela provoca febre, fadiga, diarreia e hemorragias internas e externas. O surto de 2014-16 na África ocidental foi a epidemia mais letal de ebola, tendo levado a 11,3 mil mortes. O surto de 2018 no Congo matou 2.280 pessoas.

As autoridades ugandenses excluíram até agora a possibilidade de ordenar toques de recolher ou ordens de permanência em casa, assim como de limitar o movimento de pessoas em escolas, feiras ou igrejas e templos.

"Não há necessidade de ansiedade, pânico, restrição de deslocamentos ou fechamentos desnecessários de locais públicos", disse o presidente Yoweri Museveni após um discurso televisionado na semana passada. Tendo imposto lockdowns rigorosos no início da pandemia de coronavírus, dois anos atrás, Museveni disse que seu país é capaz de controlar o ebola.

A secretária do Ministério da Saúde em Uganda, Diana Atwine, uma mulher negra, de cabelos curtos e usando terno e óculos. Ela está sentada na ponta de uma mesa rodeada de jornalistas, com câmeras, celulares e microfones.
Diana Atwine, secretária permanente do Ministério da Saúde de Uganda, ao anunciar um caso de ebola em entrevista coletiva no último dia 20 em Campala, capital do país - Hajarah Nalwadda - 20.set.2022/Xinhua

Uganda está cooperando com países vizinhos, incluindo Ruanda e Quênia, para intensificar a vigilância nas fronteiras terrestres e nos aeroportos.

O surto mais recente de ebola em Uganda veio a público no último dia 20, quando um caso do vírus foi confirmado em um homem de 24 anos hospitalizado no distrito de Mubende, a 145 km da capital, Campala.

O paciente apresentara sintomas incluindo febre alta e hemorragia ocular já no dia 11 do mês passado e havia ido a várias clínicas em busca de atendimento médico. Acabou sendo isolado e hospitalizado no dia 15, mas morreu cinco dias mais tarde.

Em seu discurso televisionado, Museveni disse que o paciente dissera que pessoas de seu vilarejo com sintomas semelhantes haviam morrido.

A demora em identificar e rastrear o primeiro caso humano, somada ao fato de ter sido notificado num distrito vizinho a uma rodovia importante, provocou o receio de que o vírus tenha se espalhado para grandes centros urbanos e para países vizinhos. A OMS disse que já houve pelo menos 18 outras mortes prováveis e 19 outros casos ligados ao surto atual.

A cepa do Sudão do vírus havia sido detectada em Uganda pela última vez em 2012. As pessoas infectadas não podem transmitir o vírus até o surgimento dos sintomas, que aparecem após um período de incubação que pode durar entre dois e 21 dias.

As vacinas existentes –como a injetável Ervebo, usada com êxito para combater a cepa do Zaire do ebola no vizinho Congo— não protegem contra a cepa do Sudão.

Mas especialistas esperam que isso possa mudar em breve.

Yonas disse que há pelo menos seis candidatas a vacinas que se encontram em fases diferentes de desenvolvimento e têm a possibilidade de proteger contra a cepa do Sudão. Duas delas vão ser submetidas a ensaios clínicos no Uganda nas próximas semanas, depois de passar por revisões regulatórias e de ética do governo.

As duas vacinas que provavelmente serão aprovadas estão sendo desenvolvidas pelo Instituto Sabin de Vacinas, de Washington, e pela Universidade Oxford. Se for aprovada, a vacina Sabin, de dose única, provavelmente será a primeira a passar por ensaios clínicos. Enquanto surgem novas evidências sobre as candidatas remanescentes, a OMS disse que vai trabalhar com um grupo de especialistas independentes para ajudar a avaliá-las.

Um homem negro, usando máscara e um colete do Médicos Sem Fronteira, monta a rede de uma grade em um campo de terra.
Membros do Médicos Sem Fronteiras montaram, nesta semana, uma unidade de isolamento para tratamento de ebola no Hospital Regional de Referência de Mubende - Badru Katumba - 24.set.2022/AFP

Por enquanto, autoridades de saúde e várias ONGs estão reagindo à crise treinando profissionais médicos, preparando novas unidades de isolamento e disponibilizando mais laboratórios para a realização de testes.

Mais de 400 pessoas que entraram em contato com as pessoas contaminadas já foram rastreadas. Dois pacientes receberam alta hospitalar na tarde de sexta-feira (30), segundo a OMS.

As autoridades de saúde lançaram várias campanhas de conscientização do público sobre como se proteger, sobre não estigmatizar os contaminados e notificar pessoas com sintomas de ebola, disse Oluma Jacob, assessor de saúde do Medical Teams International, organização humanitária que está trabalhando para conter o surto.

Ele disse que isso foi feito porque "houve medo e muito pânico na comunidade" quando os primeiros casos foram notificados na região central do país.

O pânico se evidenciou entre pais de alunos no distrito de Mubende, onde o primeiro caso foi detectado.

Nkwesiga Maxim, diretor da escola primária católica St. Kizito Madudu, em Mubende, disse que metade dos alunos da escola tem faltado às aulas.

"O medo é muito grande", ele explicou.

A mesma coisa foi dita por profissionais de saúde da linha de frente, para os quais a falta de remuneração e proteção adequadas, especialmente para residentes e estagiários em medicina, está pondo sua vida em risco. Os seis profissionais infectados incluem quatro médicos, um anestesista e um estudante de medicina, disse Museveni. No sábado, o Ministério da Saúde confirmou a morte de um dos médicos.

Luswata Herbert, secretário-geral da Associação Médica Ugandense, disse que, se o governo não remediar a situação em pouco tempo, "os profissionais médicos vão recusar-se a atender os pacientes, porque temem por sua vida e seus direitos".

Traduzido originalmente do inglês por Clara Allain

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