Um surto de ebola em Uganda provocado por uma cepa para a qual não existe nem vacina nem tratamento com remédios está suscitando medo na África oriental. As autoridades estão se atropelando para tentar conter o vírus, que já causou 35 casos confirmados e sete mortes.
Cientistas e autoridades de saúde estão fazendo pressão pelo início de ensaios clínicos de duas vacinas experimentais contra essa cepa, que surgiu no Sudão em 1976. Embora haja vacinas relativamente novas e poderosas contra o ebola, elas não protegem contra a cepa do Sudão, e isso complica os esforços para erradicar a doença rapidamente antes que sobrecarregue o sistema de saúde público ugandense, já frágil.
Na região central de Uganda, onde os casos de ebola foram notificados, pelo menos seis profissionais de saúde já contraíram o vírus, levando alguns de seus pares a pedir transferência para outras áreas. Pais estão tirando os filhos da escola, temendo o vírus altamente contagioso. E, num país que já enfrentou vários surtos de ebola desde o anúncio de seu primeiro caso, em 2000, persistem os temores de que outro vírus que se dissemina rapidamente leve à imposição de restrições que devastem uma economia ainda impactada pelos lockdowns do coronavírus.
"A situação toda me causa grande preocupação", disse em entrevista o representante da Organização Mundial de Saúde (OMS) para Uganda, Yonas Tegegn Woldemariam.
Com o vírus tendo chegado a um quarto distrito na sexta-feira e afetando uma área num raio de mais de 120 km, "estamos em desvantagem", ele disse.
O ebola é uma doença fortemente contagiosa transmitida pelo contato com pessoas ou animais doentes ou mortos. Ela provoca febre, fadiga, diarreia e hemorragias internas e externas. O surto de 2014-16 na África ocidental foi a epidemia mais letal de ebola, tendo levado a 11,3 mil mortes. O surto de 2018 no Congo matou 2.280 pessoas.
As autoridades ugandenses excluíram até agora a possibilidade de ordenar toques de recolher ou ordens de permanência em casa, assim como de limitar o movimento de pessoas em escolas, feiras ou igrejas e templos.
"Não há necessidade de ansiedade, pânico, restrição de deslocamentos ou fechamentos desnecessários de locais públicos", disse o presidente Yoweri Museveni após um discurso televisionado na semana passada. Tendo imposto lockdowns rigorosos no início da pandemia de coronavírus, dois anos atrás, Museveni disse que seu país é capaz de controlar o ebola.
Uganda está cooperando com países vizinhos, incluindo Ruanda e Quênia, para intensificar a vigilância nas fronteiras terrestres e nos aeroportos.
O surto mais recente de ebola em Uganda veio a público no último dia 20, quando um caso do vírus foi confirmado em um homem de 24 anos hospitalizado no distrito de Mubende, a 145 km da capital, Campala.
O paciente apresentara sintomas incluindo febre alta e hemorragia ocular já no dia 11 do mês passado e havia ido a várias clínicas em busca de atendimento médico. Acabou sendo isolado e hospitalizado no dia 15, mas morreu cinco dias mais tarde.
Em seu discurso televisionado, Museveni disse que o paciente dissera que pessoas de seu vilarejo com sintomas semelhantes haviam morrido.
A demora em identificar e rastrear o primeiro caso humano, somada ao fato de ter sido notificado num distrito vizinho a uma rodovia importante, provocou o receio de que o vírus tenha se espalhado para grandes centros urbanos e para países vizinhos. A OMS disse que já houve pelo menos 18 outras mortes prováveis e 19 outros casos ligados ao surto atual.
A cepa do Sudão do vírus havia sido detectada em Uganda pela última vez em 2012. As pessoas infectadas não podem transmitir o vírus até o surgimento dos sintomas, que aparecem após um período de incubação que pode durar entre dois e 21 dias.
As vacinas existentes –como a injetável Ervebo, usada com êxito para combater a cepa do Zaire do ebola no vizinho Congo— não protegem contra a cepa do Sudão.
Mas especialistas esperam que isso possa mudar em breve.
Yonas disse que há pelo menos seis candidatas a vacinas que se encontram em fases diferentes de desenvolvimento e têm a possibilidade de proteger contra a cepa do Sudão. Duas delas vão ser submetidas a ensaios clínicos no Uganda nas próximas semanas, depois de passar por revisões regulatórias e de ética do governo.
As duas vacinas que provavelmente serão aprovadas estão sendo desenvolvidas pelo Instituto Sabin de Vacinas, de Washington, e pela Universidade Oxford. Se for aprovada, a vacina Sabin, de dose única, provavelmente será a primeira a passar por ensaios clínicos. Enquanto surgem novas evidências sobre as candidatas remanescentes, a OMS disse que vai trabalhar com um grupo de especialistas independentes para ajudar a avaliá-las.
Por enquanto, autoridades de saúde e várias ONGs estão reagindo à crise treinando profissionais médicos, preparando novas unidades de isolamento e disponibilizando mais laboratórios para a realização de testes.
Mais de 400 pessoas que entraram em contato com as pessoas contaminadas já foram rastreadas. Dois pacientes receberam alta hospitalar na tarde de sexta-feira (30), segundo a OMS.
As autoridades de saúde lançaram várias campanhas de conscientização do público sobre como se proteger, sobre não estigmatizar os contaminados e notificar pessoas com sintomas de ebola, disse Oluma Jacob, assessor de saúde do Medical Teams International, organização humanitária que está trabalhando para conter o surto.
Ele disse que isso foi feito porque "houve medo e muito pânico na comunidade" quando os primeiros casos foram notificados na região central do país.
O pânico se evidenciou entre pais de alunos no distrito de Mubende, onde o primeiro caso foi detectado.
Nkwesiga Maxim, diretor da escola primária católica St. Kizito Madudu, em Mubende, disse que metade dos alunos da escola tem faltado às aulas.
"O medo é muito grande", ele explicou.
A mesma coisa foi dita por profissionais de saúde da linha de frente, para os quais a falta de remuneração e proteção adequadas, especialmente para residentes e estagiários em medicina, está pondo sua vida em risco. Os seis profissionais infectados incluem quatro médicos, um anestesista e um estudante de medicina, disse Museveni. No sábado, o Ministério da Saúde confirmou a morte de um dos médicos.
Luswata Herbert, secretário-geral da Associação Médica Ugandense, disse que, se o governo não remediar a situação em pouco tempo, "os profissionais médicos vão recusar-se a atender os pacientes, porque temem por sua vida e seus direitos".
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